“Não houve uma mudança na estrutura de classes no Brasil”, defende. De acordo com ele, o processo de enfraquecimento da indústria e as terceirizações sob o neoliberalismo colocaram em declínio a classe média, segmento de alta remuneração entre a classe trabalhadora e os proprietários.
Por Igor Felippe | Escrevinhador
O economista Márcio Pochmann, professor titular da Unicamp, avalia que a classe trabalhadora brasileira expandiu no último período e pode comemorar a situação da economia neste 1º de maio. “O Brasil vive uma situação muito diferente do quadro internacional, que discute perdas, desemprego e declínio”, afirma.
Segundo ele, a manutenção de índices baixos de desemprego, o crescimento da economia e a valorização da renda do trabalho em comparação à do capital nos últimos anos colocam o país em um patamar superior na comparação com os países centrais.
O economista destaca positivamente, por exemplo, que os filhos dos mais pobres estão começando a trabalhar mais tarde por conta dos estudos. “Assim, vão entrar no mercado de trabalho com maior qualificação e disputarão vagas melhores”, avalia.
“A nova classe trabalhadora representa mais de 80% da população ocupada”, afirma Pochmann, que tem se dedicado a estudar as mudanças sociais derivadas das políticas econômicas e sociais implementadas com a chegada à presidência de Luiz Inácio Lula da Silva.
A expansão da classe trabalhadora, segundo ele, se deve à queda do desemprego, à política de valorização do salário mínimo e às políticas sociais para os mais pobres. No entanto, o fortalecimento do mercado interno com o estímulo ao consumo embaralhou a compreensão sobre os segmentos sociais.
Pochmann tem combatido a classificação desse segmento social de trabalhadores pobres que melhoraram de renda como “nova classe média”. Esse bloco é formado por trabalhadores, que estavam desempregados ou na informalidade, e que conseguiram um emprego com carteira assinada, a maior parte no setor de serviços, com renda de até dois salários mínimos.
“A nova classe média é uma invenção”, afirma o economista, que lança em maio um novo livro, intitulado “O mito da grande classe média: capitalismo e estrutura social” (Boitempo). Atualmente, ele ocupa a presidência da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. Durante o governo Lula, presidiu o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
“Não houve uma mudança na estrutura de classes no Brasil”, defende. “Existe uma tendência de maior polarização dentro da estrutura social”, afirma o estudioso. Segundo ele, o processo de enfraquecimento da indústria e as terceirizações sob o neoliberalismo colocaram em declínio a classe média, segmento de alta remuneração entre a classe trabalhadora e os proprietários.
De 2003 para cá, 22 milhões de pessoas entraram no mercado de trabalho formal. “É uma ascensão enorme, mas representa um reforço da base da pirâmide social”, explica. Esse segmento é diferente da classe média, que tem capacidade de renda para fazer poupança, consegue pagar por serviços privados de educação/saúde e faz investimentos altos em bens culturais e turismo.
A classe média, formada trabalhadores assalariados com uma renda bastante alta e por proprietários de pequenos negócios, se expandiu no Brasil na década de 50, com o Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek, de acordo com Pochmann. No entanto, passou a encolher nos anos 90 com as políticas neoliberais.
A trajetória da classe média brasileira trilhou um caminho diferente da europeia, onde essa fração lutou ao lados dos trabalhadores pela universalização dos serviços públicos, como educação e saúde. Na França, por exemplo, é comum o filho de um alto executivo estudar na mesma escola de uma balconista de loja.
De acordo com o economista, a classe média brasileira se forjou no conservadorismo e fez uma aliança com os mais ricos, para ter acesso ao “monopólio de oportunidades” dos de cima. O exemplo mais evidente é o acesso ao ensino superior, que até o governo Lula era um privilégio dos ricos e da classe média. Daí vem a rejeição desse segmento ao presidente Lula, que “espetou o nervo” dessa estrutura social brasileira, segundo Pochmann.
A questão central que diferencia, do ponto de vista político, a classe trabalhadora e a classe média é a visão sobre o papel do Estado. Enquanto a classe média rejeita o Estado, que cobraria muitos impostos e não prestaria serviços de qualidade, a classe trabalhadora depende do fortalecimento do sistema público de saúde e educação.
Por isso, a classificação desse segmento que melhorou de vida com as políticas do governo Lula/Dilma como “nova classe trabalhadora” ou “nova classe média” expressa visões ideológicas diferentes sobre o papel político desse imenso contingente populacional.
“Esse segmento que melhorou de renda está em disputa no sentido político. E ainda não está conectado com a agenda de universalização de direitos das organizações dos trabalhadores, que foi assumida pelo governo Lula”, avalia Pochmann.
Assim, a disputa que se abre, que pode ter impactos nas eleições, se relaciona à agenda política que esse bloco vai assumir: da maioria dos trabalhadores que precisa da garantia de direitos pelo Estado ou de uma minoria que rejeita o bem público e opta por serviços privados?
A pergunta que fica é: se a classe média rejeita as políticas dos governos de coalizão liderados pelo PT por questionar a estrutura social, por que Lula e Dilma classificam justamente como “nova classe média” esse segmento que representou a quebra do “monopólio de oportunidades”?
Pochmann não questiona Lula e Dilma e vê razões políticas para essa postura: ambos fazem essa opção para evitar a radicalização política e fortalecer o centro político, enfraquecendo os extremos. Uma nova questão de abre: sem conflitos será possível disputar esse segmento?
O economista está otimista com as perspectivas da economia, especialmente com o bloco de investimentos realizados durante o governo Dilma. Com a vitória da frente ampla que governa o Brasil nas eleições, ele acredita que o país será nos próximos anos a 5º economia do mundo, com o fim da miséria e a consolidação da democracia.