Maryse Farhi
Professora doutora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas.
Daniela Magalhães Prates
Professora associada do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Passados mais de sete anos do início da crise financeira global em meados de 2007, a economia internacional está muito longe de mostrar sinais de recuperação sustentada. Por vários anos, as instituições multilaterais reiteraram seu otimismo, que tal recuperação estava próxima, embora apontassem acentuados riscos para sua concretização. Estas instituições foram sendo confrontadas com a realidade de uma economia internacional sem dinamismo. O fato mais notável dos recentes relatórios e pronunciamentos dos dirigentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é a maior cautela e a mudança de postura frente às perspectivas econômicas de médio prazo.
Assim, não é por acaso que o relatório de outubro de 2014 do FMI foi intitulado “Heranças, Nuvens, Incertezas”. A hipótese mais admitida, agora, é que a economia internacional pode continuar enfrentando período prolongado de baixo crescimento.
Esta hipótese esteve na base das discussões econômicas da reunião do G20 na Austrália em novembro de 2014. Os líderes das principais economias mundiais anunciaram a adoção de reformas, que, segundo a OCDE, poderiam acrescentar US$ 2 trilhões à economia mundial, 2,1% anuais à taxa de crescimento em cinco anos e criar milhões de novos postos de trabalho. Estas medidas foram acolhidas com grande ceticismo devido à acentuada divergência das políticas macroeconômicas, notadamente a insistência dos países da área do euro de prosseguir na contração fiscal e da oposição da Alemanha a uma política monetária expansionista semelhante à praticada nos EUA, Japão e Inglaterra.
Cronologicamente, o primeiro a apontar a possibilidade de, passada a crise, o mundo enfrentar um prolongado período de baixo crescimento, foi Mohamed El-Erian, à época executivo chefe da PIMCO, maior gestora de recursos do mundo. Em maio de 2009, ele cunhou a expressão “novo normal” para definir as perspectivas econômicas após a crise.
O “novo normal” se caracterizaria por baixo crescimento, elevado desemprego, quedas nas rendas do trabalho e do capital e dívidas públicas elevadas. Segundo ele, tal período estender-se-ia por três a cinco anos. Seu raciocínio baseava-se na perspectiva de que são necessários muitos anos para que uma economia se recupere totalmente de um período de excessiva alavancagem financeira, endividamento extremo, acúmulo irresponsável de risco e imensa ampliação de crédito.
Os fundamentos analíticos desta definição foram desenvolvidos por Reinhart e Rogoff e por Spence, prêmio Nobel de economia. De acordo com El Erian “inicialmente, o conceito provocou controvérsias. Muitos optaram por ignorá-lo, por achar que era excessivamente pessimista e não levava em conta recuperações cíclicas historicamente robustas. Outros consideraram o conceito fatalista demais, dizendo que a política anticíclica não usual, incluindo grandes pacotes de incentivos governamentais, bem como “medidas não convencionais” dos bancos centrais combinando taxas de juros excepcionalmente baixas e compras diretas de títulos públicos, poderiam impedir sua erupção. Infelizmente, ambas as críticas estavam erradas”.
Em novembro de 2013, num discurso em homenagem a Stanley Fischer na Organização das Nações Unidas (ONU), foi a vez de Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro americano, ressuscitar o conceito de “estagnação secular” para descrever essa configuração.
A diferença entre sua abordagem e a de El-Erian é que Summers focaliza a queda do nível das taxas de juros reais como principal fator explicativo para a impossibilidade de manter, concomitantemente, um alto nível de crescimento e estabilidade financeira.
Nesta análise, a criação de uma espiral de “deflação de dívidas” é considerada uma possibilidade. A descrição do ciclo vicioso que recebe este nome se deve a Irving Fisher, conhecido por sua abordagem quantitativista da moeda, que posteriormente deu origem à teoria monetarista. Ele descreve a íntima relação entre o colapso dos mercados financeiros, os efeitos devastadores da relação entre a deflação de preços dos ativos e a queda dos preços das mercadorias, o processo de desalavancagem das famílias e das empresas e a contração da atividade econômica. Fisher aponta os fatores que se encadeiam e interagem uns com os outros em condições de excesso de endividamento e deflação de preços dos ativos e dos bens e levam a economia a uma insuficiência crônica de demanda.
O relatório de outubro do FMI (IMFa, 2014) enfatiza os riscos de médio prazo associados ao baixo potencial de crescimento e à “estagnação secular” nas economias de alta renda. Logo após a conferência de lançamento deste relatório, sua diretora executiva, Christine Lagarde, chamou de “nova mediocridade” o atual período em que “embora a economia global continue se recuperando, ela permanece excessivamente frágil e desigual; fraca demais para efetivamente lidar com as dificuldades de 200 milhões de pessoas desempregadas ao redor do mundo”.
As razões da “nova mediocridade” decorreriam do fato que “os países ainda estão lidando com as heranças da crise, incluindo o alto endividamento e desemprego”. Ademais, apontou a existência de “algumas nuvens ameaçadoras no horizonte”, como elevado desemprego e baixas taxas de inflação na área do euro, excessos financeiros se acumulando nos mercados das economias avançadas e riscos de liquidez. Em conclusão, Lagarde apontou que “a economia global está em um ponto de inflexão: pode se arrastar com um crescimento baixo, o “novo medíocre”, ou pode buscar um caminho melhor, no qual políticas arrojadas aceleram o crescimento, aumentam o emprego, e conseguem um novo impulso”.
O FMI defende que as políticas arrojadas para ultrapassar a “nova mediocridade” passam pela elevação do investimento público em infraestrutura. Dadas as atuais circunstâncias de crescimento fraco e taxas reais de juros ultrabaixas, este tipo de projeto pagaria por seus custos e, com isso, reduziria, ao invés de elevar, a dívida pública.
As convicções conservadoras de priorizar a busca de ajuste fiscal, dominantes na área do euro e no partido republicano americano (que acaba de conquistar a maioria nas duas casas do Congresso), são radicalmente opostas a este tipo de política macroeconômica preconizada pelo FMI.
Sem políticas arrojadas, na melhor das hipóteses, “novo normal”, “estagnação secular” ou “nova mediocridade” continuarão, por muito tempo, sendo denominações utilizadas para descrever a evolução da economia mundial. Na pior hipótese, a espiral de deflação de dívidas provocará nova e profunda recessão.
Referência:
IMF (2014 a) Legacies, Clouds, Uncertainties, World Economic Outlook, October 2014 Washington D.C.: International Monetary Fund. Disponível em: http://www.imf.org.