André Biancarelli* e Pedro Rossi**
Na prática e na retórica, as primeiras semanas do segundo mandato de Dilma Rousseff vêm apresentando uma guinada na economia. A narrativa sobre um fracasso do “experimento desenvolvimentista”, da “nova matriz macroeconômica” e do “excesso de intervencionismo” foi assumida pelas vozes oficiais, a justificar o caminho ortodoxo adotado.
Na nossa opinião, contudo, a gestão macro nos últimos anos foi guiada por uma agenda “industrialista” e por uma política fiscal equivocada, que comprometeu as contas públicas e o crescimento econômico. Se o industrialismo atrapalhou o projeto de desenvolvimento social, o financismo tem potencial para liquidá-lo.
Erros de percurso e o industrialismo
O primeiro ano do mandato de Dilma Rousseff foi marcado por um forte ajuste fiscal e por outras medidas contracionistas. Em 2011, o investimento público teve queda real de 12% e o investimento das estatais, de 8,6%. Essa contração ocorreu em um cenário de desaceleração da economia mundial e do ciclo doméstico de consumo e crédito. Ou seja, o governo adotou uma política fiscal pró-cíclica – logo anti-keynesiana –, que contribuiu para a recessão.
Em meados de 2012, decidiu-se rever a política de austeridade, mas o percurso escolhido revelou-se equivocado. Os passos posteriores da política macro (entre os quais se enquadram a queda nos preços de energia, a desvalorização cambial e também a queda na Selic) foram todos justificados pela “agenda da competitividade” e priorizaram ações pelo lado da oferta da economia. O símbolo máximo da aposta “industrialista” se deu com as desonerações tributárias para o setor industrial, implementadas sem contrapartidas formais em termos de produção, exportações ou investimentos.
Tal aposta não deu certo. As desonerações podem ter funcionado para recompor a rentabilidade de alguns setores industriais, mas não geraram crescimento e deixaram um rastro de custos fiscais. Como se esse erro não bastasse, em vez de assumir superávits fiscais menores, optou-se pelas manobras contábeis ou “contabilidade criativa”. O ruído causado agravou a capacidade de comunicação de uma equipe que não soube lidar com o pessimismo que tomou conta do país, particularmente depois dos protestos de junho de 2013 e da antecipação do calendário eleitoral.
Muito mais do que “excesso de intervencionismo”, o que fracassou foi o industrialismo e a aposta nas políticas de oferta e de desonerações, já que a redução de custos de produção não alavancou o investimento privado. Na lógica do empresariado, em um ambiente onde todos os componentes da demanda apresentam desaceleração, é melhor recompor margem e não investir.
O caminho ortodoxo-financista
Que era preciso uma correção de rota, não parece haver dúvidas. Mas o caminho escolhido impõe sérios riscos a toda uma agenda de desenvolvimento com inclusão social.
No “novo” discurso liberal, parte-se da percepção equivocada de que o baixo crescimento é decorrente do intervencionismo do Estado; da seguridade social, das leis trabalhistas, dos aumentos de salários, os bancos públicos, etc. Desenvolvimento, na visão liberal, é um conceito esvaziado, entregue a um pretenso caráter natural do sistema capitalista, cuja operação, livre de interferências do Estado, levaria a uma alocação de recursos eficiente. Portanto, diferentemente do industrialismo, o financismo não se preocupa com a indústria, tampouco com a estrutura produtiva que deve ficar sujeita à espontaneidade das forças de mercado.
No campo macroeconômico, o caminho financista é guiado pelos limites à discricionariedade do Estado e pela busca exclusiva do equilíbrio fiscal e da estabilidade de preços. Essa concepção ignora a importância do investimento público e da política anticíclica para amenizar as flutuações da renda e emprego.
A aposta de Levy no ajuste fiscal em um ambiente recessivo repete o erro de 2011. A ideia de que a reorientação fiscal irá reequilibrar a economia e criar as condições para o crescimento é resquício de uma ideologia cada vez mais questionada, ancorada nas expectativas racionais. No setor produtivo, ninguém investe porque o governo fez um ajuste fiscal, mas investe quando há expectativa de demanda. Em momentos de baixo crescimento, o ajuste fiscal reforça a queda da demanda e desestimula o investimento. É o que os europeus, com conhecimento de causa, chamam de “austericídio”.
Diante disso, torceremos por uma melhora improvável do cenário externo que, a exemplo do primeiro mandato de Lula, consiga sobrepor os efeitos da austeridade. Se isso não acontecer, resta saber se essa gestão liberal sobreviverá às pressões dos movimentos sociais e das próprias representações industriais. Já os representantes do sistema financeiro sim, parecem satisfeitos, mas sempre prontos a exigir maiores doses de sacrifício.
Por fim, esperamos que um dia entre em cena o “trabalhismo” ou uma agenda social-desenvolvimentista que, a despeito do discurso construído, nunca passou pelo Ministério da Fazenda. Nessa agenda, o desenvolvimento está pressu¬posto como uma intenção política, e não como uma espontaneidade advinda dos automatismos do mercado, cuja livre operação é concentradora de renda e riqueza. E a política macro deve buscar manter baixos níveis de desemprego, fazer uso anticíclico dos instrumentos macro, apontar projetos de infraestrutura que sinalizem crescimento e redução de custos, além de valorizar o investimento como instrumento de expansão dos bens públicos para atender as demandas por mais direitos sociais.
* – André Biancarelli é Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon/Unicamp)
** – Pedro Rossi é Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon/Unicamp)