Desenvolvimento econômico e social

Amir Khair*
1. Cenário externo – O sistema capitalista desde 2008 está sofrendo sua maior crise desde 1929. Essa crise abalou e continua abalando os alicerces econômicos e sociais em todos os países, especialmente os do centro do capitalismo (Estados Unidos e Europa), cujas políticas econômicas se assentaram num sistema financeiro que, pela exacerbação da oferta de crédito, induziu as pessoas a gastarem muito acima dos rendimentos que auferiam. A expressão máxima disso se deu nos Estados Unidos com a eclosão da crise do subprime.

Esse excesso de gastos, sem lastro em ganho real, endividou por longo período a população desses países, que desde então, passou a consumir dentro dos limites de seus ganhos, deixando como rastro a paralisia do mercado interno com vasto contingente de desempregados e com crescimento da tensão social.

Os países emergentes acusaram o golpe pela retração das exportações aos países do centro do capitalismo, sendo mais afetados aqueles cuja exportação tem maior participação na sua produção.
Após o forte impacto na redução do crescimento ocorrida em 2009, os países conseguiram reagir em 2010, via políticas anticíclicas, com predominância na reativação do consumo, como no Brasil, ou em programas de investimentos feitos pelo governo, como no caso da China, ou ainda em injeções de liquidez para salvar o sistema financeiro e desvalorizar a moeda para ativar exportações, como nos Estados Unidos, países da Eurozona e Japão.

Após o suspiro no crescimento econômico de 2010 começaram a se fazer sentir as sequelas da crise de 2008, já no início de 2011, nos países da Eurozona, especialmente na Grécia, Irlanda, Portugal e, mais tarde Espanha e Itália. Esses países sofreram e, ainda sofrem, as fragilidades dos seus sistemas financeiros, cheio de créditos podres, compostos em sua maioria de títulos soberanos. O setor público atolado em dívidas e déficits fiscais elevados, foi obrigado a buscar socorro para tentar pagar os empréstimos.

O “socorro” a esses países veio da troika, formada pela Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu, que como exigência para a concessão de empréstimos, impôs uma severidade fiscal, baseada na demissão e rebaixamento salarial nos servidores públicos, e redução de benefícios ao sistema previdenciário, com elevação da idade mínima para a aposentadoria. Em reação a essas medidas, a população se mobilizou com greves e variadas formas de manifestação. A tensão social foi e é gerada especialmente pelo crescente e elevado nível de desemprego, que atinge especialmente os jovens. Metade deles não consegue emprego após se formarem.

Algumas análises com foco na globalização comercial atribuem outra explicação para a Eurozona não conseguir sair da crise. Além de déficits elevados nas contas públicas os países “socorridos” apresentam déficits em suas contas externas. Em outras palavras, gastam mais do que produzem. Isso ocorreria, segundo essas análises, pela falta de competitividade de suas empresas perante, especialmente o leste asiático, cujos produtos têm preços mais vantajosos por incorporar menos custos de mão de obra e de tributos do que em países da Eurozona.

A precarização da mão de obra e dos direitos sociais estaria na base da competitividade que está deslocando a produção local da Eurozona para o leste asiático.

Além dos impactos econômicos e sociais tem o desgaste político consequente aos governantes, vistos como responsáveis pelo arrocho na economia. A consequência política foi a derrota eleitoral de vários governos que adotaram a cartilha da troika.

O “socorro” da troika, ao invés de ajudar a solvência fiscal, acabou por agravá-la, pois a redução imposta nas despesas públicas foi inferior à perda de arrecadação devida à retração econômica causada por essa política.

Fato é que vai ficando cada vez mais claro que o alívio financeiro proporcionado pela troika é apenas um paliativo que adia uma solução real dos problemas, continuando e crescendo a insatisfação popular de forma generalizada em todo o continente europeu.

Na base das dificuldades na busca de uma solução duradoura está a oposição do governo alemão a qualquer forma de redução das exigências fiscais feitas pela troika e a concessão de maiores recursos aos governos endividados.

No caso dos Estados Unidos, que ainda esboça alguma reação à crise, o fator político pela disputa presidencial tem colocado uma pedra no sapato nas finanças públicas fortemente endividada e com déficits preocupantes. Tentativas do presidente Obama de tentar descarregar parte do ônus fiscal sobre as camadas mais ricas não consegue progredir face à forte resistência do partido republicano, que quer a redução das despesas do Estado, especialmente aquelas que se dirigem às camadas de menor renda.

2. Impacto no Brasil – O principal impacto foi no comércio exterior. Ficou mais difícil exportar devido ao acirramento da concorrência internacional, que passou a ter uma superoferta de produtos face a uma demanda fragilizada nos Estados Unidos e Europa, responsáveis por mais da metade do consumo mundial.

Assim, a crise de 2008 foi enfrentada pelo governo através de políticas voltadas ao fortalecimento do mercado interno via estímulos ao consumo, pela expansão do crédito das instituições oficiais (Banco do Brasil, Caixa e BNDES) e, também, desonerações tributárias ao setor privado para enfrentar a concorrência externa. Em relação ao estímulo ao consumo merece destaque a política adotada de correção do salário mínimo pelo índice de evolução da economia com referência no resultado de dois anos atrás.

Essas medidas conseguiram recuperar a economia que se expandiu 7,5% em 2010, ou seja, apenas parte da perda ocorrida em 2009 de 0,3%, pois no biênio 2009/2010 o crescimento econômico médio anual foi de 3,5%, abaixo da tendência que ocorreu nos cinco anos (2004/2008) que antecederam a crise, de 4,8%.

Essa perda de dinamismo não foi suficiente para fazer o governo continuar políticas de crescimento econômico. Prevaleceu no governo o diagnóstico do mercado financeiro de que o crescimento de 7,5% registrado em 2010 iria causar inflação, devendo o Banco Central elevar a Selic para conter o que consideravam crescimento acima do potencial de crescimento (máximo crescimento para não gerar inflação), estimado em 4% a 5% (?). Assim, o governo elevou a Selic a partir de maio de 2010, passando de 8,75% até 10,75% em dezembro de 2010, com forte pressão do mercado financeiro, que queria nível bem superior.

Outro fato importante ocorreu no mundo a partir de setembro de 2010. Foi a injeção pelo Fed (banco central americano) de US$ 100 bilhões mensais durante seis meses, elevando substancialmente a liquidez americana como mais uma tentativa frustrada para tentar livrar o país dos efeitos da crise. Uma das consequências da expansão dessa liquidez foi a valorização das commodities, para preservar seus valores em dólar. Essa inflação das commodities contaminou os preços em todos os países.
Equivocadamente o governo não identificou essa inflação externa como sendo a causadora da ascensão inflacionária no País. Assim, editou no início de dezembro de 2010 medidas macroprudenciais, que encareceram o crédito para vendas com prazos superiores a 24 meses, o que impôs forte freio ao consumo, repercutindo na produção e no baixo crescimento, que ocorreu em 2011. Além disso continuou a dar um tiro no pé de suas contas ao elevar ainda mais a Selic nas cinco primeiras reuniões do Copom de 2011, passando de 10,75% para 12,50%. Enquanto os bancos centrais no mundo foram reduzindo a taxa básica de juros, o nosso elevou de 8,75% a 12,50%.

O governo só foi acordar para o erro de diagnóstico em setembro de 2011, quando relaxou as medidas macroprudenciais e começou a reduzir a Selic. Era tarde demais. O crescimento em 2011 ficou comprometido em apenas 2,7% (inferior ao americano de 2,8%), arrastando problemas à atividade econômica sentida no primeiro semestre deste ano.

A economia não afundou mais neste ano graças ao salário mínimo que foi reajustado em 14,1% em janeiro devido ao crescimento de 7,5% em 2010. Essa injeção ao consumo não foi suficiente para a retomada do crescimento, mas contribuiu para manter a demanda aquecida e baixo nível de desemprego.

3. Evolução recente – Para não repetir o fraco desempenho econômico de 2011, o governo veio editando pacotes de desoneração a setores específicos, visando reduzir os custos de mão de obra pela substituição da base de cálculo da quota patronal da folha de pagamento para o faturamento com incidência entre 1% e 2% de acordo com os setores envolvidos. Isso irá causar problemas nas contas da previdência social, caso não ocorra a transferência do Tesouro ao INSS para compensar as desonerações.

O governo iniciou a partir de abril campanha, sem precedentes, para a redução das taxas de juros bancárias, ordenando ao Banco do Brasil e Caixa redução de suas taxas, como forma de pressão para que os bancos privados fizessem o mesmo.
Em reação a essa iniciativa o mercado financeiro afirmou que não dava para reduzir os juros, pois a inadimplência estava alta e em ascensão, mas alguma redução nos juros ocorreu nos bancos privados, mas muito aquém do que quer o governo.
Além da pressão pela redução das taxas de juros e, mais recentemente nas tarifas bancárias, o governo vendo que as diversas medidas de estímulo não estavam dando resultado, acabou por aceitar a pressão das grandes empreiteiras para começar um forte programa de privatizações para a infraestrutura. Trata-se de concessões a serem atribuídas a empresas que passariam a gerir rodovias e portos por longo período, com 80% dos investimentos financiados pelo BNDES.

Isso reacendeu a discussão sobre a privatização e o papel do Estado na economia, tema que foi explorado em outros artigos na edição deste mês do Le Monde Diplomatique, no qual é defendida ação incisiva do Estado para readquirir de forma eficaz o comando da economia.

4. Embate de posições – Face ao malogro na obtenção do crescimento, o governo está sofrendo forte pressão na mídia lideradas pelo mercado financeiro naquilo que é o cerne de sua política, que é o crescimento econômico com inclusão social.

Uma posição defende que o governo precisa intensificar os estímulos ao consumo pelo crédito mais barato e desoneração da cesta básica e, ampliar e melhorar os recursos para a área social e aos programas que visem a melhor distribuição da renda. Os programas focalizados como o Bolsa Família, precisam ganhar mais musculatura, pois é pouco representativo nas despesas do governo e em termos de produto interno bruto.

Quanto aos recursos para isso deverão vir principalmente da economia com as despesas com juros pela Selic mais baixa e da maior arrecadação proveniente do crescimento econômico. Esses recursos serão tanto maiores quanto mais baixa for a Selic e menor as taxas de juros bancárias para as pessoas e para as empresas.

Caso o governo continue trilhando esse caminho da inclusão social, expansão das políticas sociais e redução dos juros, terá toda chance de conseguir atenuar o desequilíbrio histórico da péssima distribuição de renda, incorporando parcelas que se encontram afastadas do mercado de trabalho ou que pertencem ao mercado informal no qual direitos da previdência social estão ausentes.

A política de crescimento, apoiada em ativação do consumo e ampliação de despesas com programas sociais, não é do interesse de parcela da elite brasileira, aferrada que está em não permitir a ampliação da ação do Estado, uma vez que não usa os serviços nem recebe os benefícios dos programas governamentais.
Assim, sua posição é de volta ao Estado mínimo e, para isso, a redução das despesas de custeio (que se destinam fundamentalmente ao social) para sobrar mais recursos para investimento, propondo como saída para o crescimento econômico, índices de poupança e investimento da ordem de 25% do PIB.

Dentro dessa linha apoiaram as recentes medidas de privatização na concessão ao setor privado de R$ 133 bilhões destinados à logística nos modais de transporte rodoviário e ferroviário e, aguardam a mesma linha do governo, que já anunciou que continuará ampliando as concessões nos modais de transporte aeroviário e portuário.

Nesse embate começa a renascer a crítica a essas concessões. Ela reside na falta de adequada fiscalização do Estado sobre as empresas concessionárias dos serviços públicos. Não cumprem com a quantidade e qualidade dos serviços, nem executam os investimentos como previstos nos contratos de concessão, e, principalmente, conseguem o que desejam das agências reguladoras sujeitas aos lobbies empresariais.

Ao governo pode interessar essas concessões, pois está reconhecendo sua incapacidade em prover com qualidade e custos razoáveis esses serviços. É isso que precisa ser melhor discutido. Deve-se aceitar essa falha do Estado como insanável, como defendem os privatistas, ou o Estado deve se preparar para desempenhar com competência, eficácia e com efetividade todos os serviços públicos e, caso ainda não consiga desempenhar isso, que ao usar o setor privado para executá-los, que isso seja feito com regras transparentes e fiscalização rigorosa dos contratos de concessão.

O resultado desse embate é fundamental para pavimentar o futuro do desenvolvimento econômico e social. Não basta reconhecer e proclamar os avanços registrados na distribuição de renda, nas regras do salário mínimo, nos programas sociais e nas políticas sociais. É preciso avançar na recuperação do déficit social, alocando mais recursos especialmente nas áreas de educação, saúde e assistência social. No campo das receitas públicas é necessário propor e se empenhar pela aprovação de um novo sistema tributário baseado em distribuição tributária equitativa.

Há que impor forte redução nos ganhos do mercado financeiro pela redução da Selic e taxas de juros e tarifas bancárias, condição necessária para destravar o crescimento e, realocar os recursos que sobrarão da redução da Selic para fortalecer as políticas sociais universais e as focalizadas voltadas para atender a proteção social e a distribuição da renda. Vamos aguardar.

* Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor

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