Um olhar sobre a América

Roberto Saturnino Braga*

Trata-se do meu olhar, impregnado pelas minhas idéias e pelos meus interesses. Não acredito na “objetividade” dos cientistas; sou um velho político brasileiro, com engajamentos e projeções próprios desta condição.

Quero olhar para a América porque é o meu continente, a parte do mundo onde vivo e cogito, é o Novo Mundo envelhecido que eu vejo agora em rebrotação ao sul. E também por outras razões falo da América: a Europa persiste em desanimador compasso de espera, a promessa do socialismo francês feneceu, a Alemanha impõe o padrão exigido pelos seus bancos; o Oriente Médio inspira um pressentimento de tragédia e a África começa a florescer mas ainda muito atrás. Restam os BRICS, uma importante e promissora parte do mundo onde o Brasil se está inserindo, mas inserindo agora; na América ele já está, desde sempre. Por isso olho para a América.

Então vamos: começo pelo Canadá, um gigante gelado, com um nível de vida elevado e admirável, mas completamente atrelado aos Estados Unidos; é um quintal próspero e paga o seu preço: chegou ao ponto de participar agora da insensatez da agressão armada norteamericana no Oriente Médio. O México é a outra grande nação atrelada, ao sul; vive um momento dramático de deterioração e parece ter somente uma perspectiva de futuro: pedir a anexação formal à grande federação do Norte e eleger deputados para buscar no Capitólio recursos para a sua restauração. A América Central e o Caribe seguem seu destino igualmente atrelado ao grande poder do Norte, com exceção de Cuba, uma revolução há muito estacionada, e da Nicarágua, com uma história admirável mas difícil de busca de autonomia.

No continente americano, então, a expectativa da História só encontra razões para uma atenção de destaque nos Estados Unidos, a maior potência econômica e militar de todos os tempos, e no conjunto de países da América do Sul, em fase de mútua e crescente aproximação com vistas a um destino próprio.

Os Estados Unidos não vivem um momento histórico feliz. Depois de uma eleição tão auspiciosa do primeiro Presidente negro, logo agraciado com o Nobel da Paz, o país não conseguiu se desvencilhar das atribulações militares no Oriente Médio, iniciadas com a política de Bush e alastradas em sucessivas intervenções que vão criando sempre novos inimigos, cada vez mais radicais e realimentados no ódio. Não há esperança de alívio no horizonte, nem para os americanos nem para o seu maior aliado na região, que é Israel, entre os quais têm surgido, aliás, atritos antes inexistentes.

A situação política interna tampouco é animadora nos Estados Unidos: a radicalidade do confronto com os republicanos prossegue, com tendências que apontam para tempos de endurecimento à direita nas políticas internas e externas. As eleições recentes, com a derrota arrasadora do Presidente Obama, mostraram essa tendência com clareza meridiana.

O grande ativo da Nação Norteamericana está, entretanto, no extraordinário conjunto de universidades e centros de pesquisa, plenamente ativos na criação de inovações produtivas, novidades culturais e aperfeiçoamentos militares. Este é o sustentáculo maior da dominação que exerce no mundo, e não parece estar atingido pelo emaranhado de problemas políticos internos e externos. Razão pela qual não se pode antever nenhuma perspectiva de decadência da dominação que exerce, mas possivelmente de radicalização no uso do poder imperialista, para enfrentar suas dificuldades crescentes. Pior para nós.

É nesta perspectiva que se encontram os países do sul do continente, em grande esforço de conjunção para a superação da velha condição de submissão aos interesses de império do norte.

Politicamente, a América do Sul continua avançando na construção do seu destino: as eleições recentes na Bolívia e no Uruguai o mostraram. São dois países muito importantes e exemplares para nós. Para o Império, todavia, não têm nenhum peso estratégico, não incomodam. Para eles, a prioridade total está no eixo Venezuela, Brasil e Argentina, com peso maior para os dois primeiros. Na eleição presidencial brasileira jogaram forte, e perderam. É de se esperar um jogo ainda mais forte daqui para a frente, na oposição ao governo eleito. Um jogo paralisante e empatador, sabotador se necessário, obviamente invisível ao olho comum, popular. Algo como o que está sendo feito na Venezuela. Aliás, surgiu no Brasil de agora uma expressão nova e muito repetida na mídia: o bolivarianismo, com uma conotação muito próxima do que era, no tempo de Jango, o comunismo.

Não vai ser fácil para nós. Há uma clara ameaça de endurecimento e é preciso ter muita consciência da gravidade do perigo e agir com a competência política de um Lula. Competência para unir os brasileiros, com muito diálogo, com muita disposição ao diálogo difícil, sem radicalismos, sem gestos revolucionários, com muito bom senso e consciência histórica. É o desafio de Dilma Rousseff.

P.S. Notícia Histórica de ontem: foram presos vários dirigentes (presidentes e diretores) de grandes empreiteiras brasileiras. Nunca antes na História deste País isto havia acontecido. Que fatores terão produzido mudança climática tão radical? Que conseqüências isto terá? Temas para um grande debate.

Roberto Saturnino Braga (Foi deputado federal, prefeito e vereador da cidade do Rio de Janeiro e senador da República.
Atualmente é Diretor-Presidente do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento).

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