Eduardo Fagnani* | Francisco Menezes** | Jorge Romano***
Em julho de 2015, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e a ActionAid Brasil realizaram o seminário “Acesso a Serviços como Direito”, com o objetivo de contribuir para a construção da agenda que coloca o acesso a serviços sociais básicos como direito, com vistas a reduzir a pobreza e a desigualdade no Brasil.
A escolha do tema foi motivada pela constatação de que, na última década, ocorreram avanços significativos para as camadas mais pobres em sua capacidade de consumo, mas que elas ainda enfrentam grande dificuldade para ter assegurado seu direito de acesso a serviços de boa qualidade.
As mudanças que se têm dado “da porta de casa para dentro” não vêm sendo acompanhadas pelos mesmos avanços “da porta de casa para fora”, nos serviços disponíveis, especialmente para as camadas mais pobres da população. Sem promover o acesso a serviços públicos de boa qualidade, corre-se o risco de que as portas de saída da pobreza virem portas giratórias, fazendo com que as mesmas populações saiam por um lado e entrem pelo outro.
Nesse diálogo, ficou claro que, para superar a pobreza no Brasil, o nível de renda é condição necessária, porém não suficiente: tem de haver uma verdadeira revolução no acesso e na qualidade dos serviços públicos para universalização da cidadania. E para tal, a compreensão de acesso a serviços como direito e não como mercadoria é imprescindível.
Aprofundando este tema, em Universalização dos serviços públicos para universalização da cidadania, Francisco Menezes e Mariana Dias Simpson afirmam que para superar a pobreza e a desigualdade não basta elevar a renda: “é preciso que haja uma verdadeira revolução no acesso e na qualidade dos serviços públicos para universalização da cidadania”. No Brasil, na última década, os ganhos de renda das famílias em condição de pobreza não foram acompanhados por avanços correspondentes nos serviços. O pior é que na atual conjuntura, mesmo as conquistas na redução da pobreza extrema estão ameaças de retrocesso.
Os autores sublinham que a ampliação do acesso e da melhoria da qualidade dos serviços requer o enfrentamento de questões estruturais complexas, tais como: financiamento, responsabilidade compartilhada entre entes federativos; a apropriação do público pelo privado; e a falta de participação social na elaboração e controle das políticas. O enfrentamento dessas questões não é caminho fácil. No entanto, a agenda da universalização de serviços públicos de boa qualidade é o único caminho a ser percorrido para chegarmos a um novo patamar da luta pela redução da pobreza e desigualdade, afirmam os autores.
A política social brasileira tem papel estratégico como força motriz do desenvolvimento, aponta Eduardo Fagnani, em Política social e desenvolvimento. O conjunto de direitos e benefícios introduzidos pela Constituição Federal de 1988 exigiu um grande esforço para mobilização de recursos financeiros.
Atualmente, o gasto social (três esferas de governo) representa 25% do PIB. A política social pode contribuir em duas frentes principais para incentivar o crescimento da economia. A primeira é fortalecer de forma sustentada o mercado interno de consumo de massas. A segunda é ampliar os investimentos na expansão da infraestrutura para enfrentar as deficiências estruturais na oferta de serviços públicos de boa qualidade. Nesse caso, há uma considerável distância entre direitos estabelecidos pela Constituição de 1988 e exercício pleno desses direitos.
As políticas universais apresentam lacunas e vazios de oferta de serviços.
O autor sublinha que além da questão do financiamento, a universalização da cidadania social, requer enfrentar um conjunto de temas estruturais (pacto federativo, privatização dos serviços e reforma da gestão pública). Aponta que não existem perspectivas favoráveis para a superação desses problemas sem o resgate da política e da democracia, do reforço do papel do Estado e da revisão dos pressupostos teóricos que dão substrato ao tripé macroeconômico (câmbio flutuante, superávit fiscal e metas de inflação). Finalmente destaca que recente opção intencional pela recessão econômica interdita o desenvolvimento, amplia as desigualdades e restringe as possibilidades de ampliar a cidadania social. Ao contrário, prevalece a narrativa liberal de que as conquistas sociais de 1988 “não cabem no orçamento”.
Silvio Caccia Bava, em Como garantir a participação da sociedade na elaboração de políticas e controle social dos serviços públicos? sublinha que, embora com muitos problemas, os Conselhos e Conferências são uma conquista e uma ampliação da nossa democracia. Refletindo sobre o atual impasse do sistema participativo, aponta que esta questão precisa ser vista como uma relação política entre a cidadania e o poder público.
Mais especificamente, ou a participação se inscreve numa estratégia de democratização do Estado e do espaço público, ou ela serve para controlar as manifestações de cidadania. No momento presente, torna-se uma tarefa crucial fortalecer as redes e fóruns de entidades de defesa de direitos, que lhes permitam disputar políticas públicas e colocar a qualidade de vida das maiorias como sua preocupação central, aponta o autor. Analisando o caso da educação nacional, José Marcelino de Rezende Pinto em O papel da educação na retomada do crescimento no Brasil, destaca que a educação é essencial para o desenvolvimento econômico e social, por dois motivos. O primeiro é o efeito multiplicador do gasto público em educação das três esferas de (5,5% do PIB) direcionado, especialmente, para o pagamento de pessoal (professores, diretores, coordenadores pedagógicos e funcionários), o que contribui para o fortalecimento do mercado de consumo de massa. O segundo impacto da educação sobre o desenvolvimento decorre da própria natureza do processo pedagógico no fomento da cidadania e na formação para o trabalho.
Uma educação de boa qualidade interfere positivamente na qualificação dos futuros trabalhadores e na formação crítica para os estudantes. Não obstante, a universalização da educação de boa qualidade, requer o fortalecimento da Democracia e do Estado, capacitando-se financeiramente para cumprir suas tarefas no desenvolvimento nacional, o que requer, dentre outras medidas, a correção da injustiça tributária e a revisão da política monetária, onde prevalecem taxas de juros sem precedentes na experiência internacional.
Finalmente, Natalia S. Bueno e Felix G. Lopez em A atuação das entidades sem fins lucrativos nos municípios: análise dos orçamentos municipais, apresentam as características gerais e a evolução das transferências para entidades sem fins lucrativos (ESFL) nos municípios brasileiros ao longo de onze anos (2002 a 2012). O artigo demonstra o crescente papel destas entidades na prestação de serviços públicos e sociais: entre 2002 e 2012, cerca de R$ 69 bilhões foram transferidos por prefeituras para entidades sem fins lucrativos; o aumento foi de 4,9 vezes no volume agregado e de 2,2 vezes no volume per capita. Em geral, esse incremento está associado ao crescimento das receitas e das despesas municipais nesse período. Por um lado, o espaço ocupado por ESFL no conjunto das despesas municipais não se alterou de forma relevante. Por outro, o aumento sugere que a ampliação da atuação do Estado “caminhou de mãos dadas com a cooperação com ESFL”. Em geral, essa ampliação ocorre de forma mais acentuada nos municípios que apresentam maior status socioeconômico, ou seja, maior renda, maior escolaridade e menor taxa de pobreza (mais concentrados nos municípios no Sul e no Sudeste do país).
Os autores recomendam que, o debate público e as pesquisas empíricas precisam dedicar mais esforços para compreender esse processo, antes de apontar que esse fenômeno seja “um indício de retração do Estado ou precarização das políticas estatais”. Independente das preferências ideológicas, o fato é que as ESFL, “dificilmente terão seu papel reduzido”.
Nesse sentido, “compreender suas especificidades, vantagens e problemas na execução das políticas executadas em parceria com o poder público municipal é indispensável para qualificar projetos visando a universalizar ou a prover serviços de melhor qualidade para a população, especialmente para populações vulneráveis e pobres”, sugerem os autores.
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* – Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit/IE-Unicamp) e coordenador da rede Plataforma Política Social (www.plataformapoliticasocial.com).
** – Consultor da ActionAid Brasil e do Ibase
*** – Coordenador executivo da ActionAid Brasil