Julio Gomes de Almeida* | Publicado originalmente no jornal Brasil Econômico
Foram dois os fatores que retardaram o quadro de adversidade do emprego, que agora parece estar totalmente explicitado. De um lado, graças aos maiores rendimentos da população, especialmente a de mais baixa renda, um grande número de pessoas em idade de trabalhar deixou ou não ingressou no mercado de trabalho, atraídas por cursos técnicos ou superiores na expectativa de melhor formação e de maior renda no futuro. Por outro, o governo adotou várias medidas objetivando manter um nível razoável da atividade econômica, nem sempre com êxito pleno, como sabemos, mas isso pelo menos concorreu para que uma recessão aberta da economia não se apresentasse até 2014.
O primeiro fator teve o efeito de reduzir o número de indivíduos que procuravam trabalho; o segundo delimitou a redução da demanda de trabalho. Como resultado, o baixo desempenho econômico de 2012/2014 não se traduziu em elevação da taxa de desemprego, a qual, pelo contrário, continuou em queda. Ao que tudo indica, janeiro deste ano simboliza uma inequívoca mudança deste quadro que o mês de fevereiro parece confirmar integralmente. A força de trabalho já não declina como antes — na verdade teve variação zero em fevereiro — e a população desocupada aumentou 14,1% frente a fevereiro do ano passado, ou o equivalente a 176 mil pessoas, segundo a pesquisa mensal de emprego realizada pelo IBGE nas grandes regiões metropolitanas brasileiras. Em consequência, a taxa de desocupação elevou-se em fevereiro, após ter crescido também no mês anterior, sempre em comparação com o mesmo mês de 2014.
A surpresa dos últimos dados não está aí, mas sim na magnitude do aumento do desemprego. De fato, uma variação de 5,1% para 5,9% nos 12 meses compreendidos entre fevereiro de 2014 e o mês passado raramente foi registrada no último decênio. É uma variação realmente significativa de um quadro de deterioração que se acentua.
O pior nesse cenário é o que está por vir. Não há nenhuma tendência do ponto de vista macroeconômico que autorize pensar em melhora nos próximos meses. A taxa de juros deve subir mais ainda, as expectativas dos consumidores estão desabando, assim como a confiança empresarial na economia. De outra parte a crise na cadeia produtiva da Petrobras está em marcha e apenas está começando a crise no setor da construção pesada. Enquanto não recuperar as expectativas empresariais, o ajuste fiscal em curso também agrava o quadro do emprego. Ao retirar recursos da sociedade e das empresas, que do contrário estariam sendo consumidos ou investidos, e ao conter a inversão pública, ele desfalca ainda mais a demanda efetiva e contribui para o desemprego.
A análise setorial e por posição na ocupação mostra quem está por trás das maiores dificuldades no mercado de trabalho. Alguns segmentos estão acelerando seu ritmo de demissão, como são os casos da indústria e da construção. Outros setores que já foram muito empregadores e vinham servindo para compensação da perda de empregos em outros lugares, ou declinam (caso do emprego na administração pública), ou crescem a taxas bem modestas (casos do comércio e da intermediação financeira). Cresce a uma taxa muito elevada, o que neste caso denota evolução do subemprego, a ocupação em serviços domésticos, o mesmo ocorrendo com outros serviços. Em consequência, o nível de ocupação total declinou 0,9% em fevereiro, o terceiro mês consecutivo de queda. Sinalizando ainda uma tendência à precarização do trabalho, a ocupação evolui entre os empregados sem carteira assinada e no trabalho por conta própria, mas já declina entre os assalariados com carteira.
Em uma outra decorrência dos traços acima mencionados, já não se sustenta como antes o crescimento do rendimento médio real das pessoas ocupadas, que nos meses anteriores ainda evoluía na faixa de 1,5%. Em fevereiro houve queda de 0,5%. Alguns ramos contribuíram fortemente para o declínio: pela ordem, intermediação financeira, comércio e indústria. As quedas foram também muito significativas no emprego sem carteira e nas ocupações por conta própria, sendo praticamente nula entre os trabalhadores com carteira assinada.
* – Julio Gomes de Almeida é Ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e Professor do Instituto de Economia da Unicamp