Carlos Orsi | Do Jornal da Unicamp
Se os aspectos legais e éticos do processo movido contra a presidente afastada Dilma Rousseff ainda inspiram controvérsia, tanto entre o público quanto no meio acadêmico e intelectual, a crise política parece ter produzido pelo menos um consenso: o de que tempos difíceis e perigosos aguardam o governo Michel Temer e, em consequência, o Brasil. Isto é o que se depreende da série de depoimentos colhidos pelo Jornal da Unicamp junto a dez intelectuais de destaque da cena nacional.
Foram ouvidos, ao longo das últimas semanas, Antonio Marcio Buainain, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp; o poeta, tradutor e escritor Augusto de Campos; Cícero Romão de Araújo, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP; Eduardo Fagnani, do IE-Unicamp; Francisco de Oliveira, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e da FFLCH-USP; José Arthur Giannotti, do Cebrap e da FFLCH-USP; Leandro Karnal, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp; Rogério Cezar de Cerqueira Leite, engenheiro, físico e professor emérito da Unicamp; Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade; e Walquíria Leão Rego, do IFCH-Unicamp.
Os depoimentos foram dados num período conturbado, ao longo do qual ocorreram eventos dramáticos como o afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, por decisão unânime do STF, a breve reversão do processo de impeachment por seu sucessor, Waldir Maranhão e, por fim, o afastamento da presidente eleita pelo Senado, no último dia 12. Algumas das falas reproduzidas abaixo refletem o calor dos acontecimentos.
A reportagem perguntou aos entrevistados sua opinião sobre a natureza do processo contra a presidente e suas perspectivas para o futuro do país. Confira, abaixo, as respostas:
Como o sr(a). vê, tanto do ponto de vista legal quanto do impacto institucional, o processo de impeachment conduzido contra a presidente Dilma?
Antonio Marcio Buainain
Minha visão é de que houve transgressão inequívoca da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), por meio das pedaladas, ou créditos suplementares, ou como se queira chamar essas manobras que ferem o espírito e o texto legal. E essa lei é muito importante para a República, porque coloca limites para as ações dos governantes, tem o objetivo de impedir que decisões de gasto sem lastro deixem heranças malditas para os governantes e gerações futuras. Se a LRF tivesse sido observada em todos os níveis, federal, estadual, nos municípios, nas empresas e autarquias, o Brasil não estaria na crise em que se encontra hoje. Portanto, considero que houve crime de responsabilidade: há uma lei, uma lei importante, que foi violada pela Presidência da República.
Argumentar que ela apenas assina decisões técnicas, chanceladas por pareceres do seu staff, significaria aceitar que o presidente não é responsável por nada, uma vez que toda decisão, antes de chegar à mesa presidencial, é precedida de um processo técnico e avaliativo longo e complexo. Mas quem toma a decisão é o chefe do Executivo, e não seus assessores.
Infelizmente, tenho a impressão de que essa percepção da importância da lei da responsabilidade fiscal não é compartilhada pela população em geral, que não tem consciência da importância de se respeitar o orçamento. Nesse quesito, o governo tem uma certa razão ao tentar minimizar o ocorrido, uma vez que, aos olhos da população, o desrespeito desta lei é mesmo pouco relevante. E a verdade é que a própria oposição não se preocupou em mostrar à população a gravidade do crime representado pela violação da LRF, e preferiu construir o caso pelo impedimento em cima da notória incompetência da presidente, e da corrupção que envolve lideranças importantes dos partidos da base aliada, que são fatos graves, mas que, em nosso ordenamento, não suficientes para justificar o impedimento.
E a oposição não se preocupou em esclarecer a população sobre a natureza do crime contra a responsabilidade fiscal porque não é do interesse dos políticos em geral difundir a boa prática de que gastar irresponsavelmente é crime. Vai que pega a moda de respeitar orçamentos e regras! Dá para imaginar um mundo no qual as universidades estaduais tivessem que aceitar a dotação de recursos definida pelas regras da autonomia, e os limites para o pagamento da folha de pagamento?! Eu não consigo!
Então, temos um paradoxo: para o impedimento vale o crime fiscal, um crime que a presidente de fato cometeu, mas para a população ela está sendo impedida por “crimes” que de fato não cometeu, porque ser incompetente e colocar o país na maior crise já vivida não é, em nossa legislação, crime.
Augusto de Campos
Eu expressei várias vezes, desde meados do ano passado, em várias entrevistas e manifestações públicas, a minha convicção de que não há base legal para o impeachment. Acho que é uma armação, onde apenas se dá aparência formal à deposição da presidente legítima. Posso falar com alguma autoridade porque, além de poeta e escritor, com mais de 65 anos de atividade, fui também procurador do Estado durante quase 40 anos, e trabalhava justamente na área de interpretação da Constituição em relação às leis vigentes. Acho que é totalmente inconsistente o pretenso fundamento do impeachment — prática costumeira, de natureza operacional-financeira, utilizada pelos governantes que precederam o atual, e ainda corrente em vários Estados da Federação.
E considero contrária aos princípios do direito e da ética a votação que acolheu a iniciativa do processo, e que envergonhou o país pelas demonstrações de ignorância e primitivismo dos deputados favoráveis ao impedimento, as quais chegaram a incluir o louvor à tortura, ferindo os mais comezinhos princípios dos direitos humanos.
Assim como muitos juristas e intelectuais, considero esse impeachment um golpe indireto, um golpe branco, com as aparências formais de legalidade. Aos 85 anos, depois de ter vivido os tempos execráveis do golpe da ditadura militar, não esperava ter que assistir ao espetáculo deplorável da farsa política com que agora nos defrontamos.
Cícero Romão de Araújo
Eu acho que o que estamos vivendo hoje não é uma simples crise de governo, é uma crise de regime. Não significa que a democracia esteja em questão. Há uma crise de regime porque há sinais claros de que o sistema político, como um todo, está desgastado e sob enorme pressão. Não está conseguindo produzir alternativas que, relegitimando o conjunto, conduzam a uma saída para as várias crises sobrepostas que o país está vivendo, especialmente a relacionada ao desgaste interno do sistema partidário-eleitoral. Agora, o fato de haver uma crise de regime não significa que a democracia esteja em perigo. Há uma polarização enorme, mas as principais forças políticas do país não querem partir para outro jogo, senão os compatíveis com a própria democracia. Por isso não acho o termo “golpe de Estado” adequado para descrever o que está acontecendo.
A rigor, um golpe de Estado visa mudar a natureza do regime, liquidar as liberdades democráticas e instituir um regime autoritário. Isso não está posto. O que não significa que tudo esteja correndo normalmente: ao contrário, é uma situação muito anômala. Um regime democrático pode produzir decisões equivocadas e até muito injustas: “golpes abaixo da cintura”, como se diz (o que é diferente de golpe de Estado), medidas sórdidas – por exemplo, essa sucessão de coisas a que estamos assistindo neste momento.
Acho que a justificativa do pedido de impeachment é frágil, jurídica e politicamente muito frágil: de fato, a debilidade de um governo, sua baixa popularidade, a crise econômica, etc., não justificam, no presidencialismo, um pedido de impeachment. E as razões que foram alegadas no processo iniciado na Câmara dos Deputados – as tais pedaladas fiscais etc. –, parecem antes um pretexto para justificar a derrubada do governo por uma maioria antigovernista ocasional. Não me parece um bom presságio para o que virá a seguir.
Eduardo Fagnani
Do ponto de vista da gestão orçamentária, está provado que não há crime de responsabilidade. Juristas que ignoram a dinâmica do capitalismo estão criminalizando a gestão macroeconômica num contexto de crise estrutural. Como disse recentemente um senador da República, o objetivo não é o impeachment de Dilma Rousseff, mas o “impeachment de Keynes”. Entre 1999 e 2013, o Brasil fez superávit primário – sem despesas financeiras – de cerca de 3% ao ano, em média. Foi um dos poucos países do mundo que fez isso. A dívida líquida em relação ao PIB caiu de 60% para 33%. A crise do capitalismo pós 2007 restringiu as possibilidades da economia doméstica. Um déficit primário de 0,6% a 1,5% do PIB – obtido em 2014 e 2015 – é irrelevante na comparação internacional. Diversos países têm déficits superiores a 7% do PIB desde 2008.
O impacto institucional do golpe será dramático. Uma irresponsabilidade assombrosa do poder econômico nacional e internacional que, mais uma vez, não respeitou o veredicto das urnas. Marionetes desses interesses, políticos da oposição jogam na lata do lixo o interesse nacional em favor de objetivos pragmáticos de curtíssimo prazo. Nossa democracia é extremamente frágil. O último ciclo foi iniciado há menos de 30 anos. A nova fratura da democracia poderá ter efeitos devastadores por muitos anos, interditando o futuro e o processo civilizatório nacional.
Francisco de Oliveira
Trata-se de um golpe de Estado, mas o Brasil é sempre muito inventivo. É um golpe de Estado constitucional, está previsto na Constituição. Não é nada original. Temos por hábito copiar muito os Estados Unidos – [Richard] Nixon renunciou para evitar o impedimento, mas o Brasil é mais realista. No caso de Fernando Collor, por exemplo, ele renunciou, assim como Nixon, para evitar o impedimento, mas o Congresso assim mesmo o destituiu. O que importava era cassar os direitos políticos, o que naquele momento só era possível por meio do impeachment.
Na verdade, Dilma já havia perdido força política, e o PT não saiu em sua defesa no primeiro momento. Não haveria o que evitasse esse desfecho.
José Arthur Giannotti
O processo é, a meu ver, totalmente normal quando há vácuo de poder. Sabemos que a presidente Dilma Rousseff ganhou a eleição, mas não levou. Apresentou-se na reeleição com um projeto de continuidade que negou tão logo propôs o ajuste fiscal, e assim por diante. Deixando de lado os pormenores mais ou menos ridículos do confronto entre o governo e oposição, importa que o processo decisório ficou emperrado, e tudo se dissolve no ar. Até mesmo aquele “projeto de novo capitalismo” que os ideólogos inventaram para dar nome à bagunça causada pelo intervencionismo esdrúxulo da política econômica. O processo político passa pelo impeachment para que se forme um novo grupo governante, seja do lado que for.
O ponto de partida é uma acusação de um crime de responsabilidade ou de algum outro semelhante. Como todo processo criminal, uns acreditam na inocência, outros na culpa da vítima, mas a decisão agora não é tomada pelo juiz, mas pelo Congresso: é o modo de mostrar que o vencedor tem força para iniciar um novo governo. Todos os passos têm seguido os trâmites determinados pelo STF. Aonde está o golpe?
Impressiona, porém, como os atores tendem a transformar as leis e os regimentos em alavancas para abrir espaços que lhes beneficiem. A despeito da ambiguidade de qualquer lei, cada uma exige uma zona de definição que precisa ser compartilhada para que o processo jurídico-político funcione. As zonas cinzentas não transformam tudo numa diarreia generalizada. Mas se cada ator pode intervir no processo, sem levar em conta sua articulação no sistema, instala-se a mais pura anomia. O que fez o impávido Waldir Maranhão? Este país nem sempre foi considerado sério. Não corremos, porém, o risco de virar um país de palhaços?
Leandro Karnal
Os termos, em política, envolvem sempre um jogo de forças e poder. Os dois lados que estão se enfrentando têm projetos políticos distintos, mas têm em comum o fato de que podem travestir de justiça, constitucionalismo, fidelidade às leis, distribuição de renda – mas o que está em jogo é poder. E toda política é orientada em nome de um jogo de poder, um poder que se tenta de todas as formas, a todo instante. Então, utilizar a expressão “impeachment por pedalada fiscal” ou utilizar a expressão “golpe” são argumentos retóricos dos dois lados, para justificarem só e unicamente o que desejam, que é a questão do poder. Poder é o grande objetivo da política. Se para isso é preciso fazer acusações de golpista ou de pedófilo, isso é secundário. A verdadeira grande questão diz respeito ao poder.
Rogério Cezar de Cerqueira Leite
Discordo do processo de impedimento da presidente. Inicialmente, porque é institucionalmente ilegítimo, pois as assim chamadas “pedaladas” eram uma prática tradicional, realizada não somente pelos governos anteriores como também pelo próprio vice-presidente Michel Temer, que no caso do impedimento, será o próximo presidente da República. Não há nada mais obscenamente estapafúrdio do que você tirar da Presidência uma pessoa reconhecidamente honesta e passar para as mãos de outra que efetuou as mesmas transgressões e que, além do mais, é indiciada em muitos outros processos.
Simon Schwartzman
Eu acho que o processo de impeachment é completamente normal e legal. Foi feito de acordo com o que está previsto na Constituição. E o crime de responsabilidade está configurado, de acordo com o entendimento da Câmara dos Deputados, que tem a autoridade para definir isso. As alegações de golpe são completamente infundadas – é um argumento de retórica, que não tem nada a ver com a realidade. É um processo perfeitamente legal, sancionado pelo Supremo Tribunal Federal, votado pelos deputados, sem problema nenhum.
Walquíria Leão Rego
Não sou jurista, mas leio os juristas, dialogo bem com eles, leio sempre que posso suas análises e a maioria esmagadora considera ilegal o impeachment da presidente Dilma. Além do que, conheço muitos professores de Direito, de várias partes do país. Então, digamos, não sou a pessoa adequada para falar do ponto de vista estritamente jurídico. Falo apenas como cidadã de uma democracia constitucional. Sabe-se que o impeachment é, fundamentalmente, um processo político, mas que exige sólida fundamentação jurídica. Não está disponível apenas para satisfazer apetites de poder de certos setores políticos. Afinal, constitui uma figura do Estado de Direito, que por definição é um estado organizado por normas jurídicas.
Em nosso caso presente não só é ilegal, por tudo que já li, como pelas provas que foram apresentadas a favor da inocência da presidenta: ela não cometeu crime de responsabilidade. Além do quê, créditos suplementares como causa de impedimento de uma presidenta eleita legitimamente seria um casuísmo absurdo, pois semelhante prática administrativa foi feita por governos anteriores e nunca suscitou esse tipo de dúvida, esse tipo de problema. O argumento a que os golpistas têm recorrido denota um cinismo, uma desfaçatez inacreditável. Tentam sofismar grosseiramente. Ah, mas o instituto do impeachment está previsto na Constituição. Bom, também está previsto na Constituição que o Brasil pode declarar guerra. Está previsto na Constituição que o governo pode declarar estado de sítio. O cinismo está em ocultar, do argumento, as condições em que tais preceitos podem ser acionados. Não se sai declarando guerra e estado de sítio a torto e a direito.
A questão dos créditos suplementares foi o pífio pretexto que arrumaram. Levaram a cabo, desde as eleições, uma politica de enfraquecimento do governo, obstruindo na Câmara sistematicamente, através das tais pautas-bombas, qualquer medida governativa. Em síntese, não deixaram a presidenta governar. A isto tudo se soma a aliança perversa com a mídia, com os grandes meios de comunicação, e uma parte significativa da Polícia Federal e do Judiciário. É um golpe muito articulado, se apossaram de todos os recursos de poder. Não tenho a menor dúvida de que há um golpe, pois não há crime de responsabilidade. A presidenta não o cometeu e eles sabem disso.
O que querem de verdade é interromper o projeto de um governo popular, assim como fizeram com Getúlio Vargas em 1954, e em 1964 com o presidente João Goulart. É disto que se trata. Aliás, praticamente são as mesmas forças políticas que protagonizam o golpe de agora. Sequer escondem que se apossam da mesma linguagem lacerdista de vestal da moralidade publica: mar de lama invade o país. Caos governativo, etc e tal.
Do ponto de vista conceitual, pode-se dizer que já estamos mergulhados em casuísmos jurídicos e arbítrio desenfreado, portanto estamos vivendo em Estado de Exceção. Destruiu-se nosso Estado de Direito. Basta ver o arbítrio realizado com essas prisões, as delações premiadas que vazam seletivamente para a mídia, as conduções coercitivas, a humilhação pública dos simplesmente citados pelos delatores. Como não conseguiram derrotar o projeto popular pelo voto, demonstram sua fúria destrutiva recorrendo a vários instrumentos de arbítrio, visando a destruição de certas forças políticas. Para tanto, não hesitam em manipular informações, aterrorizar a população através de um massacre midiático se utilizando de técnicas manipulatórias nazistas. Perderam qualquer pudor na sanha ensandecida de eliminar da cena pública seus adversários políticos. Ou seja, não visam apenas derrotar o projeto, mas sim destruí-lo completamente.
Foi isso que fizeram em 1964, com a ajuda dos militares que, no contexto da Guerra Fria, eram seu mais eficiente instrumento de Estado. Utilizaram-no e, agora, utilizam-se de instrumentos como a PF, e uma parte do Ministério Público. Neste arco de aliança, destaca-se tragicamente a grande imprensa, que com as honrosas exceções se constituiu no ator fundamental deste atentado à democracia.
Se você prestar atenção, basta acompanhar as falas dos comentaristas, os noticiários por rádio e televisão, o massacre mental começa às 5h da manhã e vai o dia inteiro. Seu cardápio se compõe de injúrias e calúnias a certo partido e a certas figuras. Como faziam os nazistas, que se referiam à esquerda se utilizando fartamente da acusação sem provas, repetindo dia e noite palavras como ladrões, bandidos, corruptos. A literatura sobre isto é farta e está presente em nossas bibliotecas.
Outro ângulo importante de ser destacado nesta história é a demonstração cabal do desrespeito absoluto ao voto popular, à soberania popular. Que estão dizendo ao povo? Seu voto não vale nada. Qualquer maioria congressual, formada pelos métodos mais ilegais e imorais, qualquer grupo de empresários de grande poder, pressiona, e nós derrubamos o presidente que você elegeu. Estão desmoralizando o voto. E, assim sendo, demonstrando, mais uma vez, sua prepotência de donos do país e dos sentimentos públicos.
É bom lembrar que no dia seguinte à eleição já começaram a pedir recontagem dos votos, anulação das eleições, e, no ponto culminante da desfaçatez, que se diplomasse o candidato derrotado e não o vencedor. Então, desde o início, deram provas eloquentes de que não aceitavam os resultados eleitorais. Romper com as regras básicas do jogo democrático só tem um nome: golpe. A grande mídia envenenou de tal modo a classe média – que por sua própria posição social, tende a ter horror do povo. Sua tendência principal é olhar para cima da escala social. Os exemplos destas construções midiáticas são inúmeros. Basta examinar um pouco como são feitas as fotografias e os textos que falam da presidenta e de figuras como o ex-presidente Lula. Um fotógrafo estrangeiro observou isto e ficou escandalizado.
Tudo somado, temos diante de nós uma configuração complexa. Os analistas terão que relacionar cada elemento dela para fazer uma boa análise sociológica. Não é simples, não.
Se consumado o impeachment, quais suas perspectivas para o futuro?
Antonio Marcio Buainain
Vejo o futuro de maneira muito pessimista. Acredito que a verdadeira dimensão da crise ainda não veio à tona. O iceberg ainda não mostrou todo o seu volume, apenas uma ponta robusta: 11 milhões de desempregados, empresas fechando, Estados incapazes de pagar seus funcionários, desânimo…
A crise é maior do que se pensa. E, do mesmo modo que a oposição que defende o impedimento não se interessou em revelar a natureza do crime de responsabilidade fiscal, também não se preocupou em construir uma base política sólida para implementar as políticas que serão necessárias para tirar o Brasil da crise.
A base do vice-presidente Michel Temer é uma geleia mole e disforme, que não dá condições de se fazer as reformas necessárias, e nem para apenas mitigar os efeitos da crise. Unir forças contra a presidente Dilma tem sido uma tarefa fácil, tamanha a inabilidade política e a incompetência dela como executiva. Quero saber se será suficiente para manter a união pelas reformas. Porque já se vê, dentro da base, gente falando que não vai aceitar mudanças na lei trabalhista, na Previdência. A base já revela sua fragilidade. Isso fica evidente, por exemplo, no recuo da boa intenção de cortar ministérios. Talvez se possa dizer, com ironia, que o vice-presidente acabará tendo de aumentar os ministérios, para atender a todos.
Acredito que o impedimento da presidente é necessário, porque um crime grave, cujo resultado é a situação atual, foi cometido. O processo é legal. Mas não haver a construção de uma base programática é problemático. Dentro da base, cada um tem uma receita para o país. Não há um time escalado, não há um plano claro – cada ator entra em campo pensando em fazer seu jogo particular, o que é receita para um novo 7 a 1. Contra o país.
Augusto de Campos
Não sei o que pode acontecer. Precisaria ter bola de cristal. Mas eu vejo tudo com muita apreensão, porque está claro que assoma o poder o mesmo grupo que sempre esteve associado às faixas mais conservadoras e reacionárias da nossa sociedade. De certa forma deu-se, voluntária ou involuntariamente, uma espécie de conspiração, que envolveu todas as áreas institucionais. E a grande mídia teve muita responsabilidade nisso. Sou inteiramente favorável a que se penalizem malversadores dos dinheiros públicos, que se obtenham restituições e reparações de danos daqueles que se comportaram desonestamente. Mas o que ocorreu nos últimos tempos ultrapassou toda a medida. Houve uma inversão de valores jurídicos e éticos relevantes.
Citem-se a complacência e a heroicização de delatores intimidados, a imprensa a divulgar antieticamente matérias que ainda estavam sub judice, acarretando inversão de princípios básicos do direito como a presunção de inocência, de sorte a inculpar o denunciado antes de julgado. Acho que houve muito direcionamento também da Justiça. Procedimentos seletivos, em relação a pessoas, partidos e momentos políticos, com apressamento de alguns casos e retardamento de outros.
Apesar de louvar a punição dos empresários que superfaturaram produtos e receberam lucros ilegítimos, assim como a dos políticos que se deixaram seduzir por eles, é evidente que isso também não foi invenção do último partido que estava no poder, por isso mesmo mais vulnerável a corrupção, mas sempre foi uma prática, infelizmente, costumeira da política brasileira.
Se fizermos uma análise retrospectiva, vamos encontrar os mesmos defeitos e a mesma contaminação entre empresas e políticos de toda sorte e de todos os partidos em todos os governos anteriores. Louve-se o Judiciário por seu combate à corrupção. Mas que se condenem os seus excessos, quando desrespeita os direitos humanos, ameaçando impelir o nosso país para um regime policialesco e inquisitorial incompatível com os valores democráticos.
O que ocorreu foi na verdade uma grande manobra política, iniciada feroz e implacavelmente pela oposição derrotada e inconformada, com o objetivo de destituir a presidente vitoriosa. Mas, para o escárnio da história, os oposicionistas chegam ao poder como meros coadjuvantes, apêndice subalterno da mediania majoritária de sempre.
A meu ver, o arremedo de impeachment perpetrado coloca o Brasil num declive de retrocesso no concerto das nações latino-americanas, onde até aqui tinha reconquistado posição proeminente, não só pelo seu poder econômico e sua grandeza territorial e populacional, mas pela suposta consolidação de sua democracia.
Cícero Romão de Araújo
Não vejo razões para otimismo. O governo que deve começar em breve carrega os mesmos problemas estruturais que o anterior, isto é, os problemas que levaram ao tremendo desgaste da presidência de Dilma Rousseff. Em boa parte, a conjunção de forças que se formou contra o governo saiu de dentro dele mesmo, e vai continuar aí, mesmo depois do afastamento da presidente. Não podemos esquecer que, além da crise econômica, uma medida enorme da debilitação de seu governo tem a ver com a Operação Lava Jato, na qual o PMDB está implicado até o pescoço.
Quanto à crise econômica, não vejo uma saída de curto prazo. É provável que a sociedade brasileira ainda venha a estar sofrendo suas consequências em 2018. Ocorre que o grupo político que foi desalojado agora e sua base social – que, mesmo diminuída, não é pequena – continuam mais ou menos articulados e não sairão repentinamente de cena. Mais do que isso: muito feridos e indignados pelo modo como foram defenestrados. Receio que continuaremos a viver uma polarização semelhante à que estamos vivendo desde as eleições de 2014. E se até lá não tivermos conseguido virar essa página, será a confirmação de que os impasses atuais foram mal encaminhados.
E por que acho que estão, de fato, sendo mal encaminhados? Porque se tenta resolver a crise pela pura e simples “purgação”, ou melhor até, pela produção de um bode expiatório. Algo como: “existe aí um bando de malfeitores e tudo que temos de fazer é puni-los, após o que tudo volta ao normal”. Isso não é verdade: todo o sistema político está contaminado pelos problemas que levaram a esses processos judiciais, que a opinião pública acompanha desde 2005, com a crise do mensalão. Se a corrupção eleitoral, que envolve uma vasta promiscuidade entre o aparato do Estado e o poder econômico, atinge todo o sistema partidário, a purgação pura e simples não a resolverá.
Em vez de dizer que os malfeitos são um “desvio” do sistema, resultado da malícia de alguns, seria mais correto dizer que, na verdade, são produzidos pelo próprio sistema. Logo, é preciso reformá-lo profundamente, assunto que, aliás, meio que sumiu da pauta. O bode expiatório pode até causar uma satisfação psicológica momentânea, mas é uma falsa solução. Pior: é injusta, só vai gerar ressentimento. Mesmo que, hoje, seja o ressentimento de uma minoria, é de uma minoria muito considerável e, vale dizer, circunstancialmente minoritária –assim como a maioria antigovernista é circunstancialmente majoritária. Tudo isso recomenda ficar com as barbas de molho.
Eduardo Fagnani
Uma profunda crise institucional e política. Um governo sem votos, composto por políticos suspeitos de corrupção, não terá legitimidade popular. Nos últimos 60 anos, a sociedade brasileira mudou para melhor, mas as elites ainda adotam práticas dos anos de 1950 e 1960. São incapazes de conviver com o Estado Democrático. Como escrevi recentemente, a democracia e a cidadania social são corpos estranhos ao capitalismo brasileiro.
A ascensão ilegítima ao poder poderá trazer tensões de grande monta. É falsa a visão de que após o impeachment haverá uma trégua, pois pressupõe que a sociedade brasileira no século 21 é a mesma de meados do século passado – veja o movimento dos estudantes secundaristas, para dar um único exemplo. A governabilidade do país poderá depender de um Estado policial ainda mais severo que o utilizado em 1964.
Nesse cenário, é questionável a visão de que a “confiança” dos empresários na economia será restabelecida. Por outro lado, a agenda liberal será levada ao limite – como explicitado no chamado Plano Temer. A gestão macroeconômica será ainda mais ortodoxa e o ajuste fiscal, mais severo. No campo social, a estratégia macroeconômica somente terá viabilidade com a radical supressão de direitos sociais e trabalhistas – também explicitado no Plano Temer. Querem acabar com a cidadania social assegurada pela Constituição de 1988. O movimento social vai assistir passivamente ao retrocesso da cidadania social para o século 19?
Francisco de Oliveira
Espero uma virada conservadora. Sua consequência imediata é evitar que Lula seja candidato em 2018. Lula é o alvo. Como ele não está na Presidência, tudo se assanhou quando Dilma o convidou para ser ministro da Casa Civil. A baderna foi tão grande que ele nem tomou posse. Na verdade, todos os movimentos são contra o Lula e o PT. Como ele não assumiu, a coisa voltou-se contra a Dilma. O objetivo, óbvio, é evitar que o PT volte ao poder. Assim, Lula perde sua força política, talvez para sempre.
Nas condições que havia, caso decidisse concorrer em 2018, Lula seria imbatível. O tucanato não tem nenhum nome capaz de derrotá-lo. José Serra tentou uma vez e foi desmoralizado. Aécio Neves é muito fraco – perdeu em Minas e não comove o resto do Brasil. De neto do Tancredo Neves, o Aécio não tem nada. O Tancredo jamais entraria numa fria dessa.
Portanto, o alvo, repito, é Lula. Eles fizeram – e farão – de tudo para desgastá-lo completamente. Lula não tem muito a fazer, a não ser que dê uma de revolucionário, coisa que ele não é e nunca foi, ou seja, dificilmente será candidato em 2018. As classes dominantes não querem nem pensar em Lula de volta ao governo federal. Este é o recado.
No campo da agenda conservadora, não creio que, em curto prazo, Michel Temer retire os direitos sociais. Seria muito visível, escandaloso e politicamente desgastante. Esses direitos serão retirados, mas aos poucos.
José Arthur Giannotti
As perspectivas são, por enquanto, as piores possíveis. Porque o processo de impeachment deve criar uma maioria, em princípio essa maioria poderia dirigir o país, mas por enquanto não estamos vendo isso acontecer no Brasil. Temer, até agora, não tem conseguido empunhar uma série de ideias capazes de reformular o país profundamente, num momento de uma crise histórica que é absolutamente avassaladora.
Leandro Karnal
Há uma tendência muito forte e natural, do interesse jornalístico, de saber dos historiadores o futuro. Infelizmente, a minha área se especializou no estudo do passado. Então, o que acontece no que a gente chama de plano cíclico da política é que o afastamento provável da atual chefe do Executivo e a ascensão, provável, do vice-presidente, aliás eleito com ela, na mesma chapa, é a separação entre presidente e vice, como aconteceu com o vice-presidente Café Filho, quando Getúlio Vargas entrou na grande crise de 1954, em função de corrupção e outras questões, ou a questão do vice-presidente Itamar Franco, quando Collor sofreu seus problemas: o vice-presidente, nessa etapa, se afasta do poder, como se não tivesse sido eleito junto com esse poder. E esse vice-presidente se torna quase um inimigo político, porque de fato ele quer poder e a presidente Dilma quer poder, lembrando que ambos foram eleitos – os 54 milhões de votos foram dados aos dois.
Então, é absolutamente previsível que um governo Temer vá representar uma certa aproximação com as bases no Congresso, que estão desgastadas, bastante desgastadas, na gestão Dilma, e ele terá um período em que haverá maior tranquilidade com o Congresso. O PT provavelmente será afastado do Poder Executivo e aguardará um aumento dos problemas para voltar, nessa alternância que vem desde o século 19 – a gente fala, nada mais parecido com um conservador do que um liberal no poder.
Então, no século 19, durante o Império, quando havia “luzias” e “saquaremas”, ou seja, liberais e conservadores, um partido subia ao poder, fazendo uma crítica enorme ao outro, e ao descer do poder passava o programa da oposição para o outro. Essa era a tradição política.
Esse caráter cíclico significou que há governos mais privatizantes, com menos ênfase em programas sociais, e isso pode eventualmente favorecer o mercado, e há governos com maior ênfase na distribuição de renda, ainda que também favoreçam o mercado, lembrando que, no governo Lula, tivemos os lucros históricos mais notáveis dos bancos brasileiros.
Não estamos falando de esquerda e de direita. Não estamos falando de polarização ideológica. Porque o mercado, na verdade, está tranquilo, tanto num governo do PSDB quanto num governo do PT. Lembrando que houve uma aproximação intensa das empresas capitalistas, liberais, como as empreiteiras, do governo. Logo, não são dois projetos como eram, por exemplo, Salvador Allende e as forças militares do Chile. Não se constituem em dois projetos distintos, mas nesse caso se constituem em duas facções de poder muito parecidas.
E, depois de um tempo no poder no Terceiro Mundo, como aconteceu no governo FHC, de oito anos, como acontece no atual governo do PT, que se sucede há duas gestões de Lula e uma gestão e meia da presidente Dilma, o desgaste é muito grande. O PT volta à oposição, aguarda, o PSDB, o PMDB e as outras forças que estão subindo ao poder chegam, se desgastam daqui a pouco, e o PT provavelmente reaparece, com as bandeiras da justiça social, da distribuição de renda. Esse é um jogo de distribuição de poder.
O que é novidade é que, em alguns momentos, a população fica participante da política, fora do plano eleitoral e fora do plano partidário. Manifestações frequentes, como agora, de rua, ocupações e outras manifestações podem indicar que estamos diante de uma atomização, irradiação ou capilarização da política, algo pouco comum no Brasil. A política brasileira funcionava como Copa do Mundo, na qual quadrienalmente havia uma certa participação. Ela agora se transformou numa capilarização muito maior, o que pode ser positivo ou pode ser negativo: porque multidões na rua podem anunciar transformações estruturais, mas também podem saudar o novo führer do fascismo.
As multidões não são sinônimo de boa escolha política. O primeiro plebiscito da história, quando Pilatos pergunta ao povo se quer o ladrão ou Jesus, o povo democraticamente grita “Barrabás, Barrabás”. O grito da multidão não é sinônimo do poder do povo. E nem da justiça, e nem da ética. Porém, a política está capilarizada, e isso é muito mais importante, talvez, do que qual facção do poder esteja disputando. Não acho, insisto, que haja uma diferença brutal entre PT, PMDB e PSDB. Não está no poder, nem de longe, nenhum partido identificado com massas, com bases ou com reformas revolucionárias. São facções, geralmente conservadoras, de propostas de poder. Não estamos discutindo o poder do PSOL contra o DEM, onde talvez houvesse uma diferença ideológica. Estamos discutindo facções de poder.
Rogério Cezar de Cerqueira Leite
O colegiado que a julgou era manipulado à distância pelo presidente da Câmara, reconhecidamente malfeitor, e continha grande número de indiciados pela Polícia Federal. Não há como ter expectativas de um novo governo que nasce de imposições de forças neoliberais, com nenhuma conexão com interesses nacionais.
Simon Schwartzman
Eu acho será uma época difícil, saindo de um período muito complicado, com o país arruinado, as instituições muito abaladas, então acho que teremos um período muito incerto pela frente. Teremos eleições daqui a dois anos, mas a questão agora é ver se o governo Temer que vai se instalar vai conseguir, minimamente, tirar o país da situação dramática de crise e administrar até as eleições.
Walquíria Leão Rego
Se o impeachment se consumar, será o maior, ou um dos maiores golpes já realizados contra a democracia brasileira. Volto a insistir: significa dizer aos eleitores: seu voto não vale nada! Nós, os verdadeiros detentores dos principais recursos de poder, podemos, quando nos for conveniente, destruir seu voto, vamos construir maiorias congressuais dos modos mais ilegítimos. Para tanto, nos utilizaremos dos Cunhas, de vários indiciados e tudo bem. Nossa moralidade é seletiva, como a de grande parte da classe média. A teoria democrática sempre advertiu sobre o perigo de se fabricar maiorias ocasionais: elas podem até ser compradas, e por muito dinheiro.
Infelizmente, nossos destino e tragédia são que a história do Brasil é uma história de pouco amor à democracia. Não fomos capazes de desenvolver entre nós uma cultura pública democrática. Em 1954, o professor Florestan Fernandes escreveu um penetrante artigo em que diz isso: as elites brasileiras não permitem, não aceitam, que o povo tenha melhorias e que o povo participe da política. Consideram e agem o tempo todo para afirmar, de várias maneiras, que a política constitui mais um de seus privilégios.
Para reforçar esta forma de exercício do poder, esta elite sempre conseguiu um rol de jornalistas que, sem nenhum pudor, renuncia aos princípios básicos do jornalismo para se transformar em verdadeiros jagunços. Muitos deles monopolizam o direito de voz, falam, escrevem e opinam em vários órgãos de difusão, estão nas televisões, nos principais jornais, são âncoras dos principais noticiários. O caso brasileiro, neste sentido, já é matéria de seminários internacionais, passou a ser considerado um caso de estudo por especialistas internacionais das relações entre mídia e política.
Acho que o futuro será muito, mas muito ruim se se consumar o golpe. Porque, independentemente de se estar de acordo ou não com o governo, o direito de crítica e de oposição é uma coisa, mas a oposição precisa ter qualidade democrática, e esta, que está rompendo com o Estado de Direito, mostra seu desprezo pelas regras democráticas fundamentais, sobretudo pelo princípio da soberania popular. Por isto, é golpista.
Acho que o futuro será a confirmação deste desapreço, afirmando mais uma vez seu desprezo aos resultados das urnas. Usurpa o poder sem nenhum disfarce. Impressiona qualquer um que tenha um pouco de leitura de história. Mostram, a quem quiser ver, seu descompromisso com a democracia e com a nação. Penso que mais uma vez estão abrindo uma ferida no país que não se sabe como vai evoluir. Não dá para saber. Mas o recado foi dado: não respeitamos a isonomia das urnas, o voto popular não vale nada. Mudarão o sistema eleitoral para o modo menos participativo possível.
Sabem muito bem, como a literatura mostra abundantemente, que o verdadeiro combate à corrupção é feito com participação intensa dos cidadãos na invenção e reinvenção de instituições de controle eficazes de todos os poderes da República. Sem participação ativa da cidadania e com corporações de Estado imersas na cultura do privilégio, e que não respondem a ninguém, falar em combate à corrupção é um embuste. Um Estado Penal é o que querem.
Onde isto resolveu o antigo drama das repúblicas, que é a corrupção? Às paixões destrutivas dos homens, a única resposta reside na formação de uma rede de controles democráticos. Nenhum poder sem controle. A propósito, qual foi o saldo, para a Itália, da operação Mãos Limpas? Foram presas certas pessoas, a classe média vibrou por certo tempo com certos juízes, que já desapareceram da cena pública, pois as operações penais, por si sós, não têm o poder de alcançar as raízes sistêmicas do problema. Destruiu-se o sistema partidário existente desde o pós-guerra, bem como o amor que os italianos dedicavam à política e a às atividades coletivas, e a corrupção prossegue, agora, sem nenhuma máscara. Instalou-se certa apatia e indiferença política na maioria da população. E a figura que emerge deste processo, com muito poder, foi nada menos que Silvio Berlusconi, que era e é a encarnação mais acabada da corrupção e do enriquecimento ilícito. Foi o Cunha dos italianos.