Juliano Giassi Goularti*
O conservadorismo reacionário não perdeu, como realidade histórica, nem seu significado político. Continua ativo na mente e nos corações de uma elite nativa que não pensa com sua própria cabeça, diria Celso Furtado. No processo da democracia eleitoral, pode-se dizer que os candidatos presidenciáveis José Serra (2002, 2010), Geraldo Alckmin (2006) e Aécio Neves (2014) foram derrotados. O pensamento conservador que tem a anti-política social como norte, o Estado mínimo e o neoliberalismo como ideologia e estilo de vida, persiste até os dias de hoje no Brasil enquanto uma poderosa força política, econômica e cultural.
Após quadro derrotas consecutivas, as forças políticas e frações de classe afinadas com as manifestações fascista, autocráticas e contra uma política minimamente de inclusão social, rebelaram-se substancialmente pelo uso autoritário da opressão social, da repressão política e do uso midiático contra o suposto “fantasma vermelho do comunismo”. Esse ataque ao Estado democrático e aos avanços sociais da era petistas historicamente coincide com os interesses reacionários da burguesia brasileira como também de frações da classe média e alta. Isto é, a burguesia nativa associada e dependente com a classe média e alta brasileira é relativamente impotente, preferem a capitulação da política do imperialismo a lutar pela bandeira do nacionalismo.
No contexto histórico do Brasil, como também dos países latino-americanos, os conceitos de dependência organizada consolidaram-se na sua temporalidade pela cultura do mimetismo (imitação de estilo de vida) que excluem o protagonismo da cena histórica. Neste caso, todas as formas de mudança conjuntural e mesmo estrutural não escapam ao controle direto ou mesmo indireto das frações de classe possuidora da riqueza econômica, do poder político e da influência cultural. Qualquer política de caráter mais progressista que hesite em titubear a dominação oligárquica tradicional estabelecida por um período relativamente longo, está sujeito a sofrer um processo como a qual estamos vivenciando no presente.
Destinados a proteger seus interesses, valores e estilo de vida através de um controle plutocrático do Estado e do governo, isto quer dizer, acima dos interesses politicamente legítimos das urnas, estamos assistindo no Brasil uma preservação totalitária do status quo através da violência institucionalizada e amplamente organizada através da Proposta de Emenda Constitucional/PEC n° 241. Aprovada pelo Congresso e apoiada por setores dominantes com uma profunda articulação externa, na sua essência significa uma reorganização republicana do projeto de país construído democraticamente pela Constituição Federal de 1988.
A reforma institucional trazida pela PEC 241 protagoniza o domínio da política monetária estabelecendo rigidez fiscal para honrar o alto gasto com os juros da dívida pública. Em síntese, mainstream está, como sempre, reservando o espaço da política fiscal de modo a desempenhar o papel de fiadora do espaço de valorização do estoque de riqueza financeira. Em todo o caso, o desmantelamento do gasto social para valorização dos ativos financeiros como pressuposto do equilíbrio fiscal irá tencionar ainda mais as desigualdades sociais e regionais no Brasil.
Para o governo sem voto, a gestão macroeconômica deve voltar-se para o equilíbrio das contas públicas e contenção de despesas primárias para assim prover a credibilidade e confiança dos agentes. A política fiscal passaria a ser dependente da monetária e a base do desenvolvimento estaria no hiato da efetividade da política monetária, através da independência do Banco Central, em conter as pressões inflacionárias e de criar um aparato institucional que assegure a credibilidade do ambiente de negócios afastando os elementos do uso discricionário da “dominância fiscal”. Para tanto, numa economia subdesenvolvida como a brasileira, o corte de gasto governamental em áreas sociais, em sim mesmo, corporifica nossa heterogeneidade estrutural.
Dentro desta concepção teórica, a demanda efetiva pelo gasto público, instrumento para diminuir o grau de incerteza e restabelecer o ritmo de atividade econômica revertendo o cenário, é tido como uma condução irresponsável induzindo a instabilidade e aumento exponencial da dívida pública. Quanto ao carregamento da dívida pública, sejamos honestos, sua expansão desenfreada está associada à alta taxa de juros e não no crescimento da despesa primária com saúde, educação e previdência social. A manipulação autocrática das estruturas de poder e da maquinaria do Estado está exacerbando o uso autoritário e totalitário para transmitir uma informação inverídica para doutrinação de massa, constituindo uma evidência de uma forma particular de fascismo.
Na medida em que o poder político e econômico organiza o Estado e o governo sob a concepção totalitária da PEC 241, é projetada para daqui 20 anos uma tendência social mais excludente e mais desigual da qual o país historicamente vivenciou e vivencia. Na sua mais pura essência, a aprovação da PEC que irá congelar por 20 anos os gastos em saúde e educação se faz do uso institucionalizado da violência para negar os direitos sociais e garantias fundamentais estabelecidos no passado. Por isso, na sua prática, é possível traçar a seguinte metáfora obra de Francisco de Goya “Saturno devorando seu filho” para a PEC 241. O Estado é Saturno. Seu filho é o povo. A PEC 241 é Saturno em figura devorando a massa do povo brasileiro.
*Doutorando pelo Instituto de Economia da UNICAMP