O Brasil ficou ausente das cadeias globais de produção, nutrindo-se da ilusão das commodities, o que concorreu para valorizar sua moeda e jogar a indústria em um atraso ainda maior
Julio Gomes de Almeida* | Publicado originalmente no Jornal Brasil Econômico
Rapidamente, a indústria brasileira passou de uma situação em que proliferavam instrumentos que lhe moldavam o ciclo econômico para uma situação em que praticamente não existem mecanismos anticíclicos e, ao contrário, apresentam-se fatores novos que tornam praticamente inesgotável a desorganização do setor nesta entrada de 2015. Segundo os últimos resultados da pesquisa industrial do IBGE, a queda da produção no período janeiro-março deste ano chegou a 5,9%, um índice que só encontra paralelo em 2009 sob os efeitos da crise global.
Como se sabe, a crise industrial brasileira vem de longa data, pelo menos desde a crise da dívida externa que atravessou os anos 1980 e não foi resolvida com a estabilização da economia, e nem com os benefícios de um contexto de comércio exterior favorável às commodities durante os anos 1990 e 2000. Neste percurso, o mundo em desenvolvimento inseriu-se de forma vantajosa nas cadeias globais de produção e promoveu políticas ativas de crédito, de incentivos e de inovação para constituir amplos setores “novos” que viriam a brilhar em seus processos de industrialização, a exemplo do complexo eletroeletrônico. O Brasil ficou ausente desse quadro, nutrindo-se da ilusão das commodities, o que concorreu para valorizar sua moeda e jogar a indústria em um atraso ainda maior.
No período mais recente, o impasse industrial brasileiro ganharia uma etapa nova. Latente desde muito antes pela longa valorização da moeda e pelos conhecidos problemas de nossa estrutura tributária, de nosso padrão de financiamento e de nossa infraestrutura, este impasse se apresentaria de forma dramática quando da crise mundial de 2008. Esta restringiu mercados de bens industriais, sobretudo nos países desenvolvidos, e levou a uma concorrência muito maior por mercados mais dinâmicos, dentre os quais o mercado brasileiro, cuja produção, no entanto, perdera competitividade.
Foi nesse contexto que a política econômica municiou-se de diversos expedientes através dos quais procurou minimizar os efeitos da crise global sobre a indústria, inicialmente com sucesso pleno, mas, crescentemente, com êxito apenas parcial e cadente. Sem que o crescimento global voltasse ao nível pré-crise e sem qualquer iniciativa interna importante para restaurar a competitividade perdida por décadas, o desgaste da política industrial revelou-se inevitável.
Entre 2011 e 2012 já era claro que o dinamismo industrial anterior à crise de 2008 se esgotara pela integral absorção dos incentivos públicos pelas importações. Nesses anos, a produção industrial praticamente não cresceu, como em 2011, ou registrou queda, ainda que modesta, em 2012 (-2,3%). No ano seguinte voltaria a crescer (2,2%), turbinada por redobrados incentivos, mas o processo não se sustentou em 2014, quando a produção cai 3,2%, decretando o término dos efeitos positivos dos incentivos da política industrial.
O ano de 2015 inaugura um momento em que não apenas os incentivos já não funcionam, como novos fatores de declínio industrial vieram a se somar aos pré-existentes: as expectativas empresariais pioram ainda mais diante da recessão e da perspectiva de ajuste da economia, os investimentos públicos cedem fortemente como condição também do ajuste, o crédito para financiamentos longos é restringido e a demanda de bens duráveis colapsa pela conjugação do pessimismo das famílias, que temem o desemprego, com a reticência dos bancos em fornecer novos créditos para a compra de duráveis.
Sem limites para cair, os segmentos mais sensíveis da indústria — vale dizer, bens de capital e bens de consumo duráveis, os dois setores que mais prontamente respondem às expectativas futuras e ao crédito — regridem sua produção em respectivamente 18% e 16% no primeiro trimestre do corrente ano. Correndo por fora, mas crescentemente influenciado adversamente pela queda da ocupação e do rendimento real da população, o setor de bens não-duráveis acusa declínio correspondente à média da indústria. Neste contexto, apenas o segmento de bens intermediários, por enquanto, amortece a intensa regressão da indústria brasileira, com queda de 2,8%.
* – Julio Gomes de Almeida é professor do Instituto de Economia da Unicamp e membro da Plataforma Política Social.