Julio Gomes de Almeida* | Publicado originalmente no jornal Brasil Econômico
Os dados fechados de 2014 da atividade industrial trazem algumas convicções e suspeitas bastante graves sobre o estado da indústria e da economia do país. Se tomarmos como referência o mês imediatamente anterior à crise global de 2008, a produção industrial em dezembro último foi 7% menor. Isto significa dizer que em pouco mais de seis anos houve uma queda média de 1%. O tombo industrial poderia ter sido muito maior, mas um crescimento razoável em algumas indústrias que muito se nutriram da redistribuição da renda promovida no país, como alimentos, bebidas, indústria farmacêutica e artigos de limpeza e pessoais, impediram o pior desenlace.
O revés foi dramático em bens de capital e bens de consumo duráveis, porque esse período deixou claro o fim do ciclo de duráveis — a involução do crédito teve papel destacado — e gradativamente as expectativas empresariais pioraram, determinando a perda de ímpeto e depois queda das decisões de investir.
Como se sabe, a política econômica não se mostrou capaz de neutralizar os dois processos, muito embora tivesse tentado, ao desonerar os impostos sobre automóveis e outros bens duráveis, baixar os juros do crédito dos bancos públicos e ampliar a oferta de financiamento subsidiado para investimento através do BNDES. Isto, embora não tenha bloqueado o andamento da reversão dos ciclos de duráveis e de investimentos, certamente retardou suas consequências sobre a atividade da indústria e de outros setores da economia. Agora, quando já não é mais possível manter esses escudos que custaram caro ao governo, provavelmente os efeitos adversos se apresentarão em toda sua plenitude tendendo a agravar o panorama da indústria.
As considerações acima servem para sublinhar que o problema industrial não é novo. Ao contrário, já vem desde a crise mundial. A produção teve queda forte em 2009 devido à crise externa, experimentou alta igualmente intensa em 2010, modestíssimo aumento em 2011, retração mais expressiva no ano seguinte, um ensaio de modesta recuperação em 2013, para chegar a uma condição de crise mais aberta do ano passado, quando a queda chegou a 3,2%.
O cenário industrial é grave porque reflete uma combinação complexa de fatores externos — a exacerbada concorrência mundial no pós-crise por mercados industriais é o principal deles — e fatores internos, que reúnem a infraestrutura ruim, a distorção tributária representada pelos impostos cumulativos e os juros elevadíssimos do crédito interno, além do câmbio valorizado e o atraso da atualização e da produtividade industrial. Todos esses fatores ainda estão intactos, o que deve fazer com que a situação industrial se prolongue por mais tempo, a menos que uma maxidesvalorização do real venha a ocorrer. De qualquer maneira, pelo menos em 2015 o quadro negro do setor não deve mudar, pelo contrário, o ajuste fiscal, o aumento da taxa de juros, a crise da Petrobras e os problemas com abastecimento de água e energia elétrica deverão agravar a recessão industrial.
A mais assustadora informação trazida pela última pesquisa industrial do IBGE não diz respeito à indústria em si, mas à perspectiva de desempenho da economia brasileira como um todo nesse ano. Em dezembro último o setor produtor de bens de capital acusou redução de 23% com relação a novembro e de 25,5% em comparação com dezembro de 2013. Tais resultados, embora possam refletir em alguma medida causas particulares, são inusitados. Por exemplo, algo parecido somente ocorreu no passado no mês de janeiro de 2009, sob as consequências da crise global.
A indicação é muito negativa: as decisões de investir na economia brasileira “travaram”, daí o colapso da produção de bens de investimento. Isto se deu em função da incerteza agravada pela perspectiva de forte ajuste fiscal e de contenção dos financiamentos de longo prazo, aliada aos demais condicionantes, a saber: a maior taxa Selic, os possíveis racionamentos e os menores investimentos da Petrobras e do próprio setor público. Como o investimento de hoje é o emprego e a produção de amanhã, o que temos é o prenúncio de forte recessão da economia para o ano.
* – Julio Gomes de Almeida é Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp.