SOS estatais

Diogo R. Coutinho* | Publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo

 

Tanto a grave crise pela qual passa a Petrobras, como o racionamento de água por parte da Sabesp, em São Paulo, suscitam, para além de grande indignação e perplexidade, uma imprescindível reflexão sobre a missão e o controle democrático das empresas estatais.

Se a corrupção e a escassez de água são a face visível de um momento agudo de crise, a falta de transparência e a incapacidade de planejamento nas empresas estatais são suas faces invisíveis, das quais pouco se fala.

As estatais –total ou parcialmente controladas pelo Estado– têm presença relevante em todas economias do planeta, sem exceção. Embora em menor número, elas estão hoje mais fortes do que nunca.

Das 100 maiores multinacionais do globo, 19 são estatais. Cerca de 10% das maiores empresas do mundo são estatais. Os países industriais desenvolvidos possuem um grande número de empresas detidas ou controladas pelo Estado.

No âmbito da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), juntas, elas empregam 6 milhões de pessoas. Nos países ditos emergentes, elas são um terço das maiores empresas.
No Brasil, as empresas estatais estão sempre na pauta das mais importantes instituições do país, como o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, os ministérios e os Tribunais de Contas.

Com a Emenda Constitucional 19, foi prevista a criação de um estatuto jurídico da empresa estatal. Tramita no Congresso, por causa disso, o projeto de lei complementar nº 207/09. Esse projeto representa uma valiosa oportunidade de discussão, uma vez que propõe uma série de modificações no regime jurídico dessas empresas. Paradoxalmente, ele pouco tem sido discutido neste momento crítico.

Apesar dos ganhos trazidos pela implementação recente de mecanismos de controle interno (como práticas de governança corporativa no mercado de capitais) e externo (como a atuação crescente dos Tribunais de Contas), o que se nota é que as estatais ainda não conseguem, no desempenho de sua missão, dialogar com a sociedade brasileira com o devido grau de transparência e participação social.

Tampouco conseguem planejar seus investimentos e ações estratégicas de longo prazo de forma consistente e sustentada, o que implica uma boa dose de ajustes ao longo do caminho, assim como o reconhecimento de que as estatais são, na prática, muito heterogêneas.

As empresas estatais são uma ferramenta importante à disposição da sociedade brasileira. São um instrumento constitucional que não pode ser desmobilizado, seja por privatizações açodadas, seja por soluções de emergência que de forma burocrático-formal paralisem suas ações e comprometam seu papel de protagonistas em vários setores-chave para o desenvolvimento.

As estatais demandam um regime jurídico que lhes dê capacidade de ação efetiva e possibilidades de prestação de contas e responsabilização na implementação de projetos devidamente referendados pela sociedade brasileira.

É imperioso que o projeto do estatuto das estatais seja o quanto antes objeto de debate publico, e que discutamos e acompanhemos sua votação. As empresas estatais estão, mais do que nunca, vocacionadas para um projeto de nação e seu histórico no país confirma isso.

É preciso reinventar o planejamento democrático e transparente. Essa tarefa grandiosa não será viável sem a reinvenção das estatais.
* – DIOGO R. COUTINHO, 40, é professor da Faculdade de Direito da USP.