Magda de Lima Lúcio
A situação nacional a cada momento se complexifica e demonstra que saídas retumbantes e superficiais estão fora do cardápio de solução da atual crise político-social-institucional -econômica-comunicacional-democrática brasileira.
A não ser possível uma solução simplificada o Pacto pela Redemocratização estabelecido entre os partidos políticos, as instituições e a população em 1985, se esgota.
Ao lado desta impossibilidade as autoridades instituídas disputam, cada uma a seu modo, o protagonismo da cena, enquanto lideranças político-partidárias instituídas se calam ou se omitem. Não há ações efetivas na direção de conclamar ou apresentar um plano alternativo, um projeto de sociedade que consiga aglutinar em seu entorno as mais diferentes linhas de pensamento e posicionamento político. Não colocam à disposição da Nação seu capital político construído ao longo das últimas décadas.
Por que não o fazem?
Porque neste momento só há um caminho – discutir o que não foi discutido na última década: a desigualdade social enquanto elemento desestruturador do Pacto, a financeirização da economia e sua incompatibilidade com a democracia.
Ao longo dos últimos anos, mesmo com todos os avanços inegáveis nos indicadores sociais, conquistados por meio do fortalecimento das instituições públicas e a criação de dezenas de políticas sociais de alcance nacional, o modelo de financiamento do Estado brasileiro não foi colocado em questão: impostos sobre grandes fortunas, análise da dívida pública, reforma política, democratização dos meios de comunicação, dentre outras demandas históricas não enfrentadas e que poderiam ter se tornado a porta de entrada para que a opinião pública encetasse debates complexos e longos.
Hoje o país e sua população são acossados não pelo que foi feito, mas pelo que se deixou de fazer ou de enfrentar.
Mais uma vez a máxima: não existe solução simples para questões complexas se faz verdadeira.
A questão é que não se trata mais de prejudicar uma classe ou segmento social, trata-se neste momento de sobrevivência do Estado Nação brasileiro enquanto tal. O Brasil está em cheque. O equilíbrio entre os Poderes está em cheque. O Pacto Civilizatório está em cheque.
Um caminho possível para o enfrentamento desta crise multifacetada seria o debate propositivo sobre a crise de representatividade instalada no país, vide o crescimento dos votos brancos e nulos, cotejado com o árduo debate acerca do encastelamento das burocracias político-partidárias cuja dinâmica não permite que se realize a retomada de um projeto nacional em que no centro esteja o combate à desigualdade social.
A desigualdade social enquanto elemento estruturante e balizador de um discurso de largo alcance poderia ser o vetor unificador das mais diferentes forças políticas e sociais.
É bem sabido que a era dos grandes discursos está superada, no entanto, é preciso construir algo que seja capaz de unificar discursiva e ativamente as forças progressistas do país. Importante frisar que o pensamento conservador conseguiu, com o apoio midiático-convencional e também de forças conservadoras alojadas na estrutura estatal, erigir um discurso uníssono – o discurso contra a corrupção.
Mesmo com toda contradição ensejada neste percurso esta palavra de ordem repercute em todos os cantos do país. No entanto, ao invés de enfrentar os desvios o que se vê é este discurso, tornado dominante, servindo a interesses derrotados democraticamente nas urnas. Importante salientar que se trata de derrotas sucessivas.
A contradição que se vive hoje, em vários países, mas neste momento, nos detemos na questão brasileira, é que ao invés de combater este discurso unívoco, parte do pensamento progressista aderiu a esta falácia de forma linear e pouco crítica. Este posicionamento levou à uma redução do espaço da política, enquanto espaço construtor de alteridade, de cidadania. Se tornou um espaço discursivo colonizado pelo debate de atitudes éticas e morais de candidatos e governantes, não se discute mais os projetos de candidatos e governos e sim, a conduta destes.
Ao invés de um ambiente polissêmico, um ambiente autoritário e dissimulado se fez hegemônico, repleto de falácias e maus ditos fazendo com que a população se comporte de maneira esquizofrênica e quase ridícula ao discutir questões de relevante interesse coletivo. O que se nota é um ambiente redutor e acusatório. Se o debate é conservador não é ideológico. Se intenta ser crítico e colocar pontos de vista ainda não explorados é tratado como ideológico e oportunista.
Insistimos na construção de um ambiente discursivo e ativo que tenha em sua raiz o debate da desigualdade social enquanto espaço da reflexão e da crítica. Com este vetor seria possível fazer uma análise retrospectiva e prospectiva da situação nacional e assim, de maneira complexa e calma iniciarmos a construção de um projeto que tenha potencial para ser algo maior que cada indivíduo isoladamente.
O que se viu, na prática, nos últimos anos, foi a adesão das lideranças progressistas ao discurso dos conversadores.
Ora, é bem sabido que o discurso da corrupção pertence ao campo da moral e da ética e ao contrário do que se coloca não há uma ética universal e sim, a vontade de uma ética universal disputada pelo pensamento conversador e dominante ao longo da história.
É claro que ninguém em sã consciência é favorável à corrupção, e mesmo que seja não dirá isso publicamente, em uma campanha, por exemplo. No entanto, quando todos os políticos igualam seu discurso, seja ele progressista ou conservador, a população se emudece, uma vez que se torna simples dizer: todos são iguais. Não me arriscarei por nenhum.
Os votos nulos e brancos são eloquentes e demonstram minimamente uma desconfiança para com aqueles que se lançam na cena político-partidária.
Diante deste cenário uma esperança se coloca – podemos mudar tudo em 2018. No entanto, é forçoso dizer que as eleições de 2018 estão em cheque.
Neste momento em que instituições públicas criadas e estruturadas ao longo da último século estão sendo destruídas o que nos faz projetar um cenário político dentro da “normalidade” para 2018?
Nos lembremos que a transição democrática não se finda com eleições diretas, mas sim, com a eleição em 1985 de Tancredo Neves (PMDB/PFL), no colégio eleitoral, portanto eleição indireta, vencendo o então candidato Paulo Maluf. Com a morte de Tancredo Neves, assume o vice, José Sarney.
Ao longo deste governo de transição para a democracia, outra derrota foi imposta ao povo brasileiro, além de não ocorrerem as eleições diretas, assim como previa o Movimento Diretas Já, Sarney consegue no Congresso Nacional alongar seu mandato em um ano, governando por cinco anos, ao invés de quatro, como inicialmente previsto.
Tendo a História como conselheira ao invés de projetarmos um cenário em que os trâmites democráticos ocorreriam linearmente seria importante nos concentrarmos no que está por vir nos próximos meses. Os sinais de que o governo atual não se sustentará são cada vez mais contundentes. Possíveis nomes para o cargo de Presidente da República já são cogitados pelos meios convencionais de comunicação.
Temer cumprirá seu papel em dezembro.
A partir do próximo ano em caso de vacância do cargo de Presidente da República outro nome poderá ser escolhido de forma indireta.
Portanto, calcular que perdas poderão ser resgatadas com uma possível vitória progressista ou que a PEC 241, já aprovada na Câmara, poderá ser revertida, é um perigoso exercício do jogo político, uma vez que as lideranças deixariam a população à deriva, em caso de não cumprimento do calendário eleitoral previsto ou ainda, caso ocorram as eleições e o candidato vitorioso não pertença ao campo progressista.
O momento é de organização e preparação para o que virá, independente do que ocorra, as organizações político-partidárias, da sociedade civil e outras, têm a tarefa de colocar à disposição da sociedade brasileira os meios que possuem para que se erija um projeto nacional em que o combate da desigualdade esteja no centro.
Gostaria de finalizar com algumas reflexões:
As lideranças político-partidárias, sindicais ou sociais do campo progressista se engajarão de forma consistente na construção deste projeto de sociedade em cujo centro estará o combate à desigualdade e o restabelecimento da democracia em nosso país?
Colocaremos o destino do país nas mãos dos jovens do ensino médio, cuja faixa etária gira em torno de quinze anos, sem contudo, nos comprometermos em prepararmos o caminho para que estes jovens adolescentes sejam também os porta-vozes da mudança?
Vamos nos limitar a congratularmos os jovens que dormem e se arriscam nas ocupações enquanto assistimos em nosso timeline o desenrolar dos acontecimentos?
No limite, vamos nos omitir enquanto geração madura que nas comunidades tradicionais detinha o dever de orientar e apontar caminhos e alternativas para os mais jovens?