Dilma Rousseff chegou por volta das 3 da tarde da quinta-feira 8 ao Itaquerão, sede da abertura da Copa do Mundo inaugurada perigosa e macunaimicamente 35 dias antes do início do torneio, depois de inúmeros acidentes, contratempos e adiamentos. Posou para as tradicionais fotos no gramado, constrangida ao lado de cartolas e políticos que certamente preferiria manter a distância, mais confortável na companhia dos operários. Saiu sem falar com os jornalistas. Minutos antes, a presidenta havia se reunido com representantes do movimento dos sem-teto. Ao lado dos camponeses do MST, os ativistas urbanos do MTST promoveram diversas manifestações espalhadas pela cidade de São Paulo contra o Mundial das “tropas e das empreiteiras”. Em outros sete estados houve registros de protestos. No Rio de Janeiro, a greve de motoristas de ônibus paralisou a cidade.
Um dia antes, Dilma tentou sem sucesso emular um clima positivo em relação ao torneio. Nas redes sociais, comentou a lista dos 23 convocados pelo técnico Luiz Felipe Scolari e recebeu em troca dezenas de mensagens de críticas ao evento esportivo.
O que era para ser uma grande festa, a inauguração do estádio de um dos times mais populares do Brasil, o Corinthians, tornou-se um item burocrático da agenda presidencial, um compromisso acanhado e realizado às pressas, símbolo do mau humor que contamina a vida nacional e aprisiona o governo.
Não faltam razões, a começar pelo próprio Mundial. Enquanto a Fifa calcula o maior lucro de sua história, o País continua a exibir ao mundo provas de despreparo – e a inspirar dúvidas sobre a sua capacidade de sediar o campeonato. Na mesma quinta 8, outro operário morreu nas obras da inacabada Arena Pantanal, em Cuiabá. O planeta assistiu estupefato às bizarras mortes provocadas por privadas arrancadas do banheiro e lançadas de um dos vãos do Estádio do Arruda, no Recife, por delinquentes disfarçados de torcedores. Temem-se problemas de energia, de transporte, de segurança, embora o Palácio do Planalto garanta que tudo estará em ordem até 12 de junho, quando a Seleção Brasileira enfrentará a Croácia na partida inaugural, e aposte no sucesso da organização.
O pessimismo viceja também das dúvidas dos cidadãos quanto ao futuro, parte alimentada por más escolhas da administração de Dilma Rousseff, parte pelas mudanças impostas pelos efeitos da crise mundial. Para citar algumas:
1. O crescimento anual caiu pela metade em comparação ao período de Lula.
2. A inflação, na casa dos 6%, atingiu um patamar desconfortável e seria maior se Brasília não controlasse alguns preços, entre eles os dos combustíveis e da energia.
3. O encarecimento da vida nas grandes cidades e a péssima qualidade dos serviços públicos aumentaram o descontentamento com a classe política e levaram à explosão das manifestações no ano passado. O poder público foi incapaz de produzir respostas à altura.
São fatos. Inegáveis. No mesmo canteiro das insatisfações brota, porém, um tipo de pessimismo interessado, cínico até, alimentado pelos boatos e pela tática eleitoral e econômica do “quanto pior, melhor”. Nas últimas semanas, tem ficado mais difícil definir os limites entre os dois: fatos e boatos. Revigorados por uma nova piora dos índices de confiança no governo e nas intenções de voto da presidenta, a oposição partidária, o mercado financeiro e boa parte da mídia inflam o mau humor. O Deutsche Bank, envolvido em falcatruas durante a mais recente crise financeira global, entre elas a manipulação dos índices de ouro e taxa de juros em Londres, acaba de recomendar aos clientes a redução nas aplicações em títulos soberanos do Brasil diante da possibilidade de Dilma Rousseff conquistar um segundo mandato. Lembra em boa medida o temor disseminado contra a eleição de Lula em 2002.
Os analistas da instituição financeira alemã pintam um quadro negro de estagnação associada à inflação galopante, a chamada “estagflação”. As variações na Bolsa de Valores, positivas ou negativas, têm sido atribuídas integralmente aos resultados das pesquisas eleitorais. Se Dilma cai ou tem chance de cair, as ações sobem, anota diariamente o noticiário econômico, em tom de verdade absoluta. Não bastasse, em certas camadas do governismo alimenta-se a ideia do “volta, Lula”, como se a presidenta, líder nas pesquisas, fosse carta fora do baralho no jogo eleitoral.
No Congresso do PT realizado na sexta-feira 2, o ex-presidente Lula rechaçou a possibilidade de se candidatar em 2014, convocou a militância a cerrar fileiras em torno da reeleição da presidenta e criticou a mídia, “principal partido de oposição”. Aproveitou ainda para aconselhar a sucessora. “No meu tempo, eles reclamavam que eu fazia oito discursos por dia”, iniciou. “Neste momento, recomendo que você faça mais: 10, 12 discursos, se for preciso.”
Dilma parece disposta a seguir o conselho. Ela tem falado mais e de forma mais direta. Em um jantar com jornalistas mulheres na terça 6, criticou as “medidas impopulares” defendidas pelo tucano Aécio Neves e a proposta de Eduardo Campos de redução da meta de inflação para 3%. “Uma meta de 3% provocaria um desemprego de 8%”, afirmou. Aécio Neves reagiu: “O que vamos fazer é acabar com a medida mais impopular tomada por esse governo, que foi permitir a volta da inflação”. Campos, em entrevista ao SBT, não ficou atrás. Acusou Dilma de “pegar o caminho errado” e “perder o controle da inflação, deixando uma verdadeira bomba-relógio para depois da eleição”.
O Palácio do Planalto retomou a defesa de suas realizações no plano midiático, mas há outras frentes. A estratégia para conter os danos da CPI da Petrobras não tem sido de todo eficiente. A comissão mista sairá nos próximos dias, apesar do esforço do aliado Renan Calheiros, presidente do Congresso, em postergá-la. Na quinta 8, a Justiça Federal autorizou a quebra do sigilo bancário da estatal referentes aos contratos da Usina Abreu e Lima, em Pernambuco, e do ex-diretor Paulo Vieira da Costa, acusado de comandar de dentro da petroleira um esquema de propina e doações ilegais a políticos. A base aliada foi instruída a contra-atacar com a proposta de uma CPI para investigar os desvios do cartel no metrô e trens metropolitanos de São Paulo. Também neste caso, Dilma esboçou uma reação. Sobre a CPI da Petrobras, afirmou: “É muito contraditório o tratamento que se dá no Brasil às investigações sobre qualquer coisa. Elas só atingem o governo federal. E o interesse todo nessa história sou eu”.
A presidenta entendeu: a Petrobras e a condução da economia ocupam, por ora, o centro dos embates pré-eleitorais. A mencionada recomendação do Deutsche Bank para a redução das aplicações em títulos soberanos do Brasil por conta da possibilidade da reeleição da petista integra esse jogo.
O episódio ilustra duas características do pessimismo, a de não fazer concessões aos fatos quando estes entram em choque com o dogma e a de funcionar como uma avalanche. Os exemplos proliferam. Na sua crítica ao baixo crescimento da indústria de apenas 0,4% no trimestre, os adversários apontam um problema real, mas se esquecem do caráter crônico da crise do setor e a sua gênese na política econômica da década de 1970 e na crise da dívida externa dos anos 1980, com efeito aniquilador para as economias de países como o Brasil. Ainda menos provável seria uma autocrítica em relação à década de 1990, quando o PSDB estava no poder e sancionou recordes de juros elevados e valorização do real, golpes fatais para o setor industrial.
Quanto mais importante a evidência de aspectos saudáveis da economia e da ação do governo, menor divulgação deve ter, parece ser a regra não escrita aplicada à informação do Banco Central sobre o investimento estrangeiro direto de 64,9 bilhões de dólares nos últimos 12 meses, volume semelhante ao de 2013 e 2012. Se o País caminha para o abismo, por que os investidores estrangeiros continuam a aplicar tanto dinheiro aqui? “É a maior onda de pessimismo no empresariado brasileiro a que assisti nos últimos dez anos. Não vejo ninguém que apoie a atual política econômica. Paradoxalmente, apesar do grande pessimismo interno de curto prazo, também nunca vi um interesse tão grande de investidores estratégicos e, particularmente, de ‘private equity’, como agora”, afirmou recentemente o CEO do banco Credit Suisse, José Olympio Pereira.
Uma visão retrospectiva e comparativa pode ajudar a clarear o horizonte. O crescimento dos países emergentes caiu nos últimos quatro anos. O Brasil foi de 4% para 2% em média, a China de 11% para 7%, a Índia de 8% para 5%. Enquanto a crise gerou 200 milhões de desempregados desde 2008, a taxa brasileira continuou a cair e se manteve em um dos patamares mais baixos de sua história. Entre 2003 e 2010, o consumo chinês era a garantia de demanda e preços para as commodities exportadas. A indústria tinha capacidade ociosa, o endividamento das famílias era baixo e havia espaço para aumentar o crédito público. Desde 2011, sob outras condições internacionais, a capacidade de endividamento dos assalariados se exauriu e o limite de endividamento do governo se esgotou.
À frustração pelo baixo crescimento, independentemente das suas causas, soma-se a tensão da ortodoxia econômico-financeira pelo fato de o governo trabalhar no limite superior da meta de inflação para não piorar ainda mais o desempenho da economia. A capacidade demonstrada de conter as taxas no teto de 6,5% nos últimos cinco anos é, porém, interpretada por esses agentes como se o governo estivesse sempre muito próximo do descontrole. A ponto de o retorno da taxa de 6,51% para o limite da meta, com um recuo minúsculo de 0,01 ponto porcentual, merecer a manchete de um dos principais sites de notícias nos últimos dias.
Uma parte importante do pessimismo tem origem em erros do próprio governo criticados por esta revista. A demora em reconhecer a mudança das condições externas da economia e alterar a estratégia de estímulo ao consumo para uma ênfase no investimento público gerou um desnecessário acúmulo de frustrações de empresários e investidores entre 2011 e o fim de 2013, quando as concessões de rodovias e aeroportos finalmente deslancharam. Para destravar esses investimentos, o governo abriu mão do objetivo de estabelecer a taxa de retorno interna para a iniciativa privada nos projetos e manteve, acertadamente, o critério da modicidade tarifária, em benefício dos usuários de estradas e aeroportos. Mas o atraso na mudança do foco da economia pesou mais do que o acerto da medida.
O fato de o governo ser introvertido, com pouquíssima e má comunicação, estimula as possibilidades de utilização da base objetiva do pessimismo para ampliá-lo e torná-lo sistemático. As altas da Bolsa a partir do vazamento de pesquisas eleitorais favoráveis à oposição têm esse caráter de aproveitamento da frustração e do laconismo de uma administração incapaz de alardear os seus acertos, para ganhar dinheiro com oscilações de preços. Não importa se nada de grave ocorre de fato na economia, aproveita-se cada boato para aprofundar o mau humor ditado pelo senso comum e prolongar as possibilidades de ganhos especulativos.
Um exemplo da simbiose de fatores políticos e econômicos, objetivos e subjetivos, no comportamento do mercado são as oscilações das ações da Petrobras, a principal ação do mercado brasileiro. A alta de 50% nas cotações em menos de dois meses em meio à instalação da CPI é explicada pela queda pronunciada anterior pelas pesquisas de intenção de voto desfavoráveis a Dilma, a quem se atribui um excesso de interferência nas estatais. No terreno dos fatos concretos há outras explicações. O efeito positivo da valorização recente do real nas contas da empresa, o aumento da produtividade na Bacia de Campos e “o volume de 440 mil barris diários extraídos do pré-sal, equivalentes a 20% do total produzido, apenas três anos e meio depois do início da sua operação comercial”, aumentam a probabilidade de que a meta de 7,5% de crescimento da produção seja alcançada em 2014, diz o analista da Planner Corretora Luiz Francisco Caetano.
A batalha eleitoral repete o roteiro básico. Ao menos duas variedades de pessimismo vicejam em relação à economia. A primeira tem base em problemas objetivos internos e externos ao País. A segunda nutre-se da primeira, mas conta com o combustível ilimitado dos interesses financeiros e eleitorais. O alcance dos seus estragos só será conhecido em outubro. Nas três eleições presidenciais anteriores, quem apostou no “quanto pior, melhor” perdeu. Os derrotados parecem dispostos, no entanto, a redobrar suas fichas.