Dilermando Toni*
Para os que se interessam em acompanhar o desenrolar da crise internacional do capitalismo ou para aqueles que se preocupam com suas consequências sobre a economia brasileira, é bom levar em consideração as opiniões de Martin Wolf, principal articulista econômico do Financial Times que, ao lado da revista The Economist e do Wall Street Journal forma o mais poderoso trio da mídia representativa do capital financeiro mundial.
Recentemente ele concedeu uma entrevista a Robinson Borges, do jornal Valor onde resumiu as opiniões contidas no seu último livro As Transições e os Choques: o que aprendemos – e o que ainda temos que aprender – com a Crise Financeira, lançado há um mês no Brasil pela Companhia das Letras.
Os argumentos de Wolf ferem de morte a falácia dos neoliberais tupiniquins segundo os quais o capitalismo haveria superado sua crise e todas as dificuldades pelas quais passa a economia do Brasil se deveriam às “barbeiragens” da Presidenta Dilma Roussef.
Com efeito, o economista britânico prevê que “é muito provável” que haja uma nova crise sucedânea da iniciada em 2007/2008, à qual se refere como a primeira crise verdadeiramente sistêmica depois da crise de 1929/1933. Porque, as saídas que “os países de alta renda” encontraram para enfrentá-la não são sustentáveis. Porque, “continuamos confiando no crescimento da demanda com base no endividamento [o que levou a] altíssimos níveis de endividamento” público e privado.
Isto facilitado “pelas políticas monetárias que estamos adotando” diz referindo-se às taxas de juros bem próximas a zero (e mesmo negativas em alguns casos) praticadas pelos governos dos países capitalistas ricos. E agravado pelos “grandes desequilíbrios entre poupança e investimento no mundo”, ou seja, aos enormes déficits em contas correntes de alguns países (destacadamente os EUA) e aos seus correspondentes superávits de outros países (da China, principalmente).
É o desenrolar desta situação que Wolf julga insustentável. E mais, avalia que diminui a capacidade dos governos enfrentarem uma recidiva da crise. Os EUA, por exemplo, onde “a economia está mais fraca do que o Fed imagina e a inflação, mais baixa”, onde a taxa de juros é 0,25% ao ano, “não terão muito o que cortar”.
“Por todas estas razões, é perfeitamente possível imaginar que a próxima crise será pior”, arremata Wolf. A crítica situação da Grécia e as consequências que vão se delineando, para a Europa em primeiro lugar, parecem dar razão a ele.
Ao tentar entender em maior profundidade o que se passa com a economia dos países capitalistas desenvolvidos Martin Wolf remonta ao papel dominante que o sistema financeiro passou a ter e aos cinco aspectos decisivos através dos quais ele se desenvolveu dentro da economia capitalista. Investiga assim os fenômenos da liberalização, globalização, inovação, alavancagem e incentivos. E apoiando-se no economista norte-americano H. Minsk, procura explicar a dinâmica de como as crises financeiras aparecem a partir de determinado nível de desenvolvimento dos fenômenos acima citados.
Os estágios então seriam: “deslocamento – um evento acionador, como uma nova tecnologia ou taxas de juros em queda; boom – quando os preços dos ativos começam a subir; euforia – quando a cautela dos investidores é jogada ao vento; realização de lucros – quando investidores inteligentes começam a realizar lucro; e pânico – um período de colapso nos preços dos ativos e falência em massa”.i Há então, “o pânico, a crise sistêmica e a recessão. O setor financeiro e a economia sofrem um colapso. O ciclo de Minsk está completo”. Além disto, Wolf fala da fraude como “um elemento inerente à fragilidade da atividade financeira”.
Wolf pergunta: “como, então, devemos tentar entender as origens do pânico que se acumulou em 2007 e dominou os mercados financeiros em 2008? O que este desastre nos ensina?” E alinha sete lições das quais destaco três:
“A visão de que estabilizar a inflação era uma condição suficiente para a estabilidade econômica se mostrou grotescamente errada. A verdade é o oposto”;
“A visão de que as forças de mercado tornariam o sistema financeiro estável também se mostrou egregiamente errada. As forças de mercado geram euforia e pânicos …”;
“O possivelmente mais perturbador era (e é) a capacidade do setor financeiro de usar seu dinheiro e seu poder de lobby para obter regulações frouxas que ele queria (e quer). Isto não terminou. Ao contrário, a resistência contra a regulação após a crise financeira demonstra que permanece muito conosco. Esta é uma das razões pelas quais crises voltarão a ocorrer.”ii
Martin Wolf descreve então o funcionamento interno das “economias de alta renda”, fala dos desequilíbrios macroeconômicos globais, da crise na Zona do Euro, tudo o que se pode caracterizar como uma nova situação da economia mundial. Conclui: “muita coisa deu errado. Durante a década de 1990, em particular durante a crise financeira asiática de 1997-8, fiquei preocupado com a possibilidade de a liberalização das décadas de 1980 e 1990 ter criado um monstro: um setor financeiro capaz de devorar economias por dentro … Essa suspeita se consolidou em algo perto de uma certeza em 2007. Ligada a isso, há a preocupação com as implicações de níveis sempre crescentes de endividamento, em particular no setor privado, e, além disso, o que está começando a parecer uma demanda cronicamente fraca, no nível global.”
Em seguida, Wolf dedica quase duzentas páginas de seu livro às soluções. Aborda muitos temas, mas sua preocupação central está nas regulações e reformas do sistema financeiro, insuficientes até então. Seria necessário, pois consertar as finanças como ele próprio diz, para superar a resistência, “a pressão implacável e a imaginação infindável de um setor imenso, bem organizado e extremamente motivado”.
Não vou aqui discutir as diretrizes e medidas que M. Wolf propõe. Seria maçante. Elas no máximo são paliativos para dar mais fôlego, mais segurança ao sistema capitalista e à oligarquia financeira. Suas ilusões vão se desmanchando na medida em que o capitalismo neoliberal fracassa. Afinal ele avalia na introdução de seu livro que as ameaças ao capitalismo “vêm da instabilidade financeira e econômica, do desemprego elevado e da desigualdade crescente e não do comunismo, do socialismo, da militância trabalhista”. Penso que o sr. Wolf será obrigado, antes que imagina, a perceber a conexão entre as duas coisas. i Wolf, M., As transições e os Choques, à pág. 150 cita o texto de Jhon Cassidy, The Minsky Moment. ii Wolf, M., obra citada pág 176/177.
* – Dilermando Toni é jornalista dedicado aos assuntos de economia, trabalhou na assessoria de Renato Rabelo de 1995 a 2015, membro do Comitê Central do PCdoB.