A estratégia futura da Petrobras – o que está em jogo?

Rodrigo Pimentel Ferreira Leão*

Após o início da corrida eleitoral para a Presidência da República, houve um claro desvirtuamento do papel e da importância da Petrobras para a economia e a sociedade brasileira. E, mais, esse desvirtuamento escondeu as diferenças de projetos e estratégias para a companhia brasileira nos próximos anos, apresentadas pelas diferentes candidaturas à presidência. Entender o movimento que a Petrobras percorreu nos últimos anos exige um esforço de capacidade analítica, em termos administrativos, financeiros, empresariais e políticos. A grande verticalização e integração da Petrobrás, praticamente em toda a cadeia produtiva do setor petróleo, aliada ao papel central para a economia e o desenvolvimento social do país tornam o debate estratégico sobre a companhia fundamental para o desenvolvimento brasileiro. A omissão dessa discussão no debate eleitoral empobrece o dialogo com a sociedade brasileira e seu entendimento sobre o papel da Petrobras.

Visando contribuir para esse entendimento, vale resgatar rapidamente as diferentes estratégias adotadas nos anos de 1990 e a partir da década seguinte para entender o que está colocado para o futuro do papel estratégica desempenhado pela Petrobras.

Após a quebra do monopólio da Petrobras no exercício da exploração, produção, transporte, refino, importação e exportação do petróleo em 1995, houve uma considerável abertura para as empresas privadas nacionais e estrangeiras terem direitos de exercer essas atividades no mercado nacional. Por meio de licitações públicas realizadas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), conhecido como regime de concessão, qualquer empresa vencedora dessas licitações foi autorizada “a explorar os blocos de hidrocarbonetos ofertados pela ANP por sua conta e risco, garantindo a elas a propriedade dos recursos após o pagamento dos custos e impostos (royalties, imposto de renda etc.) devidos. Nesse modelo, enquanto o recurso natural estiver no subsolo do território nacional a titularidade das reservas de petróleo e gás é da União, uma vez trazido à superfície, a propriedade passa a ser de quem o extrai” (DIEESE, 2013).

Ou seja, nesse momento, a União, que por meio da Petrobras tinha o monopólio das atividades do setor petróleo, abriu mão dessa primazia para o capital privado nacional e internacional. Ao lado da quebra do monopólio, a estratégia de reestruturação da companhia, como o enxugamento de pessoal, abertura de capital, fatiamento e pulverização de atividades antes integradas, indicava para uma futura privatização de vários ativos da Petrobras.

O pesquisador Ednilson da Silva Felipe, na sua tese de doutorado realizada na UFRJ, sublinha lembra que “a divisão da Petrobras em Unidades de Negócios, a implementação de instrumentos de controle de gestão e resultados, além da divisão em áreas específicas seriam as ações que pavimentariam o caminho para a futura privatização ou, em outro caso, para a divisão da empresa e sua venda em fatias menores”.

Além disso, a busca de parcerias e o início do processo de terceirização visavam reduzir a atuação da companhia em vários segmentos da cadeia produtiva. Como lembra o próprio Felipe, naquele momento, “a Petrobras assinou cerca de 150 cartas de intenções com um conjunto diversificado de atores para parcerias em E&P – para quando regulamentada a possibilidade – e em outras áreas que não estavam abrangidas pelo monopólio”.

Obviamente, o alcance dessa estratégia de redução do poder da Petrobras e de aprofundamento da abertura do setor petróleo ficou restrito por uma série de fatores, como, por exemplo, a grande autonomia relativa da Petrobras para realização dos projetos, as pressões políticas e sociais existentes (dentro do congresso nacional e do movimento sindical, por exemplo) e o cenário geopolítico energético e as crises econômicas do final dos anos 1990.

Além disso, essa estratégia não logrou em minar as bases econômicas e financeiras por um arranjo interno (da empresa) e externo relativamente favorável: i) o preço do petróleo voltou a se expandir no final de 1999; ii) o aumento da produção baseada nas grandes descobertas de campos realizadas entre o final dos anos 1980 até meados dos anos 1990 (Marlim Sul, Marlim Leste, Barracuda, Caratinga, por exemplo) e iii) continuidade das atividades tecnológicas em aguas profundas, entre outros aspectos.

É um truísmo afirmar que o Governo Federal se aproveitou de um cenário externo extremamente favorável, a partir de 2003. O aumento da demanda por petróleo e do preço do produto, num cenário de expansão da economia mundial, auxiliou no desenvolvimento da Petrobras. No entanto, foi traçada uma estratégia da companhia, que embora preservasse algumas mudanças do período anterior, atribuiu à Petrobras o papel de grande player global do setor petróleo e indutor da atividade de vários segmentos industriais.

Em primeiro lugar, houve uma forte expansão do investimento da Petrobras, que saiu de US$ 4,4 bilhões em 2002 para US$ 46,3 bilhões, em 2013. Foi nesse movimento que houve uma forte recuperação e reorganização da indústria naval nacional, por exemplo. Em segundo lugar, a companhia ampliou fortemente a geração de empregos, por meio de contratação de terceirizados e realização de concursos, visando à retomada de integração e expansão da companhia, tanto no Brasil, como no exterior.

Com isso, além do aumento da força de trabalho em 39.368 funcionários (no período anterior, entre 1994 e 2001, a empresa enxugou o quadro de funcionários em 16.048 funcionários), a empresa realizou um forte processo de internacionalização e reintegração de suas atividades, assim como fortaleceu sua atuação em novos segmentos de mercados, como o de biocombustiveis.

Por fim, vale ressaltar que os contínuos esforços em inovação, tecnologia e capacitação e fortalecimento da Petrobras resultaram na descoberta do petróleo do pré-sal. Junto com essa descoberta, o governo Lula instituiu uma nova legislação para a exploração e produção do pré-sal, que obriga a participação da Petrobras em todas as licitações de blocos do petróleo. Toda essa reestruturação e as novas descobertas permitiram que a produção do pré-sal crescesse de 100 mil barris dia no início de 2012 para 500 mil barris em meados de 2014

Desse modo, fica muito clara a diferença estratégica existente entre os governos tucano e petista. No debate atual, enquanto Aécio Neves menciona duas vezes a Petrobras no seu programa de governo – e uma delas para reforçar a realização de parcerias entre a estatal e empresas do setor privado no setor de gás natural – Dilma Roussef propõe um fortalecimento da atuação da Petrobras e impulsionar as atividades do pré-sal. De um lado, existe uma intenção de fortalecer a atuação de atores privados e/ou estrangeiros sem dar protagonismo à Petrobras, e do outro, há um projeto da estatal de petróleo preservar sua importância estratégica na segurança energética e na realização de política industrial do país.

Portanto, o que está em jogo, na verdade, é a discussão da Petrobras em expansão, fortalecendo elos da cadeia produtiva e avançando na fronteira tecnológica, ou uma empresa com menor protagonismo, abrindo espaço para empresas estrangeiras. Está em jogo também o papel do pré-sal – que deve impulsionar a duplicação da produção de petróleo na próxima década. Um projeto coloca o pré-sal como um eixo dinâmico da expansão da indústria, enquanto no outro não há nenhuma importância ao papel estratégico do pré-sal. São essas questões que estão em disputa e que são muito mais estratégicas e importantes para a sociedade brasileira do que aquilo que vem sendo dito pelos jornalões e grandes emissoras de televisão nos últimos meses.

* – Mestre em Desenvolvimento Econômico na Unicamp e Subsecretário de Infância e Juventude da Prefeitura de Macaé.

Referências

DIEESE. Os modelos de exploração de petróleo no Brasil e as questoes relacionadas ao surgimento do pré-sal: o debate sobre o campo de Libra. Nota Técnica n. 128, out. 2013.

FELIPE, E. S. Mudanças institucionais e estratégias empresariais: a trajetória e o crescimento da Petrobras a partir da sua atuação no novo ambiente competitivo (1997-2010). Tese de doutoramento, UFRJ, 2014.

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