Clemente Ganz Lúcio*
Qual é a vantagem que uma empresa tem ao substituir um empregado por outro no mesmo posto de trabalho? Depende! Qual é o contexto econômico? Qual o tipo de empresa? Qual o profissional que “roda”? A resposta implica relacionar, no contexto concreto e histórico, essas três questões.
Se a economia vai mal e o desemprego cresce, os postos de trabalho ficam escassos e a rotatividade permite às empesas reduzir os salários diretos e os benefícios. Neste caso, a redução da quantidade de trabalhadores é combinada com o rodízio da força de trabalho alocada. A esse duplo movimento adiciona-se o deslocamento para a informalidade, maneira ainda mais perversa de redução de custos. Neste cenário de ladeira abaixo da economia, há muito pouco para ser feito para reduzir a rotatividade, a não ser atuar para que a economia volte a crescer, além, é evidente, de buscar proteger os desempregados.
Mas o que dizer de uma economia que cresce e demanda de forma contínua a alocação de força de trabalho? Como explicar que, nesta situação, a taxa média de rotatividade dos trabalhadores seja de 64% (celetistas)? Que a taxa cresça com o aumento do emprego? Fraude! Conluio! Proteção perversa! Bradam os cientistas da razão de mercado. Que sabedoria!
Vamos mudar de patamar. De um lado, o mercado de trabalho dá total liberdade ao empregador de contratar e demitir, pagando as custas da rescisão, em parte ou totalmente provisionada nos preços. Não há nenhuma proteção contra a dispensa imotivada. “Rodar” faz parte do negócio!
Algumas empresas alocam temporariamente a força de trabalho: o canavieiro quando termina de cortar cana-de-açúcar na Paraíba desce para cortar em São Paulo, e aqui o faz para diferentes empregadores. O azulejista que termina uma obra, vai azulejar em outra construção. Novos empregadores, novo contrato! Aqui, o sistema de contrato de trabalho não é capaz de recepcionar essa dinâmica, pois temos um sistema voltado pera o emprego contínuo e de longa duração. É preciso entender a dinâmica de cada setor, o processo de produção e criar um sistema de contrato que garanta proteção plena aos trabalhadores e segurança jurídica aos empregadores.
O que dizer dos professores celetistas do setor público, contratados em fevereiro e demitidos em dezembro de cada ano? Ano após ano, milhares de professores “rodam” para cair no mesmo lugar de trabalho. Algo semelhante ocorre no setor da saúde. Que tal entender por que isso ocorre e criar mecanismos que resolvam, de fato, o problema?
E as micro e pequenas empresas que, pressionadas pelas médias e grandes, pela falta de crédito, pelos agiotas, pela falta de assistência técnica, etc., ajustam sempre na força de trabalho. Com uma produtividade muito baixa, essas empresas ajustam no volume de trabalho e nos salário as oscilações da demanda. Vamos multá-las? Ou vamos atuar para favorecer sua viabilidade?
O que dizer daqueles que trabalham uma vida com contratos de experiência? Sim, a cada três meses, rua! O que dizer das empresas que vendem gente, ou melhor dizendo, alocam profissionais segundo a demanda do mercado?
Ou como encarar as demandas de trabalho temporário no comércio no final do ano ou no dia das mães? Ou do setor de turismo, que tem demanda nos períodos de férias? E os contratos de curtíssima duração, dos trabalhadores em eventos, por exemplo?
Dois terços da força de trabalho contratada nos últimos anos são de trabalhadores que recebem até dois salários mínimos, profissionais assistentes, auxiliares, serventes, ajudantes de serviços gerais. Força de trabalho ocupada em funções que, muitas vezes, exigem pouca qualificação, em postos de trabalho precários, com baixos salários, sem treinamento, sem investimento. Rodar é funcional e barato!
Sim, é possível reduzir a rotatividade. Não há uma bala de ouro! A rotatividade se reduz: (a) com uma economia que sustente o crescimento, com a geração de empregos e bom salários, com ganhos consistentes de produtividade e com ampliação da capacidade produtiva para gerar mais empregos; b) com uma economia que tem projeto de agregar valor aos produtos e serviços, por meio de ciência, tecnologia e inovação em um mercado de consumo de massa que se fortalece pela qualidade dos postos de trabalho gerados, pelos salários pagos, pela capacidade distributiva das políticas públicas e pela ação sindical; c) há que se ter um robusto sistema público de emprego capaz de fazer uma intermediação de mão-de-obra com qualidade, integrado homologação, seguro-desemprego, saque do FGTS, formação profissional e intermediação; d) uma política de desenvolvimento industrial que tenha atenção à micro e pequena empresa; e) capacidade negocial e de formulação de políticas específicas para formular e implantar medidas que reduzam a rotatividade; f) capacidade institucional para criar taxação diferenciada para empresas que operem com elevada rotatividade (regulação do artigo 239 da Constituição). A lista poderia continuar.
Não há bala de ouro, mas políticas que sejam capazes de dar outra qualidade ao nosso desenvolvimento, manifesta inclusive na redução sustentada da rotatividade, valem ouro.
* – Clemente Ganz Lucio é Sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.