Fabrício Augusto de Oliveira[1]
Passados cem dias desde que assumiu a presidência, o governo Bolsonaro é, no mínimo, decepcionante. Aos poucos vai revelando para a população não ser muito chegado ao trabalho, lembrando o presidente Reagan quando disse que “apesar de não existir nenhuma prova de que muito trabalho mata, para que correr riscos desnecessários?”. Seu tempo é dedicado a tuitar mensagens para sua rede de apoiadores na internet; tecer loas à ditadura, tentando reescrever a história do país e desafiando os valores democráticos; provocar permanentemente a esquerda e as minorias; posar empunhando armas em todas as ocasiões e lugares possíveis; pegar um cineminha no final da tarde com a primeira dama; e brincar de presidente, como a ele já se referiu o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Menos governar, por que isso dá muito trabalho.
Em artigo recente publicado no Financial Times, um órgão do mundo dos negócios, o jornalista Jonathan Wheatley considera que “muitos investidores estão preparados para aturar o que alguns consideram atitudes racistas, misóginas e homofóbicas de Jair Bolsonaro […], mas podem não ter sido preparados para a extensão de sua incompetência”. Na mesma linha, The Economist, outra publicação britânica que ninguém pode rotular de esquerda, não vai por caminho diferente do seguido pelo Financial. Em sua nova edição, considera que Bolsonaro “dissipou o capital político em seus preconceitos, pedindo, por exemplo, que as Forças Armadas comemorassem o aniversário, em 31 de março, do golpe militar de 1964”. Por isso, chama-o de “aprendiz de presidente” e afirma, o que é mais grave, que o seu mandato pode ser mais curto “a menos que ele pare de provocar e aprenda a governar”.
O episódio da reforma da previdência é emblemático da resistência de Bolsonaro ao trabalho e de sua incompetência para a tarefa de governar. Tendo entregue oficialmente ao Congresso a proposta do Executivo, considerou que o seu papel já estava cumprido e que sua responsabilidade acabara ali, transferindo-a para Rodrigo Maia. Apesar de ter sido deputado por trinta anos, Bolsonaro não quer se envolver em nenhuma negociação política com os parlamentares, considerando que essas são, via de regra, contaminadas pela troca de favores, sendo sistematicamente antiéticas. Parece não enxergar, assim, compatibilidade entre a ética e a política, talvez pela sua condição anterior de deputado do baixo clero, para os quais a fisiologia fala mais alto. Por isso, não quer “sujar as mãos” nessas negociações e seja o que Deus quiser se as reformas não forem aprovadas. Exime-se, assim, de qualquer responsabilidade se a economia do Brasil continuar afundando.
Talvez Bolsonaro não tivesse de trabalhar tanto como parece temer, se tivesse escolhido uma equipe mais qualificada. Não foi o que fez. Conseguiu compor sua trupe com nomes de pessoas ignorantes sobre o processo civilizatório e inimigos dos valores democráticos e dos direitos individuais. Um ministro das relações exteriores míope e desinformado que enxerga o nazismo como um fenômeno da esquerda. Outro, da educação, de origem colombiana, que vê o brasileiro como ladrão nato e contumaz e que, sem nenhuma proposta para melhorar o nível de ensino no país, tem apenas se preocupado com a difusão dos símbolos nacionais junto aos estudantes e exigido, dos mesmos, perfilarem-se embevecidos diante da bandeira nacional, sendo filmados cantando o hino do país. Uma ministra dos direitos humanos, que mal sabe o que estes representam e qual a importância de sua defesa para a civilização. Outro, do meio-ambiente favorável ao desmatamento e ao afrouxamento de licenças concedidas para a exploração de atividades econômicas predatórias. Além disso, assumiu como seu guru um “filósofo”, Olavo de Carvalho, mestre de alguns de seus membros mais obscuros, cujas ideias não fariam sucesso nem mesmo no boteco onde costumo tomar cerveja.
Para piorar o quadro, abriu espaços para que três de seus filhos, eleitos senador, deputado federal e vereador, com ele dividissem a tarefa de governar. Com uma visão retrógrada sobre a sociedade e atitudes beligerantes e truculentas com tudo o que diz respeito aos valores democráticos e individuais, os três têm se esmerado, sempre contando com o aval do pai, em provocar tumultos e turbulências no governo, disseminando intrigas entre seus próprios membros e colocando dificuldades para o avanço de boas ideias e das negociações necessárias para viabilizá-las.
Não surpreende, assim que a confiança dos agentes econômicos no seu governo tenha começado a se dissipar muito rapidamente, depois de ter ingressado numa trajetória de maior otimismo no final de 2018 e no início deste ano. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC), do IBRE/FGV, depois de atingir 93 pontos em dezembro e avançar para 96,6 em janeiro, um nível que ainda retrata o predomínio de pessimismo, recuou para 96,1 em fevereiro e caiu mais 5 pontos em março, atingindo 91 pontos. O Índice de Confiança Empresarial (ICE), calculado pela mesma instituição, seguiu trajetória semelhante: de 94,9 pontos em dezembro, evoluiu para 95,9 em janeiro e 96,7 em fevereiro, mas recuou para 94 pontos em março, com queda de 2,7 pontos. Já o índice de aprovação de seu governo, cuja gestão havia sido considerada boa ou ótima, em janeiro, por 49% da população, caiu 15 pontos percentuais já em março, para 34%, enquanto os que a consideravam ruim ou péssima subiram de 11% para 24%, tornando-o presidente mais impopular no começo do primeiro mandato desde 1995.
Se na forma de governar e na defesa radical das ditaduras e dos costumes mais retrógrados e conservadores, Bolsonaro tem sido uma lástima, a economia também não tem ajudado muito seu governo. Depois de registrar uma taxa ínfima de crescimento de 0,1% do PIB no último trimestre de 2018, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBc-Br) acusou uma queda de 0,41% em janeiro, acompanhado da perda de forças no crescimento, até março, dos diversos setores econômicos. Com isso, a taxa de desemprego que havia fechado o ano com 11,6% da população desocupada evoluiu para 12% no trimestre fechado em janeiro e para 12,4% em fevereiro, totalizando mais de 13 milhões de desempregados, ou para 24,5%, correspondente a 27,9 milhões de trabalhadores se se considera a taxa de subutilização da mão de obra. Como resultado as projeções de crescimento do PIB para o ano começaram a ser rapidamente revistas, caindo de 2,7% para um índice em torno de 2%. Por enquanto.
Não é para menos. Apesar do frisson provocado no mercado com a indicação dos economistas da Escola de Chicago, Paulo Guedes à frente, para comandar a economia, não houve a apresentação pelos mesmos, até o momento, de qualquer plano ou medida mais consistente para retirar a economia da situação de estagnação em que se encontra, a não ser a reforma da previdência, como se essa fosse a solução para todos os problemas e males do país. Como a mesma vem sendo desidratada no Congresso e corre o risco de nem mesmo vir a ser aprovada, pela falta de diálogo e disposição de seu governo para negociar com o Congresso, os gênios da política econômica de Chicago, sem criatividade e sem outras cartas na manga para continuar indo adiante, além do ajuste fiscal, podem simplesmente jogar a toalha no ringue e abandonar o barco como volta e meia ameaça fazer o ministro Paulo Guedes.
Alheio a todos estes problemas, que parecem não lhe dizer
respeito, Bolsonaro tem intensificado suas viagens pelo mundo, quase sempre com
um filho a tiracolo, e posado, com total deslumbramento, com seus ídolos de
direita, como Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, ou arrumado mais
problemas para o país, como no caso da abertura de um escritório de
representação comercial em Jerusalém para agradar Israel, numa afronta à
comunidade árabe, grande importadora de produtos brasileiros. Afinal, se não
pode ajudar, por que não atrapalhar mais um pouco e enterrar de vez o Brasil?
Por enquanto, é o que o governo Bolsonaro vem fazendo. O país não merecia isso.
[1] Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colaborador de Debates em Rede e o Beltrano, e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”.