Brasil: um novo modelo de desenvolvimento?

Fabrício Augusto de Oliveira*

A flexibilização dos componentes do tripé macroeconômico no governo atual, vigente no Brasil desde o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, composto por metas de inflação, de superávit primário e câmbio flutuante, bem como a maior ênfase que vem sendo dado, de um lado, à redução do custo-Brasil, com a diminuição do preço da energia, o lançamento de programas de infraestrutura econômica, e, de outro, também ao fortalecimento do mercado interno, via consumo, têm suscitado opiniões de diversos analistas que enxergam, nessas medidas, a construção de um novo modelo de desenvolvimento, com uma maior convergência entre o econômico e o social. Nessa visão, a desmontagem gradual dos alicerces do modelo econômico da era do Real, incapaz, por sua arquitetura, de estabelecer uma ponte entre o curto e o longo prazo, estaria, dessa maneira, dando lugar a um novo modelo de desenvolvimento que combina crescimento com inclusão social.

Em favor dessa visão, é possível constatar ter aumentado, de fato, a tolerância do governo (inclusive do Banco Central) com a inflação, tendo-se substituído a obsessão com o atingimento da meta central de 4,5% por um nível superior contemplado neste regime, desde que este, contudo, não ultrapasse o teto previsto de 6,5%. De outro, a acomodação do câmbio e sua manutenção na faixa de R$ 2,00/2,10, que parece estar encontrando um governo disposto a impedir quedas abaixo deste nível, visando conter sua maior valorização. Por último, a flexibilização das metas de superávit primário para acomodar gastos governamentais necessários para sustentar a atividade econômica.

O fato, entretanto, é que por detrás destes movimentos, encontra-se uma crise mundial de grande complexidade, cuja duração promete ser longa. Seria insensato manter intocado este modelo anticrescimento, sob pena de o Brasil defrontar-se rapidamente com uma recessão, na ausência de uma política anticíclica, a qual necessita dessas mudanças para ser efetiva. Só com essa iniciativa torna-se possível mitigar os efeitos desta crise e garantir um crescimento mínimo, ainda que modesto, da atividade econômica. Além disso, existem outras condições objetivas para o afrouxamento: juros reais negativos no mundo desenvolvido destoantes das elevadas taxas praticadas no Brasil, para garantir o centro da meta da inflação, com o risco de mergulho na recessão; avanço da queda da SELIC (de 12,5% em agosto de 2011 para os atuais 7,5%), reduzindo o déficit público nominal e a necessidade de geração de superávits primários tão elevados, ampliando, com isso, os espaços para o aumento dos gastos reais; efeitos da crise sobre um comércio exterior em declínio, penalizando a indústria brasileira, especialmente a de transformação, asfixiada por perda crescente de competitividade, e ameaçando o retorno da vulnerabilidade externa, condicionando a realização da (modesta) desvalorização do câmbio e o estabelecimento de um piso para a paridade ocorrida, por meio de uma série de medidas adotadas, para atenuar este quadro.

Estes ajustes finos, realizados defensivamente dentro de certos limites, não parecem autorizar ilações feitas sobre o abandono do tripé para a construção de um novo modelo. Se isso estivesse, de fato, ocorrendo, o câmbio estaria mais desvalorizado (mais competitivo), assim como em andamento uma proposta de reforma tributária modernizadora, a SELIC mais reduzida e os investimentos públicos mais expressivos e em progressivo crescimento. Menos que a construção de um novo modelo de desenvolvimento, parece ser a reação defensiva à crise que tem respondido pela flexibilização dos componentes do tripé econômico, observados certos limites.

É bem verdade que, como resultado da bonança econômica mundial da década de 2000, na qual os países emergentes navegaram como atores privilegiados, o crescimento mais robusto acarretou um forte aquecimento do mercado de trabalho, engendrando efeitos benéficos para a expansão do emprego e o aumento do salário real dos trabalhadores, o que foi reforçado, com os expressivos ganhos reais do salário mínimo e das transferências diretas de renda para as famílias (previdência social e bolsa-família, notadamente). E, posteriormente, com a política anticíclica adotada pelo governo, apoiada no consumo, em reação às crises do subprime e da dívida soberana europeia, por meio da expansão do crédito, de reduções de alíquotas e desonerações de impostos e contribuições sociais de setores relevantes para a atividade econômica. Como resultado, observou-se melhoria em todos os indicadores sociais, inclusive de acesso ao consumo de bens mais sofisticados por parte dos trabalhadores, o que foi saudado por alguns analistas oficiais, apoiando-se num conceito restrito de renda – e também limitado de seu nível -, como revelador da emergência de uma “nova classe média”. Tais melhorias não se observaram, contudo, exclusivamente no Brasil, como sendo produto de uma política deliberadamente voltada para este objetivo, mas em todos países emergentes, incluindo os da América Latina.

De qualquer forma, o crescimento pelo consumo parece estar no seu limite (baixa taxa de desemprego, alto endividamento familiar e de níveis de inadimplência etc.) que tem, nos reduzidos níveis de investimento do setor privado, devido à crise de confiança no futuro da economia e no elevado custo-Brasil (câmbio não-competitivo, elevada carga tributária, precária infraestrutura econômica, burocracia, insuficiência de mão-de-obra qualificada) os principais obstáculos para continuar seu avanço, e uma indústria de transformação em situação de desestruturação, devido à concorrência dos produtos importados, colocando riscos para o retorno da vulnerabilidade externa.

Neste quadro, os programas de investimentos em infraestrutura – notadamente em rodovias e ferrovias -, pelos seus efeitos indutores e multiplicadores, repontam como alternativa importante para reforçar, ao lado do consumo, a sustentação de um nível mínimo de atividade econômica, ao mesmo tempo em que representam o início da retirada de algumas pedras que obstam um crescimento mais sustentado. No entanto, além de sua materialização depender fortemente do investimento do setor privado, envolto numa crise de confiança e avesso a projetos de longa maturação, ainda restam outros desafios a serem vencidos para sua viabilização, como a definição do marco regulatório dos setores neles contemplados, dos modelos de parceria com o setor privado, garantias de rentabilidade e mecanismos confiáveis de financiamento.

Se a reação à crise e os ajustes conjunturais realizados no seu enfrentamento têm levado ao erguimento de novas vigas na economia, que estão sendo vistas como o início de construção de um novo edifício, enquanto subsistirem os principais alicerces do modelo econômico vigente, e não forem realizadas reformas transformadoras que resgatem a indústria do país, a competitividade da produção nacional, os instrumentos do Estado em favor de um desenvolvimento econômico e social mais equilibrado, aquelas dificilmente conseguirão fundar-se em bases sólidas.

*Doutor em economia pela UNICAMP e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”, editado pela Azougue editorial em 2012.

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