A Moderna Teoria da Moeda, o Estado e a política fiscal

Fabrício Augusto de Oliveira

Além dos estragos provocados nos tecidos econômico e social, que ainda não foram completamente superados, a crise do subprime de 2007-2009 deu origem, de um lado, à revisão de algumas teorias do pensamento econômico ortodoxo que abordam o papel do capital financeiro na dinâmica do crescimento e de sua interação com as variáveis reais da economia – renda, emprego, investimentos -, e, de outro, ao surgimento de novas teorias construídas para explicar sua natureza e a melhor forma de enfrentar a situação da Grande Recessão com ela criada.

De fato, foi somente em virtude do tamanho dos efeitos provocados pela crise do subprime sobre o nível da atividade econômica e do elevado nível de desemprego gerado principalmente nos países com ela mais afetados, que os economistas integrantes da escola de pensamento econômico dominante passaram a aceitar, a contragosto, e a incluir em seu modelo teórico, as fricções financeiras como capazes de gerar impactos macroeconômicos significativos, o que antes era inadmissível diante dos argumentos que sustentavam para defender a liberdade plena e absoluta do capital financeiro (PAULA & SARAIVA, 2015, p. 22; MISHIKIN, 2011).

Entre as novas teorias que resultaram dos estudos realizados sobre a natureza e os efeitos do subprime, procurando encontrar e sugerir medidas para superar quadros de recessão e/ou de baixo crescimento, figura a do economista italiano, Alberto Alesina, da Universidade de Harvard, que concluiu, da análise que realizou sobre a experiência dos ajustes realizados em alguns países por ela afetados, serem, de um lado, as políticas de austeridade o melhor caminho para a saída da crise, podendo até gerar expansão econômica, um fenômeno que foi chamado de “contração fiscal expansionista”, uma contradição em termos, e, de outro, de ser o ajuste pelo corte de gastos superior ao realizado com o aumento dos impostos (OLIVEIRA, 2020).

Tendo sido criticado até mesmo pelo FMI e também por outros economistas, que demonstraram a tortura dos dados feita por Alesina para chegar à conclusão de que a austeridade gera crescimento, ele terminou contentando-se com a defesa de ser a política de corte de gastos superior à de aumento dos impostos, mas com sua demonstração permanecendo inconvincente diante da complexidade da questão relativa à composição de um ajuste fiscal. Apesar disso, tal conclusão, que tem orientado as políticas econômicas de ajuste fiscal em vários países foi importante para o pensamento ortodoxo porque com o corte de gastos garante-se a expulsão das políticas sociais do orçamento do Estado, enquanto o aumento dos impostos pode até aumentá-las, caso exista algum sistema de vinculação previsto em lei ou na Constituição.

Na contramão da teoria da austeridade, a Moderna Teoria da Moeda, identificada como uma nova – e renascida – visão keynesiana sobre essa mesma questão, foi colocada no palco dos debates acadêmicos como alternativa à saída da crise, tendo como principal protagonista exatamente o Estado, agente execrado pelo pensamento ortodoxo como a “encarnação do mal”.

Como analisa Wray (2003), a Moderna Teoria da Moeda não é nova, mas sempre foi ignorada pelo pensamento econômico dominante por que sua aceitação implicaria a demolição de uma das vigas mais importantes de seu arcabouço teórico: a teoria quantitativa da moeda (TQM), com a qual aprisiona a ação do Estado com a demonstração de que seus gastos excessivos, seguidos de expansão monetária, provocam inflação e instabilidade na economia. Por isso, ser necessário contê-lo rigorosamente dentro de certos limites.

No Brasil, foi principalmente o artigo do economista André Lara Resende, intitulado A crise da macroeconomia, publicado no jornal Valor Econômico, de 08 de março de 2019 (LARA RESENDE, 2019a), que despertou o interesse e chamou a atenção pela nova forma de encarar o papel da moeda e, com ela, o papel do Estado, dos déficits e da dívida pública e de suas intervenções na economia.

Neste artigo, Lara Resende procura expor, de forma menos técnica, ideias desenvolvidas em outro artigo mais amplo, “Consenso e Contrassenso: dívida, déficit e previdência”, de fevereiro de 2019 (LARA RESENDE, 2019b), publicado como texto para discussão pelo Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (IEPE/CdG), no qual faz um apanhado de algumas teses, combinando-as, as quais, para ele, poderiam consolidar um novo paradigma macroeconômico.

Ainda que essas teses sobre a Moderna Teoria da Moeda já estivessem circulando há bem mais tempo, o fato é que se encontravam confinadas nos porões do mundo acadêmico, especialmente dos Estados Unidos, de certa forma vetadas pelo saber convencional, que as vê como uma ameaça à teoria macroeconômica ortodoxa. Coube a Lara Resende o mérito de divulgá-las no Brasil e dar destaque à política fiscal como instrumento poderoso que pode ser manejado pelo Estado para os objetivos do crescimento.

De fato, em livro de 1998, publicado no Brasil em 2003, com o título Trabalho e Moeda hoje: a chave para o pleno emprego e a estabilidade dos preços, Wray apresenta, no capítulo 2, a trajetória histórica da visão cartalista da moeda, um termo que pode ser entendido como dinheiro-papel ou, como ele a chama, de “moeda guiada por tributos” que embasa a Moderna Teoria da Moeda.

Wray parte da análise de Adam Smith sobre a moeda, passando pelos trabalhos de George Friedrich Knapp do início do século XX, pelo Tratado da Moeda de Keynes, de 1930 e pelas visões, entre outros, de Abba Lerner, Schumpeter, Minsky, para sustentar, de um lado, a tese de que a função mais importante da moeda é a de servir de unidade de conta, de medida de valores, com a qual se registram débitos e créditos, e não propriamente, como pensam os quantitativistas, de meio de troca; e, de outro, de sua endogeneidade, à medida que responde à demanda do público, e não como variável exógena cujo estoque é controlado pela autoridade monetária.

Mais importante, de acordo com a abordagem cartalista, considera-se essencialmente como moeda, o instrumento ou meio que o Estado aceita como pagamento dos tributos que recolhe da sociedade, legitimando-a como tal e, ao mesmo tempo, criando demanda para a mesma pela necessidade de pagamento destes tributos, transformando-a, na prática, na referência na qual se expressam os preços e os contratos da economia. É o Estado, portanto, como cobrador de impostos, o criador da moeda, o seu senhor, ao definir como receberá as obrigações tributárias e criar, com isso, demanda para a mesma, legitimando-a enquanto referência geral como unidade de conta e de valores da economia e, por decorrência, como meio de troca e reserva de valor.

O Estado introduz a moeda no sistema por meio de suas compras, tornando-a uma unidade de crédito contra ele, como argumenta Lara Resende (2019b, P. 4-5), ou seja, uma unidade de dívida do Estado, que é legalmente aceita para o pagamento de impostos. Isso a torna indissociável da cobrança de tributos.

De outro lado, o sistema bancário, ao expandir seus empréstimos, provoca sua expansão, aumentando as reservas bancárias (a base monetária). Mas, diferentemente do sistema bancário, cujos empréstimos, se excessivos, podem conduzir à formação de bolhas, com a valorização excessiva dos ativos, seguida de desvalorizações quando aquelas se rompem, provocando graves crises financeiras num quadro de contração do crédito, o governo não esbarra nessa restrição, podendo sempre emitir para se financiar, o que, como argumenta, nada mais significa que aumentar o valor do registro do passivo contábil do banco central (idem, p.5).

Dessa forma, garantida a demanda por moeda, o Estado está livre das restrições financeiras por que pode efetuar as suas compras, pagar seus funcionários, realizar investimentos simplesmente emitindo dinheiro, sem ter de se preocupar, como os agentes do setor privado, em procurar financiamento.

Essa não é, contudo, uma boa ideia para os que militam na escola ortodoxa e defendem a teoria quantitativa da moeda e que concebem a moeda essencialmente como meio de troca, tomando-a como um estoque que circula a uma determinada velocidade-renda para comprar o produto a um nível determinado de preços. Isso implica que a causalidade do circuito monetário vai da moeda para a demanda agregada e, se ela, a moeda, for excessiva, é inevitável o aparecimento da inflação para ajustar o sistema. De acordo com a análise de Lara Resende, para o cartalismo, recuperado pela Moderna Teoria da Moeda, o sentido da causalidade é o inverso, não da moeda para a demanda agregada, mas dessa, seja pública ou privada, para a moeda. Ou seja, por ser endógena (e não exógena) a quantidade de moeda apenas responde aos movimentos da demanda agregada, que pode exigir tanto sua expansão como contração (idem, p. 5-6).

Como Lara Resende constata (2019b, p. 6-7), passado o encantamento com a política monetária de Friedman e com o seu helicóptero despejando moeda na economia, a própria ortodoxia começou a questionar a capacidade da autoridade monetária de exercer um controle sobre a oferta de moeda desde a década de 1980 e a removeu definitivamente de seus modelos na década de 1990, introduzindo, no contexto do novo consenso macroeconômico que surgiu unindo novos-keynesianos e novos-clássicos, a taxa de juros como instrumento de controle da demanda agregada para evitar tensões inflacionárias. Para ele, este seria o reconhecimento de que não é bem a oferta de moeda que provoca inflação, mas a demanda agregada, que pode ser administrada pela política de juros do banco central: quando a inflação se manifesta devido a um excesso de demanda, a autoridade monetária deve elevar a taxa de juros para desestimular o consumo e o investimento e contraí-la; quando deprimida, com o produto efetivo se situando abaixo do produto potencial, deve diminuí-la para injetar forças na demanda e conduzir a economia para o ponto de equilíbrio do produto potencial (ibidem).

Além do excesso de demanda agregada, a inflação pode ser provocada por expectativas formadas pelos agentes econômicos de que os preços aumentarão. Um choque negativo, cambial, por exemplo, que pressiona preços-chave da economia pode despertar nos agentes a percepção de que haverá uma alta generalizada dos preços, garantindo uma trajetória ascendente para os mesmos. Essas expectativas de inflação podem, no entanto, ser revertidas por um banco central com credibilidade que estabelece a meta de inflação para um determinado período (um ou dois anos) e maneja a taxa de juros para garantir que a mesma seja atingida (LARA RESENDE, 2019b, p.7).

Para Lara Resende (idem, p. 9), a melhor comprovação prática de que a expansão da moeda não provoca inflação deu-se, mais recentemente, na crise do subprime e da dívida soberana europeia. Para retirar o sistema da crise, os bancos centrais, principalmente dos países desenvolvidos (União Europeia, Estados Unidos, Japão, Reino Unido, entre outros) aumentaram, numa grandeza nunca vista, as reservas bancárias para comprar ativos do sistema financeiro, sem que a inflação tenha saído de controle, mantendo-se abaixo da meta nestes países, e, até mesmo, com o nível de preços ameaçando ingressar numa trajetória deflacionária, como se verificou em alguns países europeus, devido à fraqueza da demanda agregada.

Ora, se a emissão de moeda não é a causa da inflação, como considera a teoria econômica ortodoxa, isso significa que o governo não tem restrições financeiras para gastar, podendo expandir suas despesas sempre e quando desejar, independentemente de contar com recursos dos impostos ou de alguma outra fonte de financiamento, ou, caso necessário, para implementar políticas, visando expandir a renda e o emprego. Na realidade, contudo, as coisas não são bem assim.

Existe, como ele argumenta (idem, p. 9-10), a restrição da realidade. Essa restrição é dada pela capacidade produtiva da economia. Como o gasto do governo faz parte da demanda agregada, seu aumento pressiona essa capacidade, podendo provocar inflação, mas não pela emissão de moeda e sim pela sobrecarga de seus gastos sobre a mesma.

Ao se considerar o caso de uma economia aberta a situação é bastante diferente para os países que não emitem moeda-reserva. O excesso de gastos além da capacidade produtiva, que pode gerar inflação, pode também provocar déficits externos, ao vazarem para o exterior com o aumento das importações, aumentando a dívida externa, a qual, em algum momento pode encontrar dificuldades para ser refinanciada, conduzindo o país a graves crises. Neste caso, ao contrário do que ocorre com o financiamento dos gastos do governo em moeda nacional, para a qual inexiste restrição financeira, mas apenas a restrição da capacidade de produção, no caso da dívida externa é clara essa restrição, já que o país não emite moeda de reserva e necessita obtê-la para pagar seus compromissos (ibidem).

Daí se conclui que os impostos são criados não para o governo obter dinheiro, já que pode obtê-lo pela mera emissão de moeda, porque quando gasta sempre emite dinheiro ou credita reservas bancárias para seus credores, mas para retirar poder aquisitivo do setor privado e abrir espaço para aumentar os seus gastos sem pressionar a capacidade produtiva. O limite de seus gastos com financiamento em moeda nacional é, portanto, a capacidade de produção.

O problema de aumentar a dívida, segundo a visão tradicional, reside no seu custo fiscal e, de acordo com os argumentos apresentados para evitar seu crescimento, na transferência de seu fardo para as gerações futuras. Isso porque o governo paga juros seja sobre as reservas bancárias que ficam retidas no banco central, seja sobre os títulos públicos que coloca no mercado para enxugar a liquidez. Caso a taxa de juros (i) que sobre ela incide seja maior que a taxa de crescimento da economia (g) a dívida inevitavelmente crescerá e, além de gerar expectativas desfavoráveis sobre a capacidade de solvência do governo, agravando o problema, seu custo será transferido para as gerações futuras, já que o governo terá de cobrar impostos adicionais para pagá-la (o custo fiscal), enquanto a geração presente conhecerá uma melhoria do bem-estar com o aumento da dívida, o que seria injusto.

Lançando mão do Modelo de Gerações Superpostas desenvolvido pelo economista, Paul Samuelson, o qual difere do modelo ortodoxo, clássico, onde o equilíbrio competitivo é ótimo-Pareto e a taxa de juros (i) maior que a taxa de crescimento (g), ou seja i > g, o de Samuelson, que considera duas gerações de jovens e velhos que se encontram por apenas um período na vida e guiam suas decisões sobre o consumo presente e futuro, de acordo com seu grau de impaciência, o qual determina a taxa de juros de equilíbrio intergeracional, Lara Resende mostra que pode ocorrer uma situação diferente em que i < g e não se atingir o equilíbrio de ótimo-Pareto, mas um equilíbrio que melhora a situação de todos (LARA RESENDE, 2019b, p. 13).

Isso ocorre porque o modelo ortodoxo não permite ajustes futuros, já que por se tratarem de mercados completos os ajustes são instantâneos, enquanto o das gerações superpostas apresenta a surpreendente propriedade de que existe uma configuração, imposta pelo governo, que é superior, em termos de bem-estar, à do modelo competitivo, propiciando a possibilidade destes ajustes. Nele, embora exista um período inicial, não existe um período final, permitindo ajustes, uma transferência de dívida, por exemplo, para o futuro, que melhora o bem-estar de hoje, considerando que as economias ilimitadas no tempo dispõem de mais recursos que as economias estáticas (da ortodoxia) não têm. Neste caso, se i < g, a dívida pública, eliminados os déficits primários, tenderá a decrescer e nenhum fardo (custo fiscal) será transferido para as gerações futuras, aumentando o bem-estar geral, não havendo necessidade de aumento da carga tributária para pagá-la. Com o que cai por terra um dos mitos da ortodoxia para condenar a expansão da dívida do governo (idem, p.13).

Não há, na verdade, nenhuma novidade e nem seria necessário lançar mão de modelos sofisticados matematicamente para demonstrar que se a taxa de juros é inferior à taxa de crescimento do produto, a dívida como proporção do PIB tenderá a decrescer, deixando de gerar custo fiscal adicional e aumentando o bem-estar. Mais importante, nessa argumentação é o fato de que o governo é quem dispõe dos instrumentos para fixar a taxa de juros, por meio do banco central, estando ao seu alcance, portanto, garantir as condições para sua sustentabilidade e para evitar que o fardo de seu custo seja transferido para as gerações futuras.

Como ele argumenta: se o banco central não controla e nem tem como controlar as reservas bancárias – a base monetária – ele tem condições de definir e controlar a taxa de juros para neutralizar os efeitos da moeda sobre a demanda agregada, que é, de fato, o que interessa para administrar e garantir a meta estabelecida para a inflação, que não resulta do aumento da oferta de moeda, e também para impedir que a dívida se torne um problema para a estabilidade da economia e para as gerações futuras, desde que a fixe num patamar inferior à da taxa de crescimento do produto.

Sintetizando seu argumento que decorre dos trabalhos da Moderna Teoria da Moeda: o governo não está sujeito à restrição financeira, mas a uma restrição real, dada pela capacidade de produção, e nem a dívida representa um fardo (um custo fiscal) para as gerações futura, desde que i < g. E o banco central dispõe de todas as condições para isso se abandonar a sabedoria ortodoxa e considerar que não é a oferta de moeda que causa inflação, mas a demanda agregada, tal como defende a Moderna Teoria da Moeda. Explica-se a razão.

A taxa básica de juros por ele estabelecida, no caso do Brasil, a Selic, é a taxa que remunera as reservas bancárias, sendo essa a de menor custo para o governo. Até os dias atuais, por temor de emitir moeda para se financiar com receio de provocar inflação, de acordo com a visão quantitativista ortodoxa, o governo tem sido obrigado a emitir títulos da dívida pública com prazos mais longos e juros de mercado acima da taxa básica para dar respostas às expectativas dos agentes e supostamente para assegurar seu financiamento, o que torna o custo de seu passivo total bem mais elevado do que se fosse feito pela taxa básica. Para ele, isso é totalmente desnecessário, sabendo-se que o governo pode financiar a integralidade de seu passivo com a emissão de reservas bancárias, sem provocar inflação, cuja demanda é infinita, desde que a taxa de juros nominal seja igual ou superior à inflação, como foi mais do que comprovado no caso da crise do subprime e também no da dívida soberana europeia (idem, p.15-16).

Os argumentos contrários à capacidade do banco central de fixar uma taxa de juros inferior à taxa de crescimento são os seguintes: 1) a taxa de juros incorpora prêmios de liquidez, impedindo que isso ocorra, mas, para ele, isso decorre de um equívoco conceitual que nasce de um consenso entre os investidores sobre o papel da política monetária para administrar a demanda e que exageram nestes riscos para obterem maiores ganhos, influenciando as decisões do banco central; 2) como a taxa de juros deve ser ajustada para estimular ou desestimular a demanda agregada, o banco central não dispõe, na prática, de autonomia para fixá-la, o que é verdade, mas isso resulta de um equívoco de atribuir à política monetária um poder que ela não tem (idem, p. 17-18).

De acordo com a tese cartalista, incorporada à Moderna Teoria da Moeda, as políticas monetária e fiscal não são independentes, e se a demanda agregada está pressionando a capacidade de produção, o correto é implementar uma política fiscal contracionista, cortando gastos ou aumentando os impostos, enquanto se mantém a taxa de juros num nível capaz de estimular o investimento e o crescimento, de forma que, a longo prazo, haja uma convergência da taxa de crescimento com a taxa natural de juros, ao aumentar a relação capital/trabalho. Com isso, a dívida pública se tornará sustentável, podendo sempre ser carregada sem aumento de impostos, desde que o déficit público primário não seja permanente.

Disso decorre que em economias com capacidade ociosa, o aumento dos gastos do governo financiado por aumento da base monetária/reservas bancárias representa a estratégia mais eficiente para retirar a economia do atoleiro em que se encontra, sem causar inflação, pelo menos até o ponto em que não pressiona os limites da capacidade produtiva. Isso porque se é verdade que a política monetária pode ser acionada para evitar uma depressão, injetando liquidez na economia, como aconteceu na crise do subprime, apenas a política fiscal pode levar à recuperação, por meio dos gastos do governo, que não precisa, nessa situação, nem de tributar, nem de procurar outra fonte de financiamento como ocorre com os agentes privados, para gastar, mas apenas emitir moeda sem pressionar os preços, como acredita a ortodoxia, mantendo baixa a taxa de juros para estimular os investimentos e o crescimento (idem, p. 17).

O equívoco do consenso macroeconômico resulta do fato de atribuir exclusivamente à política monetária, mais especificamente à taxa de juros, o poder de controlar a demanda agregada para manter a inflação dentro da meta estabelecida, mesmo quando essa persiste num quadro econômico de capacidade ociosa e elevado nível de desemprego, explicada por expectativas negativas provocadas por algum choque – interno ou externo -, cujas causas são insensíveis a estes movimentos dos juros, mesmo deprimindo ainda mais a demanda agregada. Para o consenso, no entanto, não há alternativa fora do aumento dos juros para mantê-la sob controle, o que leva ao aumento da dívida e do custo fiscal para a sociedade, asfixiando ainda mais o crescimento econômico, inclusive com a defesa apaixonada que faz das políticas de austeridade para conter os desequilíbrios fiscais do Estado tidos como responsáveis por essa situação, num quadro de crescente insuficiência da demanda agregada. Não pode dar certo, porque só piora a situação.

Não é preciso muita perspicácia para entender que tal visão desagradou, de uma maneira geral, não somente os economistas filiados aos dogmas da ortodoxia, mas também os que, mesmo não sendo integrantes de seus quadros, passaram a acreditar na fórmula milagrosa do consenso sobre o poder da taxa de juros para controlar a inflação, a qual, ao fim e ao cabo, termina beneficiando a riqueza financeira. As críticas e os argumentos que apresentam contra essa nova teoria merecem, contudo, ser tratados em outro trabalho.

Mas também é preciso reconhecer que muitas, na verdade a maioria, das ideias apresentadas nessa “nova” forma de encarar a economia, já estavam presentes em outros autores, como em Keynes ([1936], 1982), por exemplo, as quais passaram a ser devidamente ignoradas com a recuperação da hegemonia da teoria econômica pelo pensamento conservador a partir da década de 1970. Keynes dedicou 23 dos 24 capítulos da Teoria Geral para discutir a Grande Depressão da década de 1930, bem como os remédios mais recomendados para superá-la. Demoliu com a sua teoria, por um longo período, os principais pilares da teoria econômica ortodoxa, que renasceu com outras vestes a partir da década de 1970. E demonstrou como a política fiscal constituiria a estratégia mais eficiente para sair da crise e sustentar o crescimento, por meio do aumento dos gastos do governo e dos déficits orçamentários, os quais, como ele enfatizou neste trabalho, não se traduziriam em aumento da inflação enquanto existisse capacidade ociosa, ou seja, enquanto não esbarrassem nos limites da capacidade produtiva, como defende a Moderna Teoria da Moeda. Enfim, a teoria de Keynes não difere, em sua essência, dessa nova proposta.

Bibliografia

KEYNES, John Maynard. [1936]. A teoria Geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1983.
LARA RESENDE, André. A crise da macroeconomia. Valor Econômico. São Paulo: 08/03/2019a.
______. Consenso e Contrassenso: dívida, déficit e previdência”. Texto para Discussão. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (IEPE/CdG), fevereiro de 2019b.
MISHIKIN, Frederic S. Monetary policy strategy: lessons from the crisis. NBER Working Paper. Cambridge: National Bureau of Economic Research, n. 16.755, 2011.
OLIVEIRA, Fabrício Augusto. O mito de que a austeridade gera crescimento. Debates em Rede. Vitória, 13/03/2010.
PAULA, Luiz Fernando & SARAIVA, Paulo José. Novo Consenso Macroeconômico e suas implicações para o Brasil. Revista Paranaense de Desenvolvimento. Curitiba, v. 36, n. 128, p. 19-32, jan./jun. 2015.
WRAY, L. Randall. Trabalho e Moeda hoje: a chave para o pleno emprego e a estabilidade dos preços. Rio de Janeiro: Editora UFRH/Contraponto Editora, 2003.