A Restrição Externa, mais uma vez!

Frederico G. Jayme Jr.
Professor do Cedeplar-UFMG

Desde 2011 a situação das contas externas no Brasil tem-se deteriorado continuamente. O déficit estimado em Conta Corrente para 2014 é de 3,5% do PIB. Após a recuperação das exportações em 2010, ano seguinte ao do pior momento da crise internacional para o setor externo no Brasil, o volume de exportações praticamente se estagnou (de US$239 bilhões em 2011 para uma estimativa de US$240 bilhões em 2014). De fato, o saldo comercial vem caindo, desde o pico de US$46,5 bilhões em 2006, para um déficit acumulado entre janeiro e novembro de 2014 de US$4,2 bilhões (Ministério da Indústria e Comércio Exterior). A estagnação do comércio mundial, a paulatina perda de participação das manufaturas e a estabilidade do preço das commodities, como minério de ferro e soja, responde por boa parte da estagnação das exportações.

O período 2003-08 foi alvissareiro para o comércio mundial e, particularmente, para os exportadores de produtos primários, tanto no Brasil, como no resto do mundo. As exportações da América Latina, Estados Unidos, Europa e China cresciam a taxas anuais de dois dígitos. O Brasil se beneficiou deste boom, não somente devido aos seus produtos ofertados no mercado, mas também através de uma política externa de maior integração comercial com Mercosul e América Latina, além da África e Ásia. A estratégia de ampliar mercados internacionais desde o governo Lula contribuiu para o país se beneficiar do ciclo virtuoso de crescimento do comércio mundial entre 2003 e 2008.

A crise internacional interrompeu este crescimento, particularmente com uma queda de mais de 25% no comércio mundial em 2009. Em que pese a recuperação em 2010, de quase 30% entre 2011 e 2013, as importações mundiais caíram 9 pontos percentuais desde então. Mesmo a China, cujo crescimento das importações com origem na América Latina cresciam mais de 43% ao ano entre 2003 e 2008, passam a crescer 11,6% ao ano no período 2011-13 (BID, 2014).

Sendo este país um destino importante para as exportações brasileiras, particularmente de minério de ferro, o impacto desta queda é significativo e explica parte do comportamento da balança comercial nos últimos quatro anos. Não bastasse, os preços dos produtos exportados caíram em quase 6% para a América Latina entre 2011 e 2013, não sendo suficientemente compensados pelo crescimento do volume exportado.

Este quadro adverso demonstra claramente que, não obstante melhoras nos indicadores sociais, maior inclusão e crescimento após 2003, a restrição externa assombra a economia brasileira. De fato, o foco no crescimento para o mercado interno é central, consequência de uma economia que, pouco a pouco, melhorou o seu perfil distributivo e aumentou a inclusão social. Se, por um lado, o alívio externo no período 2003-08 possibilitou que o crescimento, ao contrário de períodos anteriores, ocorresse com desconcentração de renda do trabalho e acúmulo sem precedentes de reservas internacionais, por outro não houve avanço na diminuição da restrição externa estrutural. Com efeito, uma economia com um padrão de especialização comercial em commodities primárias e bens intensivos em recursos naturais, tenderá a sofrer mais profundamente os efeitos cíclicos do comércio mundial. Este comportamento cíclico é ainda maior porque, devido à estagnação das economias desenvolvidas e do comércio mundial, a instabilidade se amplifica.

Obviamente uma crise internacional de grandes proporções, com seu impacto sobre o comércio internacional, afeta igualmente todos os produtos exportáveis, sejam eles mais intensivos em recursos naturais, ou mais intensivos em tecnologia. No entanto, dadas as características dos bens de maior conteúdo tecnológico, a principal delas sendo a maior capacidade de diferenciação de produto, os impactos da queda no comércio internacional são menores, bem como a incerteza em relação à penetração dos produtos no mercado internacional. E é este o ponto central na fragilização da situação externa brasileira a partir de 2011 e suas consequências sobre o crescimento da economia e as possibilidades de manutenção do bem-sucedido processo de inclusão e distribuição de renda da primeira década dos anos 2000.

Não obstante o ciclo de crescimento recente tenha sido dinamizado pelo mercado interno, ainda que centrado em setores com baixa produtividade, o arrefecimento do comércio mundial e a estagnação das exportações traduziram-se em diminuição de dinamismo deste setor no país, gerando maior incerteza e preferência pela liquidez dos investidores. Neste sentido, não obstante os Investimentos Estrangeiros Diretos tenham-se mantido em torno de 3% do PIB desde 2011, o elevado déficit em Conta Corrente e a estagnação do comércio exterior acabam por contribuir para a estagnação do PIB. No curto prazo, a capacidade de investimento do Estado em Infraestrutura e em Ciência e Tecnologia esbarra nas dificuldades fiscais decorrentes da estagnação.

Este quadro corrobora a restrição externa estrutural da economia brasileira, que encontra na especialização comercial um de seus responsáveis. De fato, o dinamismo das exportações das economias e da ampliação do comércio internacional se relaciona com quatro características dos mercados dos produtos exportados.

A primeira delas é a estrutura de mercado dos bens exportados. Quanto mais próximas da estrutura de oligopólio forem as exportações, maior será a capacidade da empresa exportadora para fixar os preços de seus produtos, e, portanto, maiores tendem a ser a rentabilidade e o valor de suas exportações. Em segundo lugar, o dinamismo do mercado. Quanto maior for a taxa de crescimento da demanda em um mercado, maior tende a ser o valor das exportações para este mercado. Em terceiro lugar, o grau de proteção do mercado. Quanto menos sujeito o mercado estiver a práticas protecionistas, maior tende a ser o valor das exportações para este mercado. Finalmente, o valor das exportações depende também da diversificação da base produtiva da economia. Tudo isso deixa a economia menos volátil e menos exposta a movimentos de demanda específicos dos setores.

De fato, quanto maior for o grau de sofisticação tecnológica dos produtos, mais próximos estarão seus mercados de estruturas oligopolizadas, mais dinâmicos devem ser seus mercados, e menos sujeitos a práticas protecionistas. Mais do que isto, a incerteza em relação aos movimentos no mercado internacional de produtos com maior sofisticação tecnológica é certamente menor, pois sua dependência à dinâmica da demanda internacional também é menor. Ademais, diversificação produtiva e em setores de maior sofisticação tecnológica afeta a produtividade de outros setores via efeitos diretos e indiretos, além de possibilitar uma concorrência não-preço. Portanto, uma pauta exportadora mais diversificada e com produtos industriais de maior sofisticação tecnológica pode vir a gerar menores problemas externos, mesmo sob arrefecimento do comércio mundial. E é este um dos nós górdios da economia brasileira.

A correlação positiva entre grau de sofisticação tecnológica do produto e grau de oligopolização do seu mercado se deve ao fato de que um produto que está na fronteira tecnológica, ou próximo a ela, não pode ser produzido nos países com menor parque tecnológico ou com sistemas de inovação imaturos. Assim, não há concorrência acirrada no mercado mundial desse produto, tornando possíveis acordos tácitos ou explícitos sobre a fixação de preços do bem no mercado mundial. A maior autonomia na fixação do preço do produto viabiliza um valor mais elevado das exportações para um dado crescimento da renda mundial.

Um dos problemas enfrentados pela economia brasileira nesses últimos anos é a dificuldade em garantir um crescimento sustentável e com aumento de produtividade, seja devido à heterogeneidade da estrutura produtiva do país, seja devido à demanda no mercado de trabalho estar mais aquecida nos setores de menor produtividade, como o setor de serviços. Embora tenha havido uma recuperação, ainda que incipiente, da capacidade de planejamento no período 2003-2014 e a retomada de políticas industriais verticais após uma virtual paralização entre 1980 e 2002, o fato é que o Brasil não logrou fazer o catch up tecnológico e manteve um padrão de especialização comercial muito dependente de bens de menor valor agregado e commodities primárias. Parte deste insucesso se deve à política monetária, em direção oposta aos projetos de longo prazo, ao produzir taxas de juros elevadas e valorização cambial.

Com efeito, em períodos de bonança dos preços internacionais e crescimento do mercado internacional, além de um comportamento superavitário da Conta Financeira, foi possível garantir um balanço de pagamentos superavitário e acúmulo de reservas internacionais. No entanto, a política econômica de curto prazo, principalmente a política monetária com forte valorização do câmbio real até 2013, foi de encontro aos projetos de longo prazo de diminuição da restrição externa.

Um projeto que consiga superar a restrição externa estrutural, recuperando o papel do setor industrial produtor de bens com maior conteúdo tecnológico, não se faz de um dia para o outro. Tampouco pode ser submetido às intempéries da política econômica de curto prazo. Não é fácil, mas é fundamental, sob pena de colocar em risco o processo de inclusão social bem-sucedido dos últimos anos. Políticas fiscal e monetária excessivamente contracionistas no curto prazo, sob o fogo cerrado dos “mercados”, parecem, longe de solucionar, contribuir para a manutenção deste círculo vicioso. A submissão de qualquer política pública de longo prazo às vicissitudes do curto prazo pode ser fatal para a superação da restrição externa estrutural na economia brasileira. Este é um dos dilemas a serem resolvidos para garantirmos crescimento com distribuição de renda e menor vulnerabilidade.

REFERÊNCIA:

BID (2014) Giordano, Paolo (coordinador). Intrade BID: Monitor de comercio y integracion 2014. Vientos Adversos: Políticas para Relanzar el Comércio en Post-crisis. http://publications.iadb.org/bitstream/handle/11319/6662/Monitor_2014.pdf