Pedro Rossi*
Nessa semana foi lançado o livro “Política Social, Desenvolvimento e Cidadania” pela Fundação Perseu Abramo, onde se apresentam 22 artigos escritos por 40 especialistas (inclusive esse que vos escreve) sob a organização de Ana Fonseca e Eduardo Fagnani. Esse livro constitui um trabalho de fôlego que discute de forma crítica e propositiva a política social no Brasil em seus vários aspectos. Além do mérito de mergulhar nas especificidades das várias áreas da política social, esse trabalho também busca sublinhar a importância da política social no processo de desenvolvimento econômico.
Em perspectiva histórica, as políticas sociais já estiveram no centro da agenda de desenvolvimento dos países capitalistas centrais, em particular, nas três décadas após o fim da segunda guerra mundial. Nesse período, a construção dos Estados de Bem Estar Social se guiava pelo princípio de que todos devem ter direitos sociais iguais, a despeito das diferenças de renda e riqueza. Nesse contexto, cabia aos Estados Nacionais, por meio de programas universais, garantir o acesso de todos a serviços sociais de qualidade.
Essa ideia foi perdendo força ao longo do tempo e cedeu lugar a uma concepção neoliberal da política social. Nela, o setor privado deve ser o principal responsável pela oferta de serviços sociais, pois esse seria mais eficiente na execução dessa tarefa. As políticas sociais universais, que garantiam o acesso de todos, indiscriminadamente, aos serviços sociais passam a ser rejeitadas e substituídas pelas políticas sociais focalizadas. A “focalização” passou a ser a palavra de ordem na política social recomendada pelas instituições multilaterais. Ao Estado cabe apenas cuidar dos mais pobres, enquanto os demais devem buscar no mercado privado os serviços de saúde, previdência, saneamento,transporte, educação, etc.
As manifestações de junho no Brasil podem ser vistas como sintomas da crise dessa concepção de política social. Elas evidenciam, simultaneamente, o esvaziamento do papel do setor público e o fracasso do setor privado na tarefa de prover os serviços sociais básicos. O resultado é a restrição do acesso a serviços sociais de qualidade àqueles que não têm recursos suficientes para adquiri-los no mercado. Além disso, para alguns casos o setor privado mostrou-se ineficiente na oferta de serviços sociais. Isso porque a natureza dessas atividades difere da produção de mercadorias convencionais e, por isso, a organização de setores estratégicos – como saúde, transporte urbano e educação – em torno da lógica da mercadoria e do lucro mostra-se inadequada.
No caso brasileiro, o processo de distribuição de renda recente foi fundamental para incluir uma parcela da população no mercado consumidor, mas foi insuficiente para garantir os direitos sociais previstos na Constituição de 1988. Em outras palavras, a inclusão social realizou-se pela via dos bens de consumo privados e não pela via dos bens sociais, coletivos e públicos. Portanto, o desafio consiste em munir o Estado da capacidade de garantir o caráter “universal” do acesso aos serviços sociais de qualidade. Para isso, será preciso um amplo debate sobre a importância do gasto social e sobre as formas de financiamento do mesmo. Esse debate não será fácil, pois implica contrariar interesses, redirecionar benefícios e desconstruir privilégios, mas ele será fundamental para um crescimento inclusivo, que não apenas reduza a desigualdade de renda, mas também a desigualdade no acesso aos serviços sociais.
Nesses termos, uma agenda política propositiva deve trazer a política social para o primeiro plano do modelo de desenvolvimento, e tratá-la não apenas como uma agenda de transferências de renda, mas principalmente como um instrumento de expansão da infraestrutura social e de garantia de direitos sociais, na direção proposta pelo livro organizado por Ana Fonseca e Eduardo Fagnani.
Pedro Rossi é Professor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon/UNICAMP)