Jornalista pede radicalismo no combate à crise mundial

Colunista do ‘Financial Times’ critica austeridade e falta de regulação

Eleonora de Lucena | Folha de São Paulo | 24/01/2015

É urgente aplicar mais radicalismo. A velha política monetária, o sistema de metas de inflação e medidas macroprudenciais podem falhar. O aperto não nos leva longe. O caminho atual não é sustentável e, mantidos os parâmetros vigentes, a crise mundial deve voltar.

É necessário mais experimentação. Proposta: um helicóptero de dinheiro, com governos dando dinheiro para contribuintes.

As ideias acima não partem de nenhum pensador de esquerda. São de Martin Wolf, editor e principal colunista de economia do jornal britânico “Financial Times”. Seu cáustico diagnóstico está em “The Shifts and the Shocks, What We’ve Learned and Have Still to Learn From de Financial Crisis” (as mudanças e os choques, o que aprendemos e o que ainda precisamos aprender com a crise financeira).

Formado num ambiente de Guerra Fria e numa família anticomunista, Wolf conta que foi um entusiasta das visões liberais de Margaret Thatcher e de Ronald Reagan, que liberalizaram mercados. Agora, ele considera que o processo dos anos 1980 e 1990 criou um monstro: um setor financeiro capaz de devorar as economias de dentro.

Numa autocrítica, afirma que não previu a crise mundial na sua magnitude. “Minha perspectiva pessoal sobre a economia falhou”, declara, avisando que voltou a admirar a visão de John Maynard Keynes.

Para Wolf, a enrascada econômica revela que “os economistas heterodoxos estavam mais corretos do que os ortodoxos”.

“A confiança ingênua na estabilidade de um sistema financeiro desregulado desapareceu, talvez por uma geração, com exceção de nichos isolados no mundo acadêmico. A confiança entre as autoridades e o sistema financeiro desabou”, escreve.

Do ponto de vista macroeconômico, o jornalista critica a austeridade fiscal e opina que países erraram ao abandonar prematuramente estímulos fiscais.

O ponto central na análise de Wolf são as finanças desregulamentadas. Segundo ele, na configuração atual, os bancos enriquecem fazendo apostas de alto risco, evitando buscar garantias necessárias, prometendo grandes retornos a investidores e pagando bônus exagerados a executivos. “Esse é um modelo maravilhoso para banqueiros. Mas e para o resto do mundo?”, pergunta.

‘FINANÇAS ENJAULADAS’

“A liberalização das finanças parece levar a crises quase automaticamente. Certamente isso sugere enfaticamente a necessidade de um novo tipo de sistema”, diz.

Segundo ele, os países ricos não vivenciaram crises fortes entre os anos 1950 e 1970 por uma razão: “É simples –as finanças estavam enjauladas”.

Sem muita preocupação didática, o roteiro do livro é por vezes tortuoso. As sugestões de mudança vão desde a redução da alavancagem dos bancos até a criação de uma moeda global. No desenho de Wolf, há pontos obscuros. A tensão política fica em segundo plano.

O texto é muito focado nos EUA e na Europa –ele está muito preocupado com o futuro do euro, como demonstram suas recentes colunas no jornal. As medidas de injeção de dinheiro anunciadas pela Europa na quinta-feira (22) vão na direção do que ele aponta como necessário.

Aflito com o enfrentamento tímido da crise pelas lideranças globais, o jornalista pede a todo momento mudanças mais radicais. E alerta: se elas não acontecerem, da próxima vez uma grande crise pode chegar e colocar a economia mundial no fogo.