Artigo 60 | O Brasil na Encruzilhada: política, planejamento e investimentos na experiência recente (2007-2014) do PAC

O Brasil na Encruzilhada: política, planejamento e investimentos na experiência recente (2007-2014) do PAC – ruptura democrática e estagnação econômica.[1]

 

José Celso Cardoso Jr.[2]

Cláudio Alexandre Navarro[3]

 

Introdução

 

Durante a década compreendida, grosso modo, entre os anos de 2003 e 2013, o Brasil vivenciou um interessante movimento de retomada das atividades de planejamento governamental no âmbito de um processo mais amplo de reemergência do protagonismo estatal na redefinição de caminhos e na própria implementação de políticas e programas de – e para o – desenvolvimento nacional.[4]

Todavia, por razões cujas explicações completas extrapolam o escopo deste texto, a conjuntura brasileira (política e econômica) deteriorou-se profundamente desde 2015, revertendo o processo de desenvolvimento em curso desde 2003, no qual três vetores impulsionaram a dinâmica econômica, a saber: i) o alargamento do mercado consumidor doméstico; ii) os investimentos em infraestrutura econômica, social e urbana, capitaneados pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) entre 2007 e 2014; e iii) a expansão dos investimentos e exportações no amplo segmento dos recursos naturais (agropecuária e extração mineral), em particular commodities.[5]

Mui brevemente, apenas para enquadrar a situação descrita acima, referimo-nos a um conjunto de fatores tais como:

  • A persistência da crise econômica internacional que se arrasta desde 2008, com estagnação ou piora esperada para os próximos anos;
  • A queda dos preços internacionais do petróleo, situação que se vê agravada, no caso brasileiro, por denúncias de corrupção envolvendo contratos superfaturados da Petrobrás, a principal empresa estatal nacional a compor o arranjo até então exitoso de recuperação de investimentos em infraestrutura no país;
  • A sobreposição de crise hídrica e crise energética, afetando justamente a região sudeste – vale dizer, a mais industrializada e populosa – do Brasil;
  • Uma crise política decorrente do acirramento ideológico havido nas últimas eleições presidenciais brasileiras em 2014, e que se desdobra, desde então, em fortes tensões e descrédito intra e entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, todos envolvidos em casos de corrupção ativa ou passiva;
  • Por fim, mas não menos importante, e sem pretender estender demasiadamente a lista, uma profunda crise de legitimidade e desconfiança sobre os principais meios de comunicação privados do país (televisões, rádios, jornais e revistas, impressos e eletrônicos), os quais assumiram posicionamentos político-ideológicos e atitudes abertamente oposicionistas ao governo até então vigente, em particular ao Partido dos Trabalhadores, por meio das quais conseguiram deflagrar o golpe de Estado de 2016 no país.

Tudo somado, trata-se, portanto, de ambiente bastante acirrado de contradições que jogaram para baixo tanto o nível pretérito de confiança engendrado pelos três motores de expansão acima indicados, como as expectativas futuras da classe empresarial (nacional e estrangeira) em relação às perspectivas de novos negócios e sustentação do crescimento econômico. Em suma, podemos resumir a situação atual dizendo que esgotou-se a convenção de crescimento que havia ancorado a trajetória relativamente exitosa da economia brasileira entre 2003 e 2013 (Ipea, 2010),[6] e seus protagonistas agora aguardam o desfecho dos acontecimentos narrados acima.

De todo modo, nada do que venha a ocorrer invalida os argumentos aqui apresentados com relação ao peso econômico e ao papel político fundamentais que o PAC jogou na reformatação do Estado brasileiro e na concepção e práticas recentes do planejamento governamental no país. Neste capítulo, portanto, buscaremos apresentar elementos para uma interpretação acerca das origens e desenvolvimento institucional do PAC, lançado no começo de 2007 (PAC-1), posteriormente recalibrado em fins de 2010 (PAC-2) e, em termos práticos, encerrado em 2015, com o lançamento do Programa de Investimentos em Logística (PIL), ainda sob o comando de Dilma Rousseff, em derradeira tentativa de reanimar o mercado e destravar investimentos.

Ao indagar sobre suas origens, buscaremos desvendar, na seção 2, sobre quais bases e contexto deita raízes o arranjo político e institucional original do PAC, e como ele foi-se modificando ao longo do tempo. Por sua vez, ao explorar aspectos relativos ao seu desenvolvimento institucional ao longo do tempo (2007 a 2014), buscaremos proceder a um registro das principais inovações dele derivadas nos campos do planejamento governamental e da gestão pública (seção 3).[7] Por fim, ao sugerir perspectivas futuras, buscaremos evidenciar problemas e desafios prementes no contexto atual do investimento público no Brasil, estaremos tentando vislumbrar o potencial latente a alguns dos desdobramentos do PAC para a trajetória esperada de desenvolvimento do Brasil na próxima década, como também estabelecendo algumas das chances e condições de aperfeiçoamento tecnopolítico e institucional da própria função planejamento governamental no país, em sintonia direta com a dimensão da gestão pública para o desenvolvimento nacional (seção 4).

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REFERÊNCIAS:

[1] Este texto foi produzido a convite do ILPES/CEPAL (Instituto Latinoamericano e do Caribe de Planejamento Econômico e Social, vinculado à Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, com sede na cidade de Santiago, no Chile. Agradecemos ao ILPES/CEPAL pela autorização em publicá-lo, com algumas modificações substantivas em relação ao Texto para Discussão n. 2174 do IPEA, de março de 2016. E isentamos esta organização pelos erros e omissões ainda presentes no texto.

[2] Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. Os autores assumem total responsabilidade pelo formato e conteúdo deste trabalho, isentando as organizações nas quais trabalham pelos erros e omissões ainda presentes no texto.

[3] Analista de Planejamento e Orçamento do Ministério do Planejamento. Os autores assumem total responsabilidade pelo formato e conteúdo deste trabalho, isentando as organizações nas quais trabalham pelos erros e omissões ainda presentes no texto.

[4] Sintomáticos desse fenômeno são os mais de 30 documentos oficiais de planejamento produzidos entre 2003 e 2013 apenas em âmbito federal no Brasil, conforme nos informa estudo anterior de Cardoso Jr. (2014a). De forma geral, pode-se dizer que os documentos produzidos no ambiente do PPA 2004-2007 tiveram caráter mais genérico, diagnóstico, com grau de abstração incompatível com as necessidades concretas do planejamento. Em contrapartida, os documentos produzidos no ambiente dos PPA 2008-2011 e PPA 2012-2015, incluindo os próprios PPA, foram visivelmente elaborados com graus de concretude maior, um pragmatismo declarado que buscava responder, em geral, a demandas e elaborações setoriais ou de grandes empresas estatais.

[5] O economista Ricardo Bielschowsky (2014) fala em três frentes de expansão – mercado interno de consumo de massas, investimentos em infraestrutura, e exportações de produtos agroindustriais e minerais – para caracterizar o modelo de desenvolvimento que teria vigora no Brasil entre 2004 e 2014.

[6] Do livro citado (Ipea, 2010), ver em particular o capítulo 1 – As Convenções de Desenvolvimento no Brasil Contemporâneo: uma abordagem de economia política, escrito pelo Prof. Dr. Fábio Erber – e o capítulo 2 – Institucionalidade e Política Econômica no Brasil: uma análise das contradições do atual regime de crescimento pós-liberalização, escrito pelo Prof. Dr. Miguel Bruno.

[7] Aos interessados em uma visão panorâmica acerca de alguns dos principais resultados do PAC, em termos físicos (entrega de bens e serviços) e financeiros (evolução global e nível de execução dos recursos), ambos com algum grau de desagregação territorial por grandes regiões ou estados da federação, e também por grandes setores ou áreas da atividade econômica, ver Cardoso Jr e Navarro, 2014.