Vanessa Maria de Castro*
Magda de Lima Lucio*
O Brasil que sonhamos é de todas e todos, ele é de todas as almas, de todos os amores e todos os pendores.
O Brasil que sonhamos tem um sabor diferente de qualquer outro lugar, ele cheira a vatapá, caruru, abará, pipoca, paçoca, dendê, mungunzá, água de cheiro, alecrim, canela, cravo, doce esfriando na janela, café coado na caneca, caldo de cana e pastel na feira.
O Brasil que amamos tem todas as faces – branca, preta, amarela, vermelha, marrom, bege e azul.
O Brasil que amamos acolhe a todos com um grande sorriso e como um anjo protege a todos sob suas asas.
O Brasil de agora tem uma parte que é adolescente mimado e raivoso, incendiário, sem um ter um pai e uma mãe amorosos para acolher tantas emoções em descontrole.
Este Brasil é aquele acostumado a mandar na senzala, ver o pobre sempre no seu lugar, ou seja, na sua cozinha a fazer o almoço de domingo para seu desfrute, seu deleite.
Este Brasil acabou.
E como uma criança malvada esperneia e machuca quem lhe tira o brinquedo. Esse brinquedo serviu para humilhar e torturar milhares e milhares de pessoas ao longo de centenas de anos.
O Brasil está dividido, dividido pelo ódio, pelo rancor, pela raiva, pela vingança, pela ignorância, pela violência.
O outro lado diz – o Brasil é para todos e todas.
E isso tem gerado ódio de classe, ódio de cor, ódio de raiz, ódio de mulher, ódio de gay.
Ignora-se que a raiz do Brasil é indígena, é portuguesa, é africana.
Assim se construiu a grande Nação Brasileira, nessa mistura de cores, sabores, credos e odores.
O Brasil é um país multicolorido, multicultural.
A luta hoje é para permitir que estas cores e culturas brilhem no céu brasileiro, na terra brasileira, nas águas brasileiras.
O Brasil que amamos é um país esfacelado pelas dores dos amores e sonhos perdidos na esquina do desassossego, na qual homens egoístas e ávidos por tomar de assalto à Nação passam seus dias à espreita.
“Escusas” disse o Povo, “assim não vai mais ficar”.
O Brasil vai mudar, doa a quem doer, ele vai ter que crescer.
Crescer dói, já falavam nossos avôs. Estamos crescendo e há um lado que deseja manter suas conquistas.
Conquista em tempos modernos significa continuar roubando o fruto do trabalho alheio, para poder descansar e nada fazer.
Roubo é uma palavra que este país, sempre conheceu.
Os brancos que aqui chegaram dizimaram os índios, ou melhor, os brancos até hoje roubam a vida dos índios.
Os brancos que para cá vieram, trouxeram em seus navios os negros, roubados de suas terras, tiveram também suas almas roubadas.
Tempos sombrios aqueles que emparedar era a arma do senhor de engenho, ainda em voga no Brasil.
Os brancos de hoje insistem que se mantenha a mesma chancela de outros tempos em que a Lei era uma prerrogativa dos que detinham o poder econômico e social.
A democracia, palavra cunhada na antiguidade, na qual a Ágora era seu palco e que somente os “homens de bem” tinham fala e podiam exercitar sua cidadania.
A era moderna lhe dá nova roupagem.
Nos dias de hoje, no Brasil, e em solidariedade vários povos ao redor do mundo, mulheres e homens, de todos os matizes, raças, orientações sexuais e credos, estão nas ruas defendendo o Brasil dos Sonhos.
Para realizar o sonho tem que ter partilha e é neste momento em que nos encontramos.
Pela via do discurso e da ação disputa-se o projeto de Nação com outros sentidos e significados para a Democracia.
Sentidos que incluem, reconhecem e apontam para o futuro.
O Povo Brasileiro foi às ruas dizer o que deseja. O povo com sua luta não mais aceita as regras estabelecidas pelos que sempre mandaram na nação. A festa acabou, o povo avisou que não irá ficar calado e não mais voltará para a senzala, tronco ou qualquer outro esconderijo para fugir de capitães do mato ou congêneres.
Aqueles que sempre ganharam no grito, ganharam ceifando a vida de muitas brasileiras e brasileiros, hoje escutam – o jogo virou e ninguém mais determina os rumos da nação sem que nós participemos.
Há mais de uma década o Povo Brasileiro decidiu fazer valer a máxima “um homem, um voto”. E hoje o grupo historicamente opressor do Povo Brasileiro quer aplicar sua própria regra: se ganho é legítimo, se perco viro o tabuleiro e o jogo não foi válido.
E esbraveja: Vamos começar de novo. Agora sob as regras por e para ele, os opressores de sempre.
Querem ganhar no grito, na ameaça, ou matando se for preciso, como sempre fizeram.
Assim está o Brasil.
Tentam hoje, sob a roupagem, não mais de capitães do mato ou de jagunços, mas sob chancela da tinta da legalidade, ao arrepio da Lei Maior. Em conluio com a mídia tentam roubar novamente a alma do Povo Brasileiro – escravizando seus ouvidos, olhos e emoções, no limite escravizando seus filhos.
Mas o que importa para o Povo é a vida no seu dia-a-dia.
É a labuta diária, amores vividos e perdidos.
Amores esses que lhe saíram das entranhas e tiveram suas vidas roubadas, como nossos jovens negros no Brasil, que estão encontrando os sete palmos de terra prometida.
São Mulheres, as Severinas, que gritam a morte destes filhos ausentes, que não mais aceitam esse Brasil sedento por se embranquecer a qualquer custo.
Pode-se ouvir o grito dessas mulheres nas ruas de todo país. São gritos por liberdade.
O Povo Brasileiro não é mais escravo da casa grande e aprendeu a reclamar por seus direitos, por sua vida, por sua liberdade.
Essa conjuntura nos levou à Segunda Abolição, ainda em curso, por isso em disputa.
A primeira abolição nasce da era moderna na qual a mercadoria – escravo – não trazia mais vantagens econômicas.
Hoje se inaugura a Segunda Abolição.
Se antes tínhamos as senzalas, hoje temos o chão de fábrica, a cozinha e o quartinho na casa dos senhores.
O Povo Brasileiro avisou à casa grande: o seu reinado acabou.
E seguiu-se uma recuperação das raízes do Brasil, raiz de amor e respeito à Terra, à Nação e a seu povo, seja ele qual for.
O Povo Brasileiro ama esta Nação e nunca fugiu da luta para construi-la e fazer cumprir seu ideal.
Não terá mais chicotes ou troncos que tolham este processo profundo de transformação dizendo não à senzala, não ao tronco, não ao roubo de suas almas, não à escravização de suas filhas e filhos.
O Brasil acaba de virar uma página de sua história de segregação, de humilhação, de subordinação, de discriminação, de machismo e repulsa.
A pequena parcela branca que sempre reinou aqui, mas que nutre uma profunda vergonha de ser brasileiro, que para entrar no jogo internacional deveria antes de mais nada entregar o Brasil como um espólio, que sua vergonha de ser brasileiro, filho de índio, negro escravo e europeus pobres, lhes deu o único papel possível neste jogo perverso: carcereiros da Nação.
Infelizmente este grupo não percebe que também é mais uma peça no tabuleiro gigante que é o planeta. Prefere ignorar para manter seus privilégios.
Nos últimos anos o Povo Brasileiro compreendeu e disse um sonoro não. Mas somente um não, não seria suficiente.
E assim, por meio da negação, da ação e da luta, o Brasil não permite que sua história se reduza a dores e torturas.
A colonização acabou e é isso que o Povo Brasileiro está a celebrar nas ruas.
Não existe mais o dono do Brasil.
Este pretenso dono que mandou no Brasil, durante séculos, se debate ensandecido.
A colonização acabou.
Precisamos fazer valer essa máxima. Novos tempos estão sendo tecidos e desenhados e um nova roupagem irá cobrir o Brasil de amanhã. Faremos desta Terra o que a ela foi destinada – Uma grande Nação para os povos de todo o mundo.
Dos pretensos donos foram retiradas as chaves dos céus e das terras brasilis.
Nada poderá conter a determinação do Povo Brasileiro.
O Brasil mudou. Jamais será o mesmo.
Neste momento lembramos Darcy Ribeiro, em seu livro – O Povo Brasileiro – ao indagar porque o Brasil não deu certo? Darcy respondeu: Porque a elite brasileira nunca deixou.
Dizemos hoje a Darcy – Querido Mestre, O Povo Brasileiro venceu o medo, venceu o terror, venceu o horror, venceu a escravidão, venceu a humilhação, venceu o preconceito, venceu o machismo, venceu a opressão.
Embalado pelo espírito da vitória construirá a Grande Nação Brasileira, multicolorida, multiétnica.
Seja o que vier, o Povo Brasileiro sabe que tem força e garra, que mudará tudo se preciso for, porque sabe que é vigoroso e guerreiro.
O Povo Brasileiro teceu sua história com fios de amor e respeito ao Brasil.
Nunca se comportou como aventureiro, como adolescente mimado dando birra.
Aqui sempre esteve e sempre estará.
Tá feito! O povo ocupou o seu lugar na grande democracia moderna, as ruas.
* – Professora da Universidade de Brasília (UNB)