Fernanda Cosme da Costa*
Em dezembro de 2016 foi instituído o Novo Regime Fiscal pela Emenda Constitucional nº 95. Esta EC estabelece um teto para as despesas primárias, que também são conhecidas como despesas não financeiras e que “corresponde ao conjunto de gastos que possibilita a oferta de serviços públicos à sociedade, deduzidas as despesas financeiras. São exemplos os gastos com pessoal, custeio e investimento” (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2017) ”.
Recentemente, em novembro de 2017, menos de 12 meses de vigência do Novo Regime Fiscal, o Banco Mundial tornou público o relatório denominado: Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil, que contém proposições para o alcance da meta do teto de gastos do Novo Regime Fiscal, e a consequente redução da despesa do Estado brasileiro com as políticas sociais.
O documento é categórico quanto a necessidade reformas que, se não realizadas, podem levar o país ao déficit nas contas públicas e aumento da dívida pública superior ao PIB, o que geraria um colapso pois “tais níveis de desequilíbrio fiscal não seriam aceitáveis para investidores privados e, muito antes disso, gerariam uma fuga de capitais, o que levaria a uma crise macroeconômica” (p. 24).
Dentre as proposições para a educação, chama atenção a proposta de financiamento de matrículas de estudantes pobres em universidade públicas por meio do FIES, por ser este um programa não submetido ao teto de gastos da EC nº 95/2016. Sob a justificativa de que a universidade pública é onerosa e que não atende aos mais pobres, o relatório do Banco Mundial propõe o fim da gratuidade e a concessão de financiamento estudantil e bolsas pelo ProUni[1] para aqueles que não puderem custear os estudos. Segundo o Banco Mundial:
(…) embora os estudantes de universidades federais não paguem por sua educação, mais de 65% deles pertencem aos 40% mais ricos da população. Portanto, as despesas com universidades federais equivalem a um subsídio regressivo à parcela mais rica da população brasileira. (…) O Brasil já fornece esse tipo de financiamento para que estudantes possam frequentar universidades particulares no âmbito do programa FIES. (…) A extensão do FIES às universidades federais poderia ser combinada ao fornecimento de bolsas de estudo gratuitas a estudantes dos 40% mais pobres da população (atualmente, 20% de todos os estudantes das universidades federais e 16% de todos os estudantes universitários no país), por meio da expansão do programa PROUNI. Todas essas reformas juntamente melhorariam a equidade e economizariam pelo menos 0,5% do PIB do orçamento federal (p. 14).
De acordo com Roberto Leher (2017), o relatório do Banco Mundial não corresponde à realidade das universidades brasileiras nas quais:
(…) 66,2% dos estudantes das Federais provém de famílias com renda familiar per capita de até 1 e ½ salários-mínimos. Acima de seis salários mínimos (o que está longe de caracterizar os mais ricos), são aproximadamente 24% dos estudantes. (…) O relatório ignora, de modo político, a força redistributiva das universidades Federais. Conforme o FONAPRACE, 54% dos cotistas da escola pública, pretos, pardos e indígenas com perfil PNAES são mulheres. E a renda per capita familiar das estudantes pardas é de escassos R$ 695,00; das estudantes pretas é de R$ 605,00, dos quilombolas é de R$ 489,00 e dos indígenas aldeados é de R$ 463,00.
No que diz respeito ao ProUni, a sua adoção como política de acesso aos estudantes que não podem custear o financiamento estudantil em universidades públicas é um erro pois as bolsas de estudos ofertadas são uma contrapartida à renúncia tributária concedida pelo Estado brasileiro em favor das instituições de ensino privadas.
Quanto ao FIES, o mesmo não pode ser dito. Este fundo foi criado em 1999 e desde então já atendeu mais de 2,9 milhões de estudantes por meio do financiamento estudantil de matrículas em instituições de ensino privadas, que tiveram lucros superiores a 400% (TCU, 2016). E ainda que,
(…) por óbvio que não se pode atribuir exclusivamente ao Fies a grande evolução observada nos ganhos auferidos pelas instituições de ensino superior privadas, tampouco pretende-se deslegitimar o lucro obtido em atividades empresariais regularmente constituídas, de acordo com a legislação vigente. Entretanto, não se pode também desconsiderar a importância do Fies para o crescimento do setor privado que explora as atividades de ensino superior no país (idem, ibidem).
Quanto a origem dos recursos do FIES, estes são provenientes da emissão de Certificado Financeiro do Tesouro Nacional (MEC, 2017), que por sua natureza contribui para o aumento da dívida pública. Este é inclusive um cenário criticado pelo Novo Regime Fiscal e pelo próprio Banco Mundial.
Este fato sobre o FIES torna possível afirmar que o financiamento estudantil enquanto proposição de acesso dos estudantes pobres a universidade pública irá aumentar o volume de certificados do tesouro emitidos. Tal situação impacta diretamente a dívida pública do país, contribuindo para o seu aumento. Desta forma, é possível afirmar, sem sombras de dúvidas, que esta estratégia de acesso dos estudantes pobres ao ensino superior é benéfica, primeiramente para os investidores, restando aos estudantes pobres o endividamento.
REFERÊNCIAS
BANCO MUNDIAL. Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Volume I: Síntese. Novembro de 2017. Disponível em: http://documents.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/Volume-I-s%C3%ADntese. Acesso em: 11 dez. 2017.
LEHER, Roberto. Correio da Cidadania. Banco Mundial: ajuste regressivo e antidemocrático. 28/11/2017. Disponível em: http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12966-banco-mundial-ajuste-regressivo-e-antidemocratico. Acesso em: 11 dez. 2017.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Superior. Fundo de Financiamento Estudantil. Prestação de Contas Ordinárias Anual. Relatório de Gestão do exercício de 2016. Março, 2017. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=66631-relatorio-gestao-fies-exercicio-2016-pdf&category_slug=junho-2017-pdf&Itemid=30192. Disponível em: Acesso em: 11 dez. 2017.
PREFEITURA DE SÃO PAULO. Portal da Transparência. Glossário. Despesa Primária. 2017. Disponível em: http://transparencia.prefeitura.sp.gov.br/Lists/Glossario/DispForm.aspx?ID=83. Acesso em: 11 dez. 2017.
PRESIDENCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Emenda Constitucional Nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm. Acesso em: 11 dez. 2017.
SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL (STN). Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE). Programa de Financiamento Estudantil -FIES. Novembro de 2016. https://contas.tcu.gov.br/etcu/ObterDocumentoSisdoc?seAbrirDocNoBrowser=true&codArqCatalogado=12582452&codPapelTramitavel=57191067. Acesso em: 11 dez. 2017.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão: 3001/2016–TCU. Relatório de Auditoria. Disponível em: file:///E:/011.884-2016-9%20_FIES_auditoria.pdf. Acesso em: 11 dez. 2017.
[1][1] O Programa Universidade para Todos (ProUni) é um programa do Ministério da Educação, criado em 2004, que oferece bolsas de estudo, integrais e parciais (50%), em instituições particulares de educação superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior (MEC, 2017, p. 1).
* Pedagoga no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro – IFRJ