Consolidar a vitória contra o retrocesso

Wladimir Pomar*

Não há dúvidas, pelo menos da Justiça Eleitoral e do eleitorado que votou democraticamente, que a candidata do PT à presidência da república foi a vitoriosa. Tal vitória, porém, está sendo contestada pelos setores reacionários, sob os pretextos mais estapafúrdios e esdrúxulos. Figuras históricas recalcitrantes da direita oposicionista, como o Estadão, não se envergonham de alimentar a histeria golpista e jogar pesado na criação de um ambiente de crise política e institucional.

Aliás, faz tempo que tais setores repetem, à exaustão, que o Brasil vive uma crise econômica, havendo o risco de explosão de uma crise social, como consequência de uma crise ética pelo envolvimento do PT e do governo Dilma em casos de corrupção. A capa de 17 de novembro da revista Época, do grupo Globo, traz o sugestivo título “O Juízo Final no Petrolão – As Provas da Operação Lava Jato que Levaram à Prisão o Homem do PT na Petrobras e Alguns dos Maiores Empreiteiros do País”.

Em termos concretos, o país se confronta com a questão chave da retomada do crescimento econômico, emperrada pela crise internacional que assola as economias desenvolvidas. Confronta-se também com os custos fiscais relacionados com os investimentos no programa de aceleramento do crescimento e na criação de empregos. E está sendo levado a se confrontar com a pressão golpista da direita e sua tentativa de utilizar a Operação Lava Jato como instrumento de destruição do PT, e de derrubada do governo Dilma.

É evidente, como afirmou Dilma, que o processo em andamento contra corruptos e corruptores, terá implicações profundas na vida do país ao dar fim à impunidade. Não será mais possível admitir que funcionários de estatais e de órgãos públicos se aproveitem de seus postos e de suas relações com empresas prestadoras de serviços e de equipamentos para desviar grandes recursos para enriquecimento ilícito e para regar campanhas eleitorais. Nem que permaneça intocado um sistema de financiamento eleitoral que mina as liberdades democráticas, que corrompe o voto dos cidadãos.

Nesse sentido, o esforço da direita em colocar o PT como o bode no centro da sala tem, como objetivo secundário, salvar empresários e políticos corruptos e corruptores afinados com a direita. Aliás, num primeiro momento, a operação da PF foi conduzida exclusivamente no sentido de influir nos resultados eleitorais, através de vazamentos selecionados envolvendo o PT e o governo. Para azar dos operadores policiais, declarações sem provas tiveram pouco efeito eleitoral e, mais ainda, a investigação ganhou a dimensão de uma tsunami que tende a atingir principalmente outros partidos e empresários de alto coturno.

Os delegados da PF e o setor da Justiça Federal que conduzem as investigações viram-se diante de uma situação da qual não podem voltar atrás, a não ser que pretendam desmoralizar-se completamente. Mesmo porque, ao envolverem parlamentares, tais investigações tiveram que ser acompanhadas também pelo STF.

Assim, de uma operação que tendia a ser apenas uma Lava-PT, ela se transformou, pelo próprio ambiente de crise provocado pela direita, numa vasta operação que coloca em xeque não apenas o tráfico de influência e a corrupção em estatais e órgãos públicos e o sistema de financiamento das campanhas eleitorais. Também coloca em xeque o sistema de cartel utilizado pelas grandes empresas nacionais e estrangeiras para dividir o mercado nacional e definir os altos preços administrados que cobram.

Nessas condições, é evidente que após a prisão de corrompidos ex-diretores da Petrobras e de corruptores empresários de grandes empreiteiras, deva chegar a vez de políticos que faziam a ponte entre uns e outros e irrigavam as campanhas de deputados e senadores. Uns, podendo ser presos imediatamente, outros sendo notificados de processo instaurado pelo STF, como manda a lei.

É nesse momento que poderá vir à luz a verdadeira dimensão do envolvimento dos diversos partidos no sistema de financiamento privado da política brasileira. Sistema do qual a direita também faz parte e da qual dificilmente poderá escapar, principalmente se a operação Lava Jato estabelecer relações com as negociatas dos trens paulistas e outras falcatruas anteriores à chegada do PT ao governo. Afinal, todo o Brasil sabe que a corrupção institucionalizada esteve presente em sua história, especialmente nos períodos ditatoriais e nos períodos democráticos neoliberais.

De uma forma ou de outra, criou-se uma situação em que o PT será inevitavelmente atingido porque alguns de seus militantes, dirigentes e parlamentares se convenceram, erroneamente, como disse o ministro Luís Roberto Barroso em entrevista ao O Globo de 16 de novembro, de que “era assim antes de nós, (e) nós jogamos e jogo como era jogado”. O PT, se pretendia reformar o país, jamais poderia ter entrado em tal jogo. Deveria ter continuado a combatê-lo, como aliás sempre foi o sentimento da maior parte de sua militância.

Nessas condições, se o PT quiser enfrentar a tsunami policial e judiciária em curso não pode continuar vacilando e aceitando sem reação capas como a da revista Época. Tem que tornar público seu apoio às investigações e cobrar que elas sejam transparentes, profundas e universais, “doa a quem doer”, como disse Dilma. Deve conclamar os funcionários das empresas corruptoras a virem a público contar o que sabem, para que se possa colaborar efetivamente com a justiça.

Além disso, deve cobrar judicialmente do oligopólio da mídia as acusações sem prova e as tentativas de colocar o partido como o único envolvido. Afinal, é fundamental impedir que as instituições envolvidas se deixem manipular, tanto no processo de investigação quanto no julgamento que virá, pelos mesmos interesses políticos e empresariais que se faz necessário punir exemplarmente.

O PT precisa tornar público que afastará todo e qualquer dirigente, parlamentar ou militante envolvido nas investigações, até que seja comprovada sua inocência. E que expulsará sumariamente todos aqueles cuja participação na corrupção, seja como corrupto, seja como corruptor ou beneficiário, for comprovada. E, como partido no governo, deve ainda tornar público seus esforços para tornar mais rígidos e eficientes os sistemas de controle e investigação sobre tráfico de influência e atos de corrupção em órgãos públicos e empresas estatais.

A direita sabe, com razão, que o PT, apesar de todos os seus problemas, erros e deficiências, foi a estrutura básica do governo Lula, e é a estrutura básica do governo Dilma. Destruído o PT, como várias vezes a direita tem vocalizado sua intenção, estará destruída a possibilidade de um governo de esquerda no país. É uma ilusão supor que Dilma, sem o PT, poderá fazer uma interlocução verdadeira com os trabalhadores e as camadas pobres e médias da população. Portanto, ainda como disse o ministro Barroso, pouco adianta supor que “depois de nós continuou a ser a mesma coisa” e que “o financiamento privado de campanha continuará por trás de todos os escândalos do país”.

O PT tem que voltar a demonstrar a coragem que sempre demonstrou nos momentos difíceis. Sair da inércia em que caiu nos últimos anos, com exceção dos momentos em que sua militância se deu conta dos perigos que o rondavam e se levantou, mesmo sem ser chamada. Chegou o momento do PT pedir desculpas ao povo brasileiro pelos malfeitos de alguns dirigentes e militantes, e cortar na carne para voltar a ser uma das principais referências da esquerda brasileira.

A questão chave para levar o país a enfrentar a crise econômica internacional, manter a expansão dos empregos, continuar a luta para extirpar a miséria e a pobreza, e criar condições para uma reforma política que elimine o financiamento privado nas campanhas eleitorais e amplie a participação popular nas decisões políticas, consiste em retomar o crescimento econômico.

Nas condições atuais, somente o PT tem a força política necessária para fazer autocrítica de seus erros e descaminhos, congregar a maior parte da esquerda em torno de um programa comum de retomada do crescimento econômico, tendo os investimentos e a industrialização como focos principais, e enfrentar o retrocesso desejado pela direita, a serviço do grande capital financeiro e monopolista. Se o PT falhar nessa missão, nosso povo e o Brasil voltarão a levar vários anos para recuperar o tempo perdido com essa derrota. É hora, pois, de consolidar a vitória contra o retrocesso.

* – Wladimir Pomar é analista político e escritor.

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