Amilton J. Moretto
Com a definição da nova equipe econômica que assumira o comando no novo governo da presidenta Dilma Roussef e a clara definição de que serão feitos cortes nos gastos públicos com o objetivo de se obter um superávit primário, um dos cortes a ser feito é no seguro desemprego.
Aliás, a atual equipe econômica já tem demonstrado incômodo com a elevação do gasto do seguro desemprego num momento em que o desemprego está em queda. De fato, uma das contradições do caso brasileiro é o fato de a economia na década de 2000 ter crescido gerando novos empregos, reduzindo o nível de desemprego e, apesar disso, o número e o montante do gasto com seguro desemprego ter crescido.
O mistério desse comportamento atípico encontra-se nas características do mercado de trabalho brasileiro, marcado, desde sempre, por elevada rotatividade do trabalhador. Ou seja, a facilidade de contratar e demitir o trabalhador – mesmo aquele com registro em carteira de trabalho ou emprego formal – leva o empregador a fazer o ajuste via redução de pessoal sempre que seu faturamento cai.
Dessa forma, o crescimento da economia nos anos 2000 levou a retomada da geração de novos empregos e a formalização dos empregos existentes, foi acompanhado pelo crescimento do número de trabalhadores que passaram a receber o beneficio do seguro desemprego. Isso porque, um maior número de trabalhadores com emprego formal ampliou o número de trabalhadores que passaram a adquirir o direito de receber o benefício no momento em que o mesmo for demitido sem justa causa pelo empregador. Como a taxa de rotatividade do mercado de trabalho não diminuiu, o resultado foi que o ritmo de crescimento de beneficiários do seguro desemprego acompanhasse o aumento do emprego formal, fazendo com que a relação entre beneficiários e empregados se mantivesse estável no período em torno de 18% (ver gráfico).
Apesar desse fato, o aspecto geralmente ressaltado como fator que dificulta a redução dos gastos com o pagamento do benefício é a fraude. Esta ocorre quando o trabalhador que recebe o benefício encontra um emprego e “negocia” com o empregador sua contratação sem o registro formal do vínculo de trabalho. Neste contexto, além de receber indevidamente o benefício, o que corresponde a um gasto que não deveria ocorrer, implica na não arrecadação da receita que irá financiar o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Tem-se, portanto, um duplo problema, além de drenar os recursos públicos com o pagamento do benefício que não deveria ser pago, sonega-se os recursos que iriam compor o fundo para garantir recursos no momento futuro.
É fato que o gasto com o seguro desemprego cresceu – assim como o Abono Salarial – devido ao aumento do número de beneficiários e também pela política de valorização do salário mínimo. Também é certo a ocorrência de fraudes no recebimento do benefício. O fato é que não parece lógico querer restringir o acesso ao benefício do seguro desemprego como meio para se reduzir gastos, da mesma forma que não se pode combater uma infecção simplesmente medicando um anti-térmico contra a febre.
Torna-se importante discutir de forma ampla em como aprimorar a política de proteção à renda do trabalhador desempregado sem que isso signifique penalizar o trabalhador. Além de se fortalecer o monitoramento do beneficiário do seguro desemprego, inibindo o comportamento oportunista, é preciso criar desincentivos ao empregador que compactua com a fraude para se beneficiar do não pagamento dos encargos sociais.
Portanto, o enfrentamento do problema do crescimento do gasto com seguro desemprego passa, a nosso ver, pelo aprimoramento das regras do programa, mas também pelo fortalecimento do sistema de fiscalização do trabalho edas normas que regulam a contratação e demissão do trabalhador. Há no Congresso Nacional uma proposta para criação do Sistema Único do Trabalho. Pode ser uma boa oportunidade para a sociedade, os trabalhadores, empregadores, os representantes eleitos e o governo discutirem com maior profundidade a questão do seguro desemprego, do abono salarial e outras questões importantes referentes ao mundo do trabalho.
Estabelecer o gasto com seguro desemprego e do abono salarial como sendo um gasto que pode ser reduzido para se atingir a meta do superávit primário, além de impopular, nos parece inócua. Não se pode esquecer que 20% da arrecadação do FAT é desvinculada para o caixa da União, o que significa que o trabalhador já contribui para o superávit. Se o gasto com o seguro desemprego está elevado num momento de baixo desemprego, e não discordamos desse fato, torna-se importante buscar a redução desse gasto por meio da correção das causas que levam a isso e não somente reduzindo a renda do trabalhador que foi demitido.