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Os mais de 11 anos do governo petista no Brasil resultaram em mudanças no desenvolvimento nacional e na possibilidade de recomposição do mercado de trabalho, sobretudo quando se levam em conta as estratégias de valorização do salário mínimo, certo aumento na formalização do mercado de trabalho e a redução de desigualdade de renda corrente. Os apontamentos são do professor Claudio Salvadori Dedecca, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
Apesar dos avanços, Dedecca considera que estamos diante de um momento crítico. “A expansão futura da produção, do emprego e da renda está dependente da ativação dos investimentos em nível mais elevado e de modo sustentável. Neste sentido, o país se encontra em um momento decisivo, crítico, pois uma trajetória futura de crescimento com redução da desigualdade dependerá do padrão de investimentos que ele conseguir estabelecer nos próximos anos”, avalia.
De acordo com o professor, há certo desequilíbrio no tratamento das políticas econômicas nacionais, o que leva o Estado a privilegiar aspectos fiscais e monetários em detrimento de uma política do trabalho mais efetiva. “A maioria dos economistas crê que o crescimento depende do bom manejo das políticas econômicas básicas (fiscal, monetária e cambial), dando pouca ou nenhuma importância às políticas setoriais, sociais, de inovação e de trabalho. De fato, precisamos ter virtuosidade na condução das políticas fiscal, monetária e cambial.
Porém, não serão elas que poderão viabilizar um crescimento mais acelerado com redução da desigualdade”, considera. Além disso, aponta a timidez de avanços na relação governo—movimento sindical. “Após o naufrágio da malfadada reforma sindical e a aprovação do acordo social que viabilizou a política de valorização do salário mínimo, o governo abandonou as iniciativas de políticas de emprego, qualificação e renda”, frisa. “Ao aprisionar governo, oposição e atores sociais, o debate político se empobrece, característica que promete dominar as eleições de 2014. Neste sentido, sou pessimista de que venhamos a superar a situação crítica em que se encontram o debate e as iniciativas em favor de um desenvolvimento com redução da desigualdade para o país”, complementa.
Claudio Salvadori Dedecca é professor do Instituto de Economia da Unicamp. Possui graduação, mestrado e doutorado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas. Dentre outros, é autor de Trabalho e Gênero no Brasil: Formas, Tempo e Contribuição Sócio-Econômica (Brasília: UNIFEM – ONU, 2005) e Racionalização e Trabalho no Capitalismo Avançado (Campinas: Unicamp – IE, 1999).
Nota: A presente entrevista foi publicada pela revista IHU On-Line, no. 441, cujo tema de capa é “Governos Lula e Dilma e o mundo do trabalho doze anos depois” e disponível nesta pagina.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é o balanço dos governos Lula e Dilma quando se pensa o mercado de trabalho brasileiro? Quais são as suas principais características?
Claudio Salvadori Dedecca – Em geral, o resultado deve ser considerado como positivo. O país havia iniciado o século sob uma perspectiva pessimista quanto ao futuro do mercado nacional de trabalho. A situação de elevado desemprego e o incremento da informalidade eram considerados como processos naturais em um mundo crescentemente globalizado. Os governos de Lula e Dilma romperam esta perspectiva, recolocando a importância do desenvolvimento nacional e a possibilidade de recomposição do mercado de trabalho.
Além disso, consolidaram a estratégia de valorização do salário mínimo com a realização de um acordo social em 2006, que se traduziu em uma lei aprovada em 2011. A reativação da economia interna, a elevação do nível de emprego e a política de valorização do salário mínimo propiciaram um mercado de trabalho mais enxuto e menos informal e, pela primeira vez no país, uma redução da desigualdade de renda corrente em um período de crescimento econômico. Ao longo dos dois governos, a sociedade brasileira reconquistou confiança em si própria, quanto à possibilidade de estabelecer um desenvolvimento com enfrentamento da desigualdade e da pobreza, secularmente presente no país.
IHU On-Line – Onde se registram os avanços mais significativos?
Claudio Dedecca – Os maiores avanços são registrados na ativação de políticas públicas em favor do desenvolvimento, em lugar da crença, vigente nos anos 1990, de que os mercados dariam conta dos desafios que o Brasil necessita enfrentar. Nos primeiros anos da década passada, a economia brasileira foi favorecida pelo ciclo de crescimento internacional associado à valorização das commodities. O governo Lula ampliou os efeitos externos sobre a renda interna com condução de políticas públicas orientadas para o fortalecimento da produção e da renda internas. Esta estratégia foi fundamental para capacitar o país no enfrentamento da crise internacional em 2008. Enquanto vários países enfrentavam a explosão do desemprego e do aumento da desigualdade, o Brasil pôde, embasado nas políticas de produção e renda internas, sustentar a atividade produtiva, dar continuidade às políticas de renda e manter a trajetória de redução do desemprego e da informalidade.
IHU – O senhor destacaria alguma medida em especial que induziu mudanças significativas no mercado de trabalho?
Claudio Dedecca – A política de salário mínimo cumpriu papel fundamental na evolução das baixas remunerações e na redução da desigualdade de renda corrente no mercado de trabalho e também das famílias. Ao longo dos 75 anos de vigência do salário mínimo, que serão completados em 2015, somente nos governos Lula e Dilma ele foi objeto de uma política pública que garantiu sua valorização contínua. Até 2006, a valorização do salário mínimo esteve dependente de decisão política de governo, o que explica sua trajetória errática e seu baixo valor nas seis primeiras décadas de sua vigência. A política de valorização do salário mínimo foi concebida como instrumento de proteção das baixas remunerações, mas também como instrumento de fortalecimento do consumo e da produção, isto é, do crescimento. Pela primeira vez, a sociedade brasileira reconheceu que a valorização do salário mínimo tem a capacidade, de um lado, de reduzir a desigualdade de renda corrente e, de outro, de lastrear o crescimento. Em outras palavras, que uma política de renda é instrumento valioso para o crescimento com desigualdade.
IHU On-Line – Quais são os limites e as potencialidades dos avanços? Onde se poderia ter progredido e onde houve recuo?
Claudio Dedecca – Do meu ponto de vista, os elementos que permitiram o crescimento da economia brasileira entre 2005 e 2010 podem sustentar uma taxa ao redor de 2,5% ao ano, mas são incapazes de levá-la a um patamar mais elevado. O crescimento passado esteve lastreado fundamentalmente no consumo e em capacidades produtivas, tecnológicas e humanas existentes, o que explica um crescimento alicerçado desproporcionalmente no setor terciário e acompanhado por um incremento lento da produtividade. A expansão futura da produção, do emprego e da renda está dependente da ativação dos investimentos em nível mais elevado e de modo sustentável. Neste sentido, o país se encontra em um momento decisivo, crítico, pois uma trajetória futura de crescimento com redução da desigualdade dependerá do padrão de investimentos que ele conseguir estabelecer nos próximos anos. Para tanto, é fundamental que tenhamos planejamento e estratégia para as políticas públicas, superando a visão de curto prazo que hoje as contaminam. Poderíamos ter progredido na definição de uma estratégia de crescimento. Acabamos perdendo um tempo valioso ao não encaminhar este desafio.
IHU On-Line – É possível apontar mudanças substanciais no mundo do trabalho? Como estava antes do PT e como está atualmente a estrutura ocupacional brasileira?
Claudio Dedecca – Gostaria de tratar do futuro, mesmo correndo o risco de errar em razão das incertezas que ele carrega. As alterações mais substantivas no mercado de trabalho dependerão da manutenção das políticas públicas em favor do emprego e da renda, as quais necessitam ser incorporadas como parte de uma estratégia de um padrão de investimento nos próximos anos. Somente com uma mudança na estrutura produtiva que valorize os setores com maior densidade tecnológica e maior contribuição social poderemos romper a estrutura ocupacional concentrada na baixa renda e na baixa qualificação predominante em nosso mercado de trabalho. É fundamental que a dinâmica econômica migre para os setores que demandem força de trabalho de maior qualificação e que tenham uma dinâmica consistente de aumento de produtividade. Para tanto é preciso mapear quais os setores produtivos que interessam ser desenvolvidos para um crescimento com redução da desigualdade socioeconômica e como eles requerem a ativação das políticas públicas consideradas decisivas para a consolidação deste desafio. Estamos atrasados nesta empreitada. A maioria dos economistas crê que o crescimento depende do bom manejo das políticas econômicas básicas (fiscal, monetária e cambial), dando pouca ou nenhuma importância às políticas setoriais, sociais, de inovação e de trabalho. De fato, precisamos ter virtuosidade na condução das políticas fiscal, monetária e cambial. Porém, não serão elas que poderão viabilizar um crescimento mais acelerado com redução da desigualdade. Este processo depende da ativação das políticas públicas de longo prazo, ou melhor, as setoriais, sociais, de inovação e de trabalho. Não me parece ser importante debater a situação antes do PT, quando o grande desafio era conseguir fazer com que o governo atual deixe de ser prisioneiro da política de curto prazo.
IHU On-Line – Quais são os principais problemas estruturais a serem enfrentados no mercado do trabalho brasileiro?
Claudio Dedecca – Como já apontado, crescemos a partir das capacidades produtivas, tecnológicas e humanas que o país possuía. Os investimentos realizados permitiram alguma atualização destas capacidades, mas não transformaram a base produtiva ou o mercado de trabalho. Nossa estrutura produtiva e nosso mercado de trabalho são duas faces de um mesmo processo socioeconômico, que se encontra lastreado no trinômio da baixa incorporação tecnológica, baixa qualificação produtiva e ocupacional e baixa produtividade. É impossível desenvolvermos o país com base neste trinômio. Como apontado, sua superação dependerá do padrão de investimentos que o país consiga consolidar nos próximos anos.
Não é qualquer padrão de investimentos que tem capacidade de compatibilizar crescimento com geração de emprego e redução da desigualdade. Portanto, é fundamental, mesmo que tardiamente, que o governo e a sociedade estabeleçam que padrão de investimento lhes interessa, considerando que configuração socioeconômica desejam para o país daqui a 20 anos.
IHU On-Line – Como o senhor vê a relação dos governos Lula e Dilma com o movimento sindical brasileiro?
Claudio Dedecca – Penso que poderiam ter tido uma conduta ativa em relação ao movimento sindical. Após o naufrágio da malfadada reforma sindical e a aprovação do acordo social que viabilizou a política de valorização do salário mínimo, o governo abandonou as iniciativas de políticas de emprego, qualificação e renda. Desde 2007, os governos consideraram que o Ministério do Trabalho e Emprego não joga papel relevante na definição das políticas públicas orientadas para o desenvolvimento do país. Ao Ministério foi dado um papel passivo, servindo a instituição de moeda de troca nos acordos políticos realizados pelo governo para obtenção de maioria parlamentar. Coordenador do Fundo de Apoio ao Trabalhador e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o Ministério do Trabalho poderia ter desenhado alternativas de utilização dos recursos do fundo em favor de um padrão de investimento favorável ao emprego e aos salários. Neste esforço, poderia envolver os sindicatos em uma discussão sobre estratégia de desenvolvimento. Infelizmente nada fez sobre o assunto, ficando prisioneiro do “rame-rame” cotidiano das tarefas institucionais. Ter desconsiderado o Ministério do Trabalho em sua estratégia política foi um grande equívoco do governo Lula, reproduzido pelo governo Dilma.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?
Claudio Dedecca – Por incrível que pareça, o aprisionamento pelas questões de curto prazo e pelo crescimento passado não se constitui em uma situação restrita ao governo Dilma. Ela também atinge os partidos de oposição e as representações patronais e dos trabalhadores, que nada ou pouco têm a dizer sobre questões estratégicas para o desenvolvimento brasileiro. Ao aprisionar governo, oposição e atores sociais, o debate político se empobrece, característica que promete dominar as eleições de 2014. Neste sentido, sou pessimista de que venhamos a superar a situação crítica em que se encontram o debate e as iniciativas em favor de um desenvolvimento com redução da desigualdade para o país.