Floriano Martins de Sá Neto | Juliano Sander Musse
A Seguridade Social em 2011 apresentou um grande superávit em suas contas de receitas e despesas. Esse resultado positivo excedeu os R$ 77 bilhões, como mostra a Tabela 1.
Em 2010, a Seguridade já havia apresentado outro forte saldo positivo de R$ 57 bilhões. Naquele ano, a expansão acompanhou a recuperação da economia, que cresceu 7,5%. Em 2011, com uma evolução menor da produção, de 2,7%, esses resultados positivos decorrem do crescimento da arrecadação e da contenção das despesas da Seguridade.
Ao longo de 2011, o governo reforçou as políticas de ajuste fiscal, praticando níveis de superávit primário muito acima das exigências legais estabelecidas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. Essa opção decorreu da decisão governamental de contribuir com a política monetária para facilitar a adoção de menores taxas de juros.
De fato, os juros caíram do alto patamar em que foram colocados a partir de 2010, quando, como afirmam vários analistas, houve um exagero, e muito provavelmente erros, na dosagem da política monetária. Entre janeiro de 2010 e julho de 2011, o Banco Central determinou aumentos que elevaram a Selic de 8,75% para 12,50%. O patamar inicial desse período já colocava o Brasil em total desacordo com as taxas praticadas internacionalmente.
A prática continuada de juros muito altos com um comportamento expansivo da economia nacional, num momento de enorme liquidez internacional, atrai para o país um volume desproporcional de recursos em busca de ganhos fáceis e de baixo risco para os capitais especulativos. Em decorrência desse movimento de entrada de recursos, amplia-se o desajuste que tem promovida a valorização do real frente ao dólar, euro, yuan e outras moedas.
No mundo inteiro, há um declínio da produção industrial determinado pela crise, mas, no Brasil, os problemas se acumulam. Às dificuldades para exportar, somam-se o esforço exportador dos mais diversos países em direção a um dos poucos países que continua crescendo, com distribuição de renda, ampliação dos setores médios e expansão do mercado consumidor – mais apropriado seria caracterizar como ambiente predatório o que passa a indústria nacional. Mas, se o problema principal é o câmbio, que torna possível inundar o país de produtos importados baratos, ele não será resolvido pela desoneração previdenciária, nem mesmo se ela for integral.
Essa conclusão decorre de uma observação simples. De acordo com os dados do governo, na maior parte dos setores industriais, a contribuição patronal sobre a folha de salários equivale a menos de dois por cento nos segmentos de plástico, material elétrico e fabricação de ônibus; entre 2% e 3% nos segmentos têxteis, confecções, moveleiro, autopeças e aeronáutico e entre 3% e 5%, para os segmentos de couro e calçados e da indústria naval. Ao substituir essas contribuições por uma alíquota de 1% sobre o faturamento, o governo deu um benefício tributário que varia, conforme o setor, entre 1% e 3% do faturamento.
Mesmo que a renúncia fosse dobrada, para representar até 6% do faturamento, seria impossível compensar as perdas cambiais. O movimento de capitais é muito abrupto e há grande volatilidade.
Mesmo sem descontar a inflação brasileira, de janeiro a dezembro de 2010, a cotação do dólar – em R$ por 1 US$ – caiu 5% (de 1,78 para 1,69) e outros 8% até julho de 2011 (de 1,69 para 1,56). Com as medidas adotadas ao longo do segundo semestre de 2011, o dólar se valorizou 17% (de 1,56 para 1,83) e outros 3% até o final de abril (de 1,83 para 1,90).
Nesses valores nominais, se deflacionada pelo IPCA, a dotação de fevereiro de 2010 seria de 2,01. Todo esse esforço de diminuição da taxa de juros e o grande aumento determinado para o IOF, para taxação das operações cambiais, sequer recuperou as perdas nesses dois exercícios de 2010 e 2011.
A desoneração tributária, por meio de renúncia das contribuições previdenciárias, não tem capacidade de compensar as empresas pelo desajuste cambial, mesmo porque ela está restrita ao seu tamanho. A carga previdenciária sobre a folha de salários ma indústria não é alta, na média do setor ela representa entre 2% e 3% do faturamento.
Além de a previdência social perder recursos injustificadamente, como mostram os números acima, ao propor a desoneração dos encargos trabalhistas para salvar a indústria nacional, o governo cede ideologicamente ao discurso do custo excessivo da mão de obra – repetido à profusão por aqueles que defendem redução dos encargos trabalhistas, flexibilização dos direitos e fim dos limites hoje legalmente existentes para a terceirização da força de trabalho.
O país precisa de mais e melhores empregos, de incorporar tecnologia para aumentar a produtividade do trabalho. Defender a indústria, a sua produção e os seus empregos é fundamental. E é preciso adotar medidas e salvaguardas para fazê-lo, mas o câmbio, e não os salários e seus encargos, deve ser o principal alvo de intervenção governamental.
Não haverá desenvolvimento sem assegurar o investimento privado. A verificação de que somente nas empresas de capital aberto existem 280 de bilhões de reais aplicados no mercado financeiro demonstra, entre outros, que as enormes taxas de juros praticados pelos títulos públicos criam uma enorme barreira ao desenvolvimento e ao progresso. Esse ganho líquido e certo cria um impedimento econômico: nenhuma empresa se arisca a investir para ampliar a produção sem a garantia de ganhos muito superiores ao piso de rendimentos do mercado financeiro. Esse alto custo de oportunidade inibe o investimento e o crescimento econômico.
Para incorporar as empresas privadas nesse projeto nacional de desenvolvimento, o governo também precisa investir. Assegurar a infraestrutura necessária à produção, garantir serviços públicos de qualidade, promover mais e mais saltos de qualidade na educação, das creches à pós graduação; e conquistando não só o fim do analfabetismos, com também elevando para pelo menos 12 anos a escolaridade da imensa maioria dos trabalhadores.
Na Seguridade, é preciso garantir assistência à saúde com qualidade e resolutividade; ampliar os programas sociais para erradicar de vez a miséria, combinado benefícios assistenciais com ações e serviços para incorporação produtiva dessas quase duas dezenas de brasileiros que ainda permanecem na miséria.
Em relação à previdência social é preciso reverter de vez a agenda das reformas para perda de direitos. As transformações que o momento atual exige são pela inclusão de mais de um terço dos trabalhadores ocupados que ainda não contam com a cobertura previdenciária, um direito de cidadania fundamental para todos os que vivem do suor do trabalho.
Mas, essa agenda que o governo precisa assumir demanda disponibilidades orçamentárias para todas essas despesas. A boa notícia é que o país não precisa aumentar impostos para que o poder público possa dedicar mais recursos para essa agenda. Anualmente uma fração nada desprezível de recursos públicos – perto de 3% do PIB – é integralmente dedicada à produção de superávits primários. É preciso liberar esses recursos para a promoção do desenvolvimento, para crescer com valorização do trabalho e distribuição de renda.
Esse foi o caminho parcialmente adotado entre 2007 e 2010. O país diminuiu o superávit primário, aumentou os investimentos em infraestrutura e os gastos sociais.
Em 2011, o país praticou um superávit de R$ 43 bilhões acima do mínimo legal – que era de R$ 49 bilhões, quando descontado o PAC. Foi um grande esforço fiscal para facilitar a queda de juros.
Eles caíram (estavam em 9% no fechamento desta edição) e precisam cair ainda mais. Essa queda afeta diretamente os encargos do setor público com a dívida. Menos gastos coma dívida, menor será pressão por superávits.
É preciso assegurar, politicamente, primeiro a continuidade da redução das taxas de juros, depois a imediata diminuição das metas de superávit, para o governo central, os estados e os municípios possam ampliar os investimentos em infraestrutura e melhorar a prestação dos serviços públicos e os gastos sociais.
RECEITAS E DESPESAS
Em relação à arrecadação das contribuições sociais, novamente como nos anos anteriores, o destaque recaiu sobre as contribuições previdenciárias, que arrecadaram R$ 245,9 bilhões. Esse resultado foi R$ 33,9 bilhões superior ao de 2010, o que representou 16,0% de acréscimo. As melhorias verificadas no mercado de trabalho desde 2007 justificaram esse resultado.
Comparativamente a 2010, as receitas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, também cresceram significativamente. Em 2011, essa arrecadação chegou a R$ 57,8 bilhões, contra R$ R$ 45,8 bilhões do ano anterior. Explicam esse vigoroso aumento, além das receitas extraordinárias associadas ao fim de disputa judicial, a recuperação da lucratividade das empresas – em 2010, ocorreram significativas compensações de prejuízos.
O fortalecimento do mercado interno, especialmente nos setores de comércio e serviços, determinou uma maior arrecadação das contribuições que incidem sobre o faturamento das empresas. A Contribuição para o Financiamento da Seguridade – Cofins – arrecadou R$ 159,9 bilhões, um crescimento de 14,2% em relação ao ano anterior. A Contribuição para o PIS cresceu bem menos, de R$ 40,4 bilhões para R$ 42,0 bilhões. Essa pequena diferença em grande parte deveu-se às arrecadações extraordinárias de 2010 que inflaram os resultados do período – vale lembrar que o aumento em 2010 frente a 2009 foi de 30%.
As demais receitas do Orçamento da Seguridade Social compostas por receitas próprias dos órgãos e entidades da Seguridade somaram R$ 16,9 bilhões, um valor 13,4% superior aos R$ 14,9 bilhões de 2010.
Finalizam esse rol de receitas, os repasses do Orçamento Fiscal correspondentes aos pagamentos realizados à conta dos Encargos Previdenciários da União, um conjunto de benefícios operacionalizados pelo INSS, mas que têm natureza própria, como os relativos à anistia e os indenizatórios. Por não atenderem aos requisitos constitucionais da Seguridade Social é preciso que repasses do Orçamento Fiscal façam à cobertura dessas alocações. Em 2011 esses valores foram de R$ 2,3 bilhões, ligeiramente superiores aos R$ 2,1 bilhões verificados em 2010.
Em relação às despesas da Seguridade, em 2011, foram aplicados R$ 451,0 bilhões. Esse montante superou os valores de 2010 em R$ 49,4 bilhões, 12,3%. Contribuíram para esse resultado, o aumento das despesas com benefícios previdenciárias e da Saúde.
Os benefícios previdenciários foram reajustados para repor a inflação de 6,08%, medida pelo INPC de 2010. Por sua vez, o piso dos benefícios previdenciários e trabalhistas – a cargo do FAT – e os benefícios assistenciais acompanharam o pequeno aumento real do salário mínimo. Em relação à Saúde, as despesas somaram R$ 72,3 bilhões, R$ 10,3 bilhões superiores a de 2010. Essa diferença significativa responde à vinculação dessas despesas com a variação nominal do PIB de 2010, que foi de 16,4%.
As despesas com o Regime Geral de previdência Social, RGPS, representam a maior parcela das alocações da Seguridade. O pagamento desses benefícios somou R$281,4 bilhões. Foram R$ 281,6 bilhões em benefícios pagos aos segurados urbanos e R$ 61,4 bilhões aos rurais. Outra rubrica, correspondente à despesa com a compensação previdenciária, um mecanismo de ajuste de contas entre os diversos regimes previdenciários , totalizou R$ 1,4 bilhão.
Em escala decrescente de valores, as despesas com Saúde somaram R$ 72,3 bilhões. Esse valor foi bem acima do executado em 2010, superando-o em R$ 10,4 bilhões.
Esses números já foram apurados nos termos da nova legislação que determina os gastos mínimos em saúde. A cada ano, o governo federal deve aplicar em ações e serviços públicos de saúde o que foi executado no ano anterior, acrescido da variação nominal do PIB do ano anterior. Durante todo o ano de 2011, nas discussões que levaram à aprovação da Lei Complementar n.º 141, de 13 de janeiro de 2012, vários segmentos sociais buscaram ampliar esse montante. Mas, no fundamental, para o governo federal, o valor mínimo que o orçamento da Seguridade deve aplicar a cada ano no setor ficou inalterado.
A legislação aprovada avançou na identificação de que despesas podem ser computadas para aferição desse mínimo. Um conjunto muito grande de programações, comumente utilizados para inflar as despesas de saúde, foi excluído. Em seu conjunto, a União, os estados, o DF e os municípios alocarão mais recursos nas ações e serviços públicos de saúde.
Continuando a ordem decrescente, a terceira maior conta da Seguridade é a dos benefícios pagos à conta do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Além do seguro desemprego, há ainda o abono salarial, um benefício de um salário mínimo a que tem direito todos os trabalhadores que, no ano anterior, receberam, em média, menos de dois salários mínimos. Em 2011, esses benefícios somaram R$ 34,2 bilhões, R$ 5,0 bilhões a mais do em 2010.
Também significativos foram os valores utilizados para os pagamentos dos benefícios assistenciais de prestação continuada da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. São beneficiários idosos e famílias com pessoas com deficiência, em ambos os casos é preciso ser enquadrado nos critérios de baixa renda. Em 2011, R$ 23,4 bilhões foram utilizados nesta conta. Bem similares a esses, são os benefícios da Renda Mensal Vitalícia – RMV. Tratam-se de dois programas criados em 1974 (também destinados a idosos e deficientes), ainda como benefícios previdenciários. Foram extintos em 1994, com o surgimento da LOAS, e continuam sendo a pagos a beneficiários remanescentes. Os valores, em 2011, somaram R$ 1,8 bilhão, um valor ligeiramente inferior ao de 2010, R$ 1,9 bilhão.
Proporcionalmente, o maior aumento em despesas com benefícios ocorreu nos programas do Bolsa-Família, que cresceu para R$ 16,8 bilhões em 2011, R$ 3,3 bilhão a mais do que em 2010, 24,3%. No ano passado, o governo expandiu o programa, com a criação do Brasil Sem Miséria. Foram aumentados os valores dos benefícios e o público alvo e iniciaram-se procedimentos de busca ativa de pessoas que atendem aos requisitos do programa, o que permitiu ampliar o programa em segmentos sociais importantes, como população de rua, indígenas e quilombolas.
Além desse conjunto de despesas associadas a saúde e benefícios e transferências de renda diretas às pessoas, a Seguridade Social conta ainda com diversos programas e ações que potencializam os seus efeitos, executados no âmbito dos Ministérios da Seguridade e nos mais diversos órgãos. E há ainda as despesas operacionais do Ministério da Previdência Social. Por problemas operacionais, encontrados na especificação das despesas, os gastos operacionais do Ministério da Saúde e do Desenvolvimento Social estão classificados em conjunto com demais programações desses órgãos.
Esse último bloco se caracteriza, em sua maioria, por despesas que sofrem ação direta dos diversos contingenciamentos e restrições de gastos orçamentários. Em 2011, somou R$ 21,2 bilhões, apenas R$ 1,3 bilhão a mais do que os R$ 19,9 bilhões de 2010. Com isso, frente ao PIB, essas despesas caíram de 0,53% para 0,51%.
O detalhamento de todo esse conjunto de despesas, bem como as receitas, está apresentado no livro “Análise da Seguridade Social 2011”, inclusive abordando uma série mais extensa desses dados nos Anexos.
O Brasil tem uma agenda muito positiva pela frente, com os novos horizontes do pré-sal, a retomada do desenvolvimento – com ganhos econômicos e sociais – a redução da miséria, a ampliação dos setores médios e do mercado interno. A esse cenário é preciso agregar o novo Estado com capacidade de dirigir a nação, induzir e assegurar, por meio de acertadas políticas econômicas e socais, a implementação dessa agenda.
Os trabalhos que resultaram na produção da Análise da Seguridade Social demonstraram a urgência de debatermos com mais profundidade alguns temas como a renúncia fiscal, num esforço para melhor aquilatar o seu volume e precisar os segmentos beneficiados. A sociedade precisa ver com total transparência esse nada desprezível conjunto de gastos tributários. A desoneração da contribuição patronal sobre a folha de salários é apenas uma parte da enorme tarefa que se tem para 2012/2013.
Tabela 1: Receitas e Despesas da Seguridade Social, 2008 a 2011, em valores correntes e, para 2010 e 2011, em relação ao PIB
Fonte: MPS para receitas e despesas previdenciárias; STN-MF para demais receitas e despesas. Elaboração ANFIP e Fundação ANFIP. Notas: (1) Receita Previdenciária Líquida corresponde a Receitas Previdenciárias do RGPS deduzidas as Transferências a Terceiros; (2) A CPMF foi extinta a partir de 2008, valores arrecadados posteriormente referem-se a fatos anteriores. (3) Incluem contribuições sobre concursos de prognósticos e outras contribuições. Desde 2008, as programações relativas à complementação do FGTS (receitas e despesas) foram transferidas para o Orçamento Fiscal. (4) A legislação considera que todos os recursos próprios do FAT, inclusive os financeiros integram o Orçamento da Seguridade. (5) A compensação previdenciária foi criada em 2008 e representa o saldo do ajuste de contas entre os regimes previdenciários (RGPS e RPPS da União, estados e municípios). (6) Inclui as despesas de pessoal, exceto inativos.
Publicado no Boletim Tributação & Cidadania, n 7, setembro/outubro de 2012. Artigo extraído do Livro “Análise da Seguridade Social 2011”.
NOTAS:
1. Artigo extraído do livro: “Análise da Seguridade Social 2011” – Anfip e Fundação Anfip.
2. AFRFB e Presidente da Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social.
3. Economista Assessor Técnico do Sindifisco Nacional.
4. Essa compensação atende a uma previsão constitucional (art. 201, §9º) relacionada à contagem recíproca dos tempos de contribuição dos diversos regimes previdenciários.