Nesta edição #21 da Revista Política Social e Desenvolvimento, seguimos no debate sobre a gestão macroeconômica ortodoxa e seus impactos na interdição da agenda de desenvolvimento e ameaça às conquistas sociais.
Mariana Mazzucato e Caetano Penna (“Estado vs. Mercados: uma falsa dicotomia”) sublinham que, em economias capitalistas, o debate entre Estado e Mercado “tende a oscilar ao longo do tempo nas mentes e nos corações da opinião pública e dos decisores de políticas públicas: os períodos em que o Estado é defendido por seu papel no desenvolvimento econômico são sempre substituídos por um ataque à sua intervenção no “bom funcionamento” de mercados”. Para eles, em todas as economias capitalistas, “o Estado fez e continua a fazer o que os mercados não fazem”. Alertam que investimentos produtivos exigem “capital paciente e comprometido com o longo prazo”, fornecido por instituições públicas. Esse papel ativo é encontrado em países desenvolvidos e em desenvolvimento. “Atacar e diminuir a importância destas instituições estatais é ser desonesto com a história”, pontificam os autores. Na mesma linha, destacam a inadequação da justificativa liberal segundo a qual o papel do Estado na economia seria de corrigir “falhas de mercado”. Apontam que “nenhum país jamais conseguiu desenvolver-se e se industrializar baseando suas decisões de investimentos públicos na avaliação de ‘falhas de mercado’”.
Em “Desafios para o Desenvolvimento Industrial no Brasil”, Célio Hiratuka e Fernando Sarti traçam um breve panorama do comportamento da indústria brasileira nas últimas décadas. Para eles, entre 1950 e 1980, o Brasil vivenciou um longo período de crescimento econômico liderado pelo processo de diversificação e integração da estrutura industrial brasileira. Não obstante, a partir de 1980, com as mudanças nos condicionantes internos e externos e a opção por sucessivas políticas econômicas restritivas ao desenvolvimento industrial, observou-se uma perda relativa de dinamismo da indústria brasileira. Na década de 1990, houve uma guinada em termos de estratégia de desenvolvimento industrial. Num contexto de abertura e de sobrevalorização cambial, a proposta liberal para a obtenção de maiores ganhos de competitividade centrou-se no estímulo à maior competição. Para tanto, adotou-se uma política de abertura comercial e financeira, ao mesmo tempo em que o papel do Estado era reduzido, perdendo a capacidade para induzir e coordenar os investimentos empresariais privados. No breve período entre 2004 e 2010, vislumbrou-se alguma recuperação da capacidade do Estado de articular e induzir o crescimento. Maiores taxas de crescimento econômico, num cenário internacional favorável, beneficiado pela crescente influência da China sobre preços e quantidades de commodities exportadas. Mesmo considerando os impactos da crise de 2008, “foi possível observar estratégias empresariais condizentes com maior geração de empregos, formalização e crescimento salarial. Isso promoveu a recuperação de um importante mecanismo de retroalimentação dinâmica da economia, que ajudou a sustentar o crescimento do emprego, da renda e do consumo, da própria produção industrial e, finalmente, resultou em elevação dos investimentos”. Entretanto, esse mecanismo foi perdendo força depois da crise internacional (2008), em razão do acirramento da concorrência internacional e com a deterioração das expectativas (a partir de 2013), que acabaram por contaminar negativamente o investimento. Neste contexto adverso, “a aposta de que um ajuste fiscal duro leve à recuperação da confiança e à volta dos investimentos pode estar fadada ao fracasso”, afirmam os autores. O mais provável é que ficaremos prisioneiros de “um ciclo vicioso de menos crescimento, menos emprego, menos renda, menos consumo, menos investimento, menos produtividade e menos crescimento”. Para romper este ciclo, Hiratuka e Sarti sublinham a importância crucial da construção de consensos em torno da “necessidade inadiável de retomada do crescimento econômico”.
Aprofundando este tema, Marcelo Arend (“Mais 4 anos de ajuste fiscal e 40 anos sem mudança estrutural”), procura evidenciar que “um ajuste fiscal, por si só, não garante a retomada do crescimento sustentado”. A política fiscal restritiva aliada à política monetária em execução pode, inclusive, “debilitar ainda mais o paciente, ao dificultar a retomada do investimento, considerando-se um cenário de estagnação da demanda interna e externa”. Em sua visão, a estrutura produtiva “necessita de um ajuste estrutural de grande envergadura, tarefa muito distante de ser cumprida por um ajuste fiscal”. Para Arend, a insuficiência dinâmica do parque industrial brasileiro é estrutural: desde 1980, o desempenho da indústria brasileira apresenta um menor dinamismo industrial em relação à média mundial, às economias desenvolvidas e em desenvolvimento. Nas últimas três décadas, o Brasil apresentou “um falling behind manufatureiro em relação à totalidade dos grupos de países que compreendem o sistema mundial”. Para ele, a instituição de um padrão de crescimento sustentado requer a elevação da taxa de investimento. Ao mesmo tempo será preciso alterar o padrão estrutural de inversões, transformando no médio prazo a matriz produtiva e o padrão de comércio exterior vigente. “Alterar o padrão estrutural dos investimentos é fundamental”, pois, desde a década de 1990, “os motores do investimento e do crescimento nacional, são os grupos industriais relacionados a commodities agroindustriais e à indústria representativa do antigo padrão fordista de produção”. Houve extrema dificuldade para diversificar sua estrutura industrial em direção à incorporação dos novos setores emblemáticos da revolução tecnológica que irrompeu na década de 1980. Finaliza, advertindo que “mais 4 anos de ajuste fiscal garantirão o aniversário de uma indústria “quarentona” (1980-2020), inerte, estagnada e defasada tecnologicamente para os padrões internacionais”.
Finalmente, em “A crítica do ajuste fiscal sob a perspectiva da indústria, com pingos nos is”, Cristina Fróes de Borja Reis, antes de analisar as consequências do ajuste fiscal para a estrutura produtiva, faz duas advertências. Em primeiro lugar, é preciso caracterizar a indústria como sendo um conjunto de complexos industriais, nos quais se entrelaçam cadeias produtivas que incluem diversas atividades de transferência e de transformação de insumos apoiadas por serviços industriais até a geração de bens e serviços finais. Neste sentido, a defesa da indústria precisa considerar as diferentes possibilidades de participação nestas cadeias produtivas e complexos industriais. Também é preciso qualificar a complexa estrutura das empresas e seus mercados em termos de porte, grau de concentração, direitos de propriedade, entre outros. Esta advertência é fundamental para orientar a ação das políticas governamentais. Como exemplo, a autora destaca que um segmento significativo da indústria brasileira corresponde a grandes oligopólios, cujas estratégias seguem dinâmicas próprias. Nesse caso, “os efeitos da política econômica, industrial e de tecnologia e inovação têm alcance limitado”. Esses oligopólios industriais são grupos financeiros de capital aberto, integrados ao agronegócio e aos serviços (destacando o comércio de atacado e de varejo). “O grande capital transita entre a esfera financeira e a produtiva conforme avaliação própria, correspondendo não somente à busca por maior retorno, mas também aos interesses geopolíticos a que estão associados – em um tabuleiro bem mais amplo de disputas de poder e riqueza”. Assim, “a defesa da indústria precisa estar atenta a quem e a o que está sendo incentivado, para que políticas não se tornem ‘bolsa-empresário’ para grandes capitalistas”. A segunda advertência é sobre a importância da indústria para o desenvolvimento. Aprofundando a análise dessa relação, constata que de maneira geral a história revela que as nações com melhores índices de desenvolvimento são industrializadas. O sucesso da industrialização em promover desenvolvimento depende de mecanismos complexos. As variadas trajetórias de industrialização atingiram diferentes graus de elevação da renda e bem-estar, a depender da capacidade e qualidade da geração de empregos, da elevação real da renda do trabalho e da sofisticação tecnológica. No caso do Brasil, “a defesa da indústria e o fortalecimento de sua posição nas cadeias produtivas globais precisam ser promovidos desde uma postura ativa e altiva frente aos conflitos de classes externos e internos – algo bastante difícil, tanto mais factível quanto mais se aprofundar a democracia”. Finalmente, a autora destaca as consequências do ajuste fiscal para a indústria no Brasil. Na sua visão, o ajuste deverá complicar as perspectivas de investimento produtivo industrial, por conta da tendência de queda na demanda. Na sua visão, “políticas monetárias e fiscais contracionistas geram perdas em termos de produção e emprego, abalando principalmente o elo frágil da indústria: os trabalhadores assalariados nas posições médias e baixas da hierarquia administrativa, e os empresários nacionais de micro, pequenas e médias empresas”.
Boa Leitura!