Michela Calaça* e Celia Hissae Watanabe**
As mulheres rurais do Brasil têm forte presença na luta pelo fim das desigualdades sociais, econômicas e políticas que demarcam a nossa sociedade. Elas foram protagonistas nas lutas pela Constituição de 1988, tendo conquistado o acesso aos direitos previdenciários e outros antes só garantidos às populações urbanas. Mantêm-se na mobilização pelo que ainda falta chegar até a vida delas no mundo rural, tanto que protagonizaram e protagonizam as maiores mobilizações de massa dos últimos anos. São extrativistas, ribeirinhas, acampadas, assentadas, agricultoras, são indígenas quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, pescadoras, catadoras de mangaba, dentre outras, e totalizam 48% da população rural.
Fruto da forte presença no cenário das mobilizações sociais ao longo dos tempos, as mulheres rurais organizadas em movimentos sociais populares de luta pela terra, sindicais, movimentos feministas, dentre outros, trouxeram e trazem em suas pautas suas demandas por programas e políticas públicas que favoreçam a inclusão com autonomia e que principalmente as enxerguem como trabalhadoras.
Consonante com essa demanda e atento às especificidades do rural, o governo Lula incorporou logo no seu primeiro mandato o lugar das mulheres rurais no Ministério do Desenvolvimento Agrário com a criação do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia (PPIGRE) coordenado por uma assessoria especial. E deu início a uma série de ações que ganham contornos de políticas públicas – como, por exemplo, o Programa de Documentação da Mulher Trabalhadora Rural e o Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais – que contemplam ações específicas de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para as mulheres e buscam articulações transversais com as demais políticas para agricultura familiar.
Dada a relevância desse lugar e do reconhecimento dos avanços na inclusão produtiva e promoção da autonomia das mulheres no campo brasileiro, em 2010 o Presidente Lula criou a Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas, DPMRQ. Posteriormente, a Presidenta Dilma deu continuidade aos diálogos com as organizações representativas das mulheres rurais, consolidando as estratégias de governo pela igualdade de gênero.
O atual contexto de golpe no Brasil representa uma ruptura com a pauta das mulheres, sobretudo as rurais. A interinidade do presidente golpista dá-se em um cenário de manobras legislativas com a conivência do Judiciário e de expressão de valores conservadores, machistas, homofóbicos, racistas e elitistas. Todo o processo de desgaste da Presidenta Dilma Rousseff foi pautado na explicitação da misoginia, do ódio e da intolerância. Fundamenta-se na exterminação das políticas de inclusão fomentadas pelo Partido dos Trabalhadores ao longo dos mandatos de Lula e Dilma.
Horas após tomar posse, o Presidente interino extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário, em uma confusa medida provisória, atribuindo suas funções ao Ministério do Desenvolvimento Social, que foi transformado em Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Duas semanas após, em evidente esforço para tentar acomodar aliados golpistas no Congresso Nacional, Michel Temer reposicionou o Desenvolvimento Agrário na Casa Civil, atribuindo-lhe o caráter de Secretaria Especial. Em nenhum dos dois instrumentos cita a Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas, que atualmente se encontra no limbo.
Dada a configuração dos pilares do golpe e da formação do Ministério, sem mulheres, sem jovens, sem representações de povos e comunidades tradicionais, retrocessos anunciados porão fim às políticas de inclusão social e aos processos de construção de um mundo sem desigualdades.
*Mestre em Serviço Social
**Mestre em Gestão de Políticas Públicas