Os falsos mitos da desoneração da folha de pagamento

Evilasio Salvador*
A imprensa tem divulgado que o governo vai apresentar uma nova proposta “reforma tributária” que começará pela desoneração da folha de pagamento, reduzindo a contribuição previdenciária dos empregadores.

Importante lembrar que a PEC 233/2008 (reforma tributária), ainda em tramitação, diz no seu art. 11 que a lei estabelecerá reduções gradativas da contribuição patronal sobre a folha, nos anos subsequentes ao da reforma, devendo o Poder Executivo encaminhar o respectivo projeto de lei no prazo de até 90 dias da promulgação da Emenda. Estima-se que essa redução implicaria em uma perda de R$ 24 bilhões para a Previdência Social. Na época da discussão da PEC 233/2008, o governo não apresentou nenhuma alternativa para substituir essa perda de receita da Seguridade Social.

A desoneração da contribuição patronal provocará o enfraquecimento da solidariedade no financiamento da previdência social, um compromisso historicamente construído no Brasil. Trata-se de uma fonte segura no financiamento da Seguridade Social no país e que, no período recente, com a retomada do crescimento econômico, vem superando o montante da arrecadação das demais contribuições sociais destinadas às políticas de previdência, assistência social e saúde.

Entre as justificativas que se apresentam para a redução da contribuição previdenciária dos empregadores, destaca-se a afirmação que no Brasil são elevados os encargos sobre a folha de pagamento, o que seria impeditivo de aumentar a contratação de empregados formalizados. Por consequência, seguindo a lógica dessa argumentação, a redução da contribuição previdenciária geraria mais emprego assalariado no país. Na realidade, a base desse raciocínio é fundada em dois “mitos”: 1) que são elevados os encargos sociais sobre a folha de pagamento no Brasil e 2) que a simples redução da contribuição previdenciária implicaria na geração de mais postos de trabalhos formais na economia.

Na realidade o custo com salários no Brasil é muito baixo, conforme revelam os dados do DIEESE, com base nas informações do Department of Labor (Bureau of Labor Statistics, 2009), quando comparado a outros países no mundo. Os empresários no Brasil alardeiam que os encargos sociais representam 102% do salário dos trabalhadores. Contudo, não explicitam a sociedade que nesses cálculos estão inclusos os direitos sociais historicamente conquistados pelos trabalhadores, como: o pagamento de férias, 13º salário, descanso semanal remunerado e FGTS. De acordo com o DIEESE devem ser considerados encargos sociais somente aquela parcela do custo do trabalho que não vai para o bolso do trabalhador. Nesse caso, a conta se reduziria a 25,1% da remuneração do trabalhador.

É preciso desfazer o raciocínio linear que a redução da contribuição dos empregadores para previdência implicaria na geração de mais empregos com carteira de trabalho assinada. Diversos estudos, especialmente os do IPEA, demonstram que essa dedução é ancorada na falsa hipótese que empregadores e trabalhadores que se encontram em relações informais de trabalho migrariam para a formalidade, caso o custo dessa formalidade fosse menor. A transição entre a informalidade e a formalidade no mercado de trabalho brasileiro não é tão simples devido à elevada e histórica segmentação entre formalidade e informalidade, que envolve outros atributos dos trabalhadores como: idade, escolaridade, raça e gênero. A elevada quantidade de postos de trabalhos informais no Brasil não é decorrente de uma “opção” do trabalhador em função da carga previdenciária, o que torna bastante improvável, impactos relevantes no mercado de trabalho formal, em decorrência de menor alíquota previdenciária.

A experiência internacional também demonstra que a redução da alíquota previdenciária não teve o êxito esperado. Por exemplo, no Chile, as modificações realizadas não alteraram o nível de emprego. No Brasil desde Emenda Constitucional (EC) nº 20 (1998) e com redação modificada pela EC nº 47 (2005), a contribuição para a Seguridade Social dos empregadores incidentes sobre a folha de salário, receita ou faturamento, e lucro poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. Hoje já vigora o Simples, que permite que pequenas e médias empresas não sejam tributadas sobre a folha de pagamento.

A redução generalizada da contribuição dos empregadores incidentes sobre folha de pagamento, ou seja, de forma linear, sem diferenciar as empresas intensivas em mão de obra daquela intensiva em capital, poderá ter resultados desastrosos para o financiamento da Seguridade Social e, portanto, da previdência social no Brasil.

Publicado no Boletim Tributação & Cidadania, n 2, Março de 2011, Fundação Anfip.

* Economista. Doutor em Política Social. Professor do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília (UnB).

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