Guilherme Mello | Artigo publicado na edição 19 da revista Política Social e Desenvolvimento
Economista com doutorado pela Unicamp, pesquisador do Cecon-IE/Unicamp e professor da Facamp.
Após cinco meses de mudança nos rumos da política econômica do governo, o ajuste fiscal e monetário colocado em prática pelo ministro Joaquim Levy e o Banco Central já apresenta seus primeiros resultados.
Antes de repassar os dados conjunturais da economia brasileira e buscar compreender sua conexão com as atuais diretrizes fiscais, cabe repassar rapidamente os principais objetivos do ajuste recessivo colocado em prática desde o início do segundo governo Dilma: a recuperação do superávit primário contribuiria para a recuperação das expectativas do mercado, tanto no que tange à inflação quanto ao crescimento. O aumento da poupança pública contribuiria para reduzir o ritmo de aumento dos juros, que não estariam combatendo os efeitos da alta dos preços sozinhos; enquanto isso, a retomada da confiança empresarial reduziria os juros longos, incentivando o investimento e, por consequência, aumentando o crescimento. A contratação fiscal seria expansionista, passando apenas por um curto período recessivo necessário para recuperar a confiança nas políticas de Estado.
Destes objetivos acima listados, aparentemente nenhum caminhou para sua consecução nestes cinco primeiros meses. O ajuste fiscal, prejudicado pela queda de arrecadação decorrente da desaceleração econômica, está em estado terminal: é quase certo que o governo não será capaz de alcançar sua meta de economia de 1,2% do PIB em 2015. A inflação, impulsionada pelo aumento das tarifas públicas e, a partir de março, pela desvalorização do câmbio acumulada nos primeiros meses do ano, certamente romperá o teto da meta e fechará o ano acima de 8%. O crescimento econômico é negativo e as perspectivas de recessão se ampliam, impactando no mercado de trabalho, ocasionando aumento do desemprego e diminuição da renda. As expectativas empresariais não se recuperaram e não param de decair, batendo novos recordes de mínima a cada mês. O setor externo, última esperança de recuperação econômica do governo, parece não reagir à desvalorização cambial e segue com déficits preocupantes nas transações correntes (apesar de plenamente financiáveis pelos investimentos diretos estrangeiros).
Em suma, a única variável que caminha na direção esperada pelo governo é a expectativa de inflação e de juros para 2016, que aponta queda nas previsões, mas sempre sujeitas a alterações dadas as surpresas altistas da inflação ainda em 2015. O custo para essa redução, no entanto, parece estar sendo muito maior que o governo esperava, assim como a duração da recessão que se avizinha.
Resultados fiscais
O resultado fiscal do governo central no mês de março registrou um superávit primário de R$ 1,463 bilhões, revertendo parte do déficit de R$ 7,357 bilhões em fevereiro. Com este resultado, o resultado fiscal do governo central acumulado no ano é positivo em R$ 4,485 bilhões (contra resultado positivo de R$ 14,4 bilhões no mesmo período de 2014), mas permanece negativo no acumulado de doze meses, quando registra déficit primário de R$ 27,3 bilhões, ou 0,49% do PIB.
O ritmo de receitas se mostrou em queda, tendo passado de R$ 86,5 bilhões em março de 2014 para apenas R$ 82,6 bilhões em 2015, mesmo com a ampliação da participação dos impostos indiretos elevados recentemente pelo governo (com destaque para alta do IPI). No acumulado do ano até março, a queda em relação ao mesmo período de 2014 foi de 4,4%.
Do lado das despesas, ocorreu uma redução menos drástica, de 0,8% no acumulado do ano até março. Boa parte da redução das despesas, entretanto, está ligada aos profundos cortes nos investimentos públicos, que apresentaram redução de 26,7% na comparação com o mesmo período de 2014, com o PAC apresentando redução de 32,5% em relação a março de 2014.
Com os resultados atuais, a meta de superávit primário de R$ 55,3 bilhões para o governo central estabelecida para 2015 fica mais distante, em particular dada a queda recorrente dos dados das receitas fiscais.
Já o resultado fiscal do setor público consolidado, que reúne estados, munícipios e empresas estatais, foi de apenas R$ 239 milhões em março, dado o déficit de R$ 1,1 bilhão dos governos regionais e R$ 97 milhões das estatais. No acumulado do ano, o superávit é de R$ 19 bilhões (contra R$ 25,6 bilhões do primeiro trimestre de 2014) e o déficit primário acumulado em doze meses se ampliou de 0,64% para 0,7%. O déficit nominal também aumentou no acumulado de doze meses, passando de 6,83% do PIB em fevereiro para 7,81% do PIB em março.
Este conjunto de dados evidencia uma situação já esperada por alguns analistas: mesmo com um corte pesado nas despesas (concentrada nas despesas de investimentos e gastos sociais), a queda nas receitas não deve possibilitar a obtenção da meta de 1,2% de primário.
Atualmente, os analistas mais otimistas contam com a possibilidade de superávit primário de 0,8% para o final de 2015, desde que sejam aprovadas as MPs enviadas pelo governo acerca da revisão dos direitos trabalhistas e a retirada dos subsídios na folha de pagamentos. Caso a recessão se aprofunde, estas previsões devem se alterar, reduzindo as expectativas de receita e reduzindo o superávit esperado, o que criará uma nova rodada de pressão sobre o governo para maiores cortes no gasto público.
Inflação e política monetária
No campo da inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15) registrou alta de 1,07% em abril, uma queda em relação ao índice e 1,24% verificado em março. O principal item a influenciar o índice permanece sendo o custo da energia elétrica, que subiu 13,02% (decorrente tanto da entrada em cena das novas bandeiras tarifárias, quanto do aumento de tarifas autorizados pelo governo), sendo responsável por 42% da alta do IPCA-15 e 0,45 pontos no índice total.
Com esta elevação, o grupo habitação apresentou aceleração de 2,78% para 3,66%, seguido pela elevação de 1,04% do grupo alimentação e bebidas e 0,94% do grupo vestuário. Com este resultado, o IPCA-15 acumulado em 12 meses foi de 8,22% em abril (maior que o resultado e março, quando o acumulado somava 7,9%), sendo 4,61% apenas no ano de 2015.
Em resposta, o Copom decidiu por uma nova elevação de 0,5% na taxa Selic, elevando-a para o patamar de 13,25%, maior taxa desde dezembro de 2008. Em suas considerações, o Banco Central repetiu o comunicado anterior, deixando em aberto a possibilidade de novas elevações na taxa de juros. A elevação dos juros em meio ponto percentual já era esperada pela totalidade do mercado, após declarações neste sentido por integrantes do Banco Central.
Nossa autoridade monetária está-se valendo de um forte aperto monetário (com evidentes custos sobre os investimentos e sobre o custo da dívida pública, o que deteriora os resultados fiscais nominais) para evitar a propagação dos choques inflacionários decorrentes do aumento de tarifas públicas e da recente desvalorização cambial.
Mesmo assim, as expectativas são que a inflação feche o ano na casa dos 8%, recuando apenas em 2016, quando há uma disputa entre as expectativas do Banco Central (que insiste que a inflação cairá para o centro da meta já em 2016) e do mercado, que ainda projeta inflação próxima a 5,6%, mesmo com todo aperto monetário e fiscal até lá.
Crescimento econômico e mercado de trabalho
No campo do crescimento econômico, o IBC-Br, uma espécie de prévia do PIB calculado pelo Banco Central, apontou expansão da economia brasileira no mês de fevereiro, contrariando a expectativa média dos analistas, que apontavam para queda de 0,2% no indicador. De acordo com os dados divulgados pelo BC, o Brasil apresentou crescimento de 0,36% na atividade econômica em fevereiro, revertendo a queda de 0,11% apresentada no mês anterior, mas ainda não compensando a queda de 0,57% observada em dezembro/2014. No acumulado de doze meses, o IBC-Br apresentou variação negativa de 0,6%, pior que o dado de queda de 0,38% de janeiro.
A média móvel trimestral, entretanto, apresentou alguma melhoria, caindo 2,18% em fevereiro após apresentar queda de 2,7% em agosto. Para o final de 2015, o BC mantém a estimativa de queda de 0,5% do PIB, sendo que o boletim Focus mais recente aponta para queda maior, de 1,01%.
No mercado de trabalho, a taxa de desemprego medida pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE apresentou alta em março, chegando à casa dos 6,2%. No mês de fevereiro, a taxa era de 5,9%, tendo partido de um patamar de 5,3% em janeiro. Em março de 2014, a taxa era de 5%. O aumento da taxa de desemprego em março decorreu em grande medida do aumento da população desocupada, com a demissão de 48 mil pessoas. A População Economicamente Ativa também cresceu neste período, aumentando em 27 mil pessoas.
Do lado da renda, registrou-se queda de 2,8% no rendimento médio habitual de março em relação a fevereiro, com queda de 3% se compararmos ao mesmo mês de 2014. A possibilidade de um aumento expressivo da taxa de desemprego depende do aumento rápido da PEA e da dissolução de acordos coletivos de trabalho no meio do ano, assim como do prosseguimento da crise no setor de petróleo e gás, infraestrutura e construção civil.
Já os índices de confiança apresentaram variação discrepante: na indústria prossegue o processo de deterioração das expectativas, com queda de 3,4% no Índice de Confiança da Indústria (ICI) calculado pela FGV, chegando ao patamar de 72,8 pontos (onde qualquer número abaixo de 100 indica retração). No setor de serviços, no entanto, os resultados da pesquisa de confiança de abril da mesma FGV apresentaram uma evolução no índice, que subiu 4,2% para o nível de 85,9 pontos. Esta melhora se deu em particular pela recomposição dos índices de confiança no futuro, em decorrência do arrefecimento da crise política e do fim do risco de racionamento de energia elétrica.
Via de regra, tanto a confiança dos empresários quanto dos consumidores estão na quadra do pessimismo, batendo recordes negativos similares aos verificados em 2009, durante a crise americana. A recuperação da confiança parece não se realizar somente com o anúncio de uma redução do déficit público, exigindo medidas de recuperação econômica mais sólidas.
Setor externo
O saldo comercial do Brasil com o resto do mundo na terceira semana de abril foi negativo em US$ 240 milhões, resultado de exportações de US$ 3,745 bilhões e importações que somaram US$ 3,985 bilhões. Apesar de apresentar alta na comparação semanal, passando de média diária de US$ 721,9 milhões nas primeiras semanas do mês para média diária de US$ 749 milhões na terceira semana, o volume de exportações apresentou queda na comparação mensal e anual, tendo caído 5% em relação ao mês anterior e passado de média diária de US$ 986,2 milhões em abril de 2014 para apenas US$ 733,2 milhões em abril de 2015, desempenho 25,7% pior. A queda nas exportações alcançou todas as categorias de bens (básicos, semimanufaturados e manufaturados), mas se mostrou mais acentuada nos produtos básicos (queda de 29,4%), dada a queda do preço das commodities nos mercados internacionais.
Já o volume de importações também apresentou redução, mas de menor monta, com queda de 22,8% na comparação com a média diária registrada em abril de 2014. O mais recente resultado ampliou o déficit comercial brasileiro registrado no ano, que alcançou o valor negativo de US$ 5,665 bilhões.
Com estes resultados, o déficit em transações correntes alcançou 4,22% do PIB em março, efeito também da reformulação da metodologia das contas externas feita pelo Bacen, que ampliou o déficit, mas também ampliou o volume de investimentos externos diretos que o financiam.
As perspectivas para o setor externo são de redução gradual do déficit comercial, em decorrência da desaceleração das importações. A esperança de que uma taxa cambial mais desvalorizada incentive as exportações parece ser irreal, dado o cenário internacional de baixo crescimento e a desarticulação de nossas cadeias produtivas, para não falar do recente movimento de revalorização do câmbio, que não aponta uma tendência clara para o futuro e cria incertezas para potenciais exportadores.
Já na balança de serviços, a mudança do patamar no câmbio começa a fazer efeito na conta de viagens internacionais, reduzindo nosso déficit no setor de serviços. Apesar desta leve melhoria, ainda levará alguns anos para alcançarmos patamares considerados saudáveis de déficit em transações correntes (algo próximo a 3% do PIB) neste atual cenário internacional, devendo até lá sermos financiados pelo IED e em carteira.
Conclusões
Os dados aqui apresentados acerca da economia brasileira apontam para um cenário de recessão, desemprego, inflação alta e poucos avanços na redução do déficit público (na realidade, o que se observa é uma expansão do déficit nominal, dada a elevação dos juros). A promessa de que todos estes fatores se reverterão ainda este ano parece cada vez mais distante, sendo quase certo que este quadro negativo se manterá até o final de 2015.
Já para 2016, na ausência de mudanças na estratégia de política econômica atual, não parece haver nenhum fator de reversão estrutural do ciclo recessivo que adentramos, com o setor externo ainda bastante enfraquecido (a revalorização do real, dada a elevação dos juros doméstica e a manutenção dos juros americanos, joga por terra qualquer expectativa de recuperação econômica pela via das exportações), e a demanda interna claudicante, dado o aumento do desemprego, a diminuição da renda e dos investimentos autônomos.
A sinalização de um pacote de infraestrutura, no regime de concessão pública, parece ser a única boa notícia que pode incitar algum aumento de confiança nos empresários, mas diante da fragilização das principais empreiteiras nacionais é de se questionar a viabilidade de tais obras.
De positivo, resta a certeza de que 2016 apresentará uma taxa de inflação menor que 2015, assim como uma reversão na trajetória de alta dos juros. Esta reversão, se combinada com a manutenção da desvalorização cambial e uma expansão rápida dos investimentos privados (nacionais ou estrangeiros) pode, em tese, retirar a economia de sua trajetória recessiva, apesar de todos os dados estarem hoje apontando para a direção oposta.
O mais provável, porém, é que 2016 apresente baixo crescimento, alto desemprego e inflação mais próxima ao centro da meta, um cenário que em nada ajuda na construção de um projeto de desenvolvimento mais inclusivo e igualitário.