Eduardo Fagnani* | Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo
O fator previdenciário é uma das graves injustiças sociais introduzidas pela reforma previdenciária realizada no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (Emenda constitucional n. 20, de 1998). Seu objetivo era restringir as regras de acesso e, ao mesmo tempo, transferir os fundos públicos para a gestão privada pela imposição de um teto de benefício extremamente baixo (R$ 3900,00), que impulsionou a adesão dos trabalhadores para a Previdência Complementar.
A proposta do governo era de que, para se aposentar, a pessoa deveria ter 65 anos de idade e 35 anos de contribuição. O Congresso modificou o projeto e criou duas modalidades: a) “Aposentadoria por idade” de 65/60 anos (homem/ mulher) mais 15 anos de contribuição; e b) “Aposentadoria por tempo de contribuição” (35 anos).
Como reação à decisão do Congresso, neste caso, em 1999, o governo criou o chamado fator previdenciário, que penaliza os trabalhadores que contribuíram durante 35 anos, mas não atingiram a idade de 65 anos.
O objetivo era postergar a concessão do direito à aposentadoria integral. O trabalhador que contribuiu durante 35 anos, mas não possui 65 anos de idade e, mesmo assim, quiser se aposentar, passou a ser penalizado por uma perda expressiva no valor do benefício. Isso é injusto porque, em geral, a população de baixa renda começa a trabalhar mais cedo, por volta dos 15 anos de idade.
É preciso alertar que nas duas modalidades de aposentadoria, as regras introduzidas em 1998 são mais exigentes que aquelas que são praticadas em países desenvolvidos. Alemanha, Bélgica, França e Canadá, por exemplo, exigem idade mínima de 60 anos. Em geral, o tempo de contribuição que vigora nesses países gira em torno de 10-15 anos. O Brasil se equipara à Bélgica (35 anos) e perde somente para o Reino Unido (44 anos).
Com as reformas introduzidas em 1998, paradoxalmente, o Brasil passou a ser o campeão mundial no quesito severidade das regras de acesso. Não há como comparar as realidades socioeconômicas e demográficas de países desenvolvidos com países de capitalismo tardio.
Quem vai pagar a conta? O Orçamento da Seguridade Social (art.195 da Constituição da República), que sempre foi superavitário (mais de 78 bilhões em 2013), o que põe por terra o mito de que a Previdência Social, parte da Seguridade Social (art. 194), apresente “déficit”.
É evidente que a manutenção desse superávit depende das opções macroeconômicas que serão adotadas nos próximos anos, a serem definidas no dia 5 de outubro. A alternativa ortodoxa levará à recessão, ao desemprego e à queda das receitas. A alternativa que persegue o crescimento sem abrir mão da criação de empregos e ampliação das rendas do trabalho potencializará as fontes de financiamento da Seguridade Social. O futuro da Seguridade Social é incerto, e a decisão sairá das urnas.
EDUARDO FAGNANI é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP), pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (CESIT/IE-UNICAMP) e coordenador da rede Plataforma Política Social (http://plataformapoliticasocial.com/)