Artigo 56 | Capitalismo: a economia da barbárie

Juliano Giassi Goularti*

“Os economistas encontram-se, as mais vezes, incapacitados para captar a natureza do problema. E, como não estão habilitados a formar juízo fora de seus esquemas mentais habituais, tendem a negar a existência do problema ou a imaginar que este resulta de um falso diagnóstico da realidade econômica.” – CELSO FURTADO, 1962.

A sociedade contemporânea chegou a seu estágio de barbárie. Assiste a exacerbação de um movimento dúplice, marcado, por um lado pela financeirização da riqueza e, por outro, pela mercadorização de tudo aquilo que possa ser transformado em valor de troca. A difusão dessa relação social acentuaram as formas de (des)sociabilidade. De modo paralelo, a transformação das relações sociais que atualmente marca o estilo de vida da humanidade ultrapassa o espírito de solidariedade. A heterogeneidade estrutural da sociedade capitalista, acompanhada da difusão do progresso técnico, do desenvolvimento econômico e do crescimento urbano, valoriza a cultura da segregação. O resultado desse modo metabólico que põe a economia na frente da política é a reprodução desigual, na qual sua produção é a barbárie.

Uma sociedade proliferadora de desigualdades e geradora de injustiça sobrepõe-se aos princípios da solidariedade. O fetiche as novas formas de existência do capital permite manipular as relações sociais a ponto de aguçar a segregação social. Não por menos temos a explosão da violência nas periferias e centro das cidades. Assim, ao efetivarem-se os gostos e as necessidades ofertadas pelo bazar do fetiche do american way of life, os homens foram triturados e transformados em massa pelo “moinho satânico”. O fetiche em buscar novas formas de gerar riqueza não pode existir sem o abalo das relações sociais. Neste caso, isto é, no contexto socioeconômico de nossa época, o aprimoramento dos meios de produção (processo e produto), os shopping centers do consumo e a acumulação real e fictícia arrastaram a humanidade para a civilização da barbárie.

Com o desenvolvimento industrial e posterior do mercado financeiro, a economia ganhou poder e fortaleceu o status subordinado da sociedade a sua semelhança. Partindo do princípio de Marx e Engels[1] que a “sociedade civil é o verdadeiro lar e palco de toda a história”, uma sociedade que tem 2,2 bilhões de pessoas vivendo em situação de pobreza, outros 800 milhões estão em risco de pobreza, e, além disso, cerca de 1,5 bilhão de trabalhadores (metade da força de trabalho mundial) têm postos de trabalho informais ou precários[2], é a história da barbárie. A práxis do homem em construir a evolução histórica da economia e da sociedade que explora os materiais, capitais e força de produção modificou as relações sociais a ponto suprimir a liberdade, a democracia e os direitos sociais básicos. Não suspeita que o objetivo das relações sociais de produção e consumo especificamente capitalistas seja de privar o homem dos fatos históricos conforme definido por Marx e Engels na Ideologia Alemã.

As desigualdades sociais e os antagonismos entre os homens é resultado da expansão e exploração capitalista no tempo e no espaço. A liberdade de comércio, a formação do mercado mundial, a divisão social do trabalho e a metamorfose da riqueza é senão o desenvolvimento da contradição e da violência. A expulsão dos camponeses da terra, as legislações sanguinárias, a acumulação primitiva e a acumulação via espoliação não teria ocorrido sem as intervenções do monopólio da violência, o Estado. Diz o velho ditado que não é possível fazer omeletes sem quebrar ovos. A segregação, a violência, a destruição criativa e as novas combinações, seja pela acumulação primitiva ou por espoliação é uma necessidade permanente que imprimi sua marca à era capitalista. A questão é que o capitalismo ao produzir e gerar contradição gera também sua própria negação.

A partir do ano que vem, os recursos acumulados pelo 1% mais rico do planeta ultrapassarão a riqueza do resto da população. A riqueza desses 1% da população subiu de 44% do total de recursos mundiais em 2009 para 48% no ano passado. Esse ano, esse patamar pode superar 50% ou 3,5 bilhões de cidadãos, se o ritmo atual de crescimento for mantido. O relatório divulgado pela Oxford Committee for Famine Relief (OXFAM) alerta que o valor pode ser ainda maior devido ao fato de que a maior parte da população rica mantém contas escondidas em paraísos fiscais. Enquanto isso, relatório da United Nations Children’s Fund (UNICEF) e a obra de Mike Davis[3] apontam que uma em cada três pessoas no mundo (2,4 bilhões) ainda não têm acesso a serviços de saneamento básico e água potável, 78% dos habitantes urbanos dos países subdesenvolvidos moram em favelas e nas cidades do Cairo/Egito 1 milhão de pobres usam sepulturas como módulos habitacionais pré-fabricados e de Mumbai/Índia 1 milhão de pessoas morram em calçadas.

Paralelo a UNICEF, OXFAM e Mike Davis, o relatório do United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR) mostra que o deslocamento global provocado por guerras civil, conflitos, perseguições e fome atingiu em 2014 um nível recorde de 59,5 milhões de pessoas. Numa posição de proa num sistema repressivo, violento e desigual, expansão imperialista por espoliação segue um ritmo acelerado e uma tendência de concentração. O prelúdio da Revolução Industrial e Financeira se deu à custa de um longo processo de desintegração. A metáfora do “moinho satânico” que transforma homens em massa de Karl Polanyi é a expressão concreta da economia de mercado. O progresso à custa da desarticulação social é espantoso apontam os relatórios. A (des)sociabilidade provocada pela barbárie humana é tão sombria quanto as imagens das trevas. O Estado que possui graus de autonomia e resulta do bloco de poder das frações de classe poderia minimizar tamanha barbárie. Porém, pegando o termo emprestado de Mike Davis, estamos presenciando uma “traição do Estado”.

As relações econômicas dadas pela financeirização da riqueza e pela mercadorização de tudo aquilo que possa ser transformado em valor de troca, destrói o tecido social e arruína a humanidade. Com tal característica, a forma de coletivização dos direitos e garantias fundamentais necessariamente passa pela tributação progressiva, confisco dos paraísos fiscais, distribuição equitativa da renda e da terra, acesso digno a moradia e acesso aos direitos sociais básicos. Sob o desenrolar da atual crise do capitalismo, se faz necessário o abandono das políticas de austeridade fiscal, inclusive recomendadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Porém, na particularidade da economia brasileira, a austeridade fiscal seletiva com corte de direitos sociais e garantias fundamentais que levou a economia grega a ruína no passado recente, o governo Temer/Meirelles – Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n°. 241, agora PEC n°. 55 no Senado – entende ser bom para o Brasil.

As crises são essenciais para reprodução do capitalismo. Porém é no desenrolar da instabilidade capitalista que a barbárie chega a seu estágio superior. Em as “17 contradições e o fim do capitalismo”, David Harvey diz que é “difícil ver saída no meio de uma crise”. Entretanto, a vitória do republicano Donald Trump, admite o FMI, é um presságio do “fracasso da globalização”, diríamos que também do neoliberalismo. Sustentado por um programa protecionista sobre os efeitos contraditórios da globalização e do comércio internacional, que contrária as recomendações do FMI (globalização sem fronteiras comerciais e da liberalização do comércio), depois de recomendar políticas fiscais expansionistas, o Fundo se vê obrigado a repensar as recomendações de política econômica para a economia mundo. Todavia é preciso que os movimentos sociais sejam sujeitos do protagonismo, do contrário, é o prenúncio de um capitalismo global administrado pela ditadura do fascismo/nazismo.

[1] A ideologia alemã.

[2] Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

[3] Planeta Favela.

* Juliano Giassi Goularti é doutorando pelo Instituto de Economia da UNICAMP e membro do Plataforma Política Social