Vale a pena tentar novos caminhos para retomar o crescimento

Dilermando Toni*

Para aqueles que defendem o governo Dilma Rousseff e se opõem energicamente às tresloucadas manobras golpistas para apeá-la do Poder, falar em economia é como pisar em ovos. É que em situação de dificuldades econômicas e isolamento político crescente qualquer exagero pode dar munições à direita. Mas, é necessário correr o risco. Mal comparando é como se nossas tropas estivessem cercadas, sob forte fogo inimigo, em várias frentes de combate e, depois de seis meses de tentativas ineficazes para romper o cerco devêssemos tentar outras saídas. Quero dizer, ao contrário do que se pretendeu, o que se passa na economia do país está prejudicando as condições de sustentação política e o prestígio do governo junto ao povo brasileiro

O Brasil vive preso a um dilema que tem a dinâmica de um pêndulo: quando se estimula o crescimento econômico logo se apresenta o perigo da intensificação do processo inflacionário e do desequilíbrio fiscal ou, como agora, quando se combate a inflação e se busca ajustar as contas públicas sacrificam-se os objetivos do crescimento. A resultante deste processo contraditório é um crescimento médio pequeno e lento que tem caracterizado a economia brasileira desde meados dos anos 80 do século passado. A melhoria significativa alcançada no período de 2003-2014 não muda a conclusão.

Ou não é assim? A Presidenta Dilma (e também o ex-presidente Lula), estimulou os investimentos públicos, promoveu concessões, facilitou o crédito de curto e de longo prazo diminuindo corajosamente as taxas de juros durante 2012, revigorou as empresas e bancos estatais, aumentou a renda média dos trabalhadores e diminuiu significativamente o desemprego. Acionou todo um instrumental anticíclico para minimizar os efeitos da crise mundial e preservar as conquistas. Mas, isto provocou certa intensificação do processo inflacionário e algum desequilíbrio fiscal.

Estes dois fenômenos, superdimensionados pela oposição conservadora, ganharam status político e passaram a exercer enorme pressão sobre o governo. Este, numa correlação de forças políticas desfavorável, se viu

obrigado a mudar a direção do pêndulo, reorientando toda a política econômica, cuja vitrine é um pesado ajuste fiscal e a elevação das taxas de juros para combater a inflação. Com isto o governo da presidenta Dilma espera fazer um superávit primário capaz de continuar suportando os encargos da dívida pública e retomar o crescimento.

Entretanto, os resultados dos primeiros seis meses desta experiência mostram um país semiparalisado, tendendo a uma recessão ao final deste ano. E uma inflação resiliente, acumulada em 8,89% nos últimos doze meses, superando em 2,39% o limite superior da meta. Poderia se dizer, uma situação de estagflação.

Os resultados apontam ainda para a queda na arrecadação, para o aumento do desemprego (já são mais de 350 mil postos de trabalho formais perdidos neste ano), sobretudo na indústria e no comércio, setores mais atingidos pela crise, bem como para a redução da taxa de investimentos e para o preocupante aumento do déficit na conta corrente do balanço de pagamentos.

Mas, há um avanço importante na agroindústria. A safra de grãos ultrapassará pela primeira vez os duzentos milhões de toneladas e a produção de carnes atinge também níveis altos. O câmbio melhorou, o Real desvalorizou-se em relação ao Dólar, muito embora os benefícios provocados por isto tendam a se anular, pois a desvalorização das moedas nacionais em relação dólar acontece em todo o mundo. As reservas internacionais de US$ 368,66 bilhões em junho último, embora caras, funcionam como contraponto a possíveis desarranjos cambiais. A Petrobras, com tudo de ruim que lhe tem acontecido, avança na extração de petróleo na área do Pré-Sal. Há ainda o anúncio feito pelo governo de uma série de iniciativas importantes como um novo plano para concessões, financiamento para agricultura e outras que devem dar resultados positivos no médio prazo.

Este quadro nos leva a reflexões. Falo aqui de cinco delas.

1– As causas das dificuldades e da crise precisam ser colocadas em termos mais aprofundados. Sem isto não só se ataca a superfície dos problemas e se confunde os responsáveis.

Como ensina o bê-á-bá do marxismo, o capitalismo tem suas leis próprias de desenvolvimento. Elas são objetivas, não dependem da vontade de ninguém, de nenhum grupamento social ou político, no governo ou fora dele. A acumulação capitalista se dá obrigatoriamente em ciclos de fases bem nítidas e, uma delas, é a crise. Sob a dominância das finanças essas crises adquirem características próprias. Em plano mundial se dá concretamente pelo aguçamento da contradição entre a apropriação capitalista de uma parcela crescente da riqueza pela oligarquia financeira internacional e o empobrecimento da população de países inteiros, tal como descreveu recentemente Thomas Piketti, no seu Capital no Século XXI.

No Brasil as opiniões sobre as causas primárias da crise variam muito. É como o tiroteio de uma queima de fogos no réveillon. Para todos os lados e para todos os gostos. Há os que acham que tudo se deve à gastança e desatinos do governo, e fazem deste discurso sua pièce de résistence política. Há ainda quem queira debitar nossas dificuldades de crescimento principalmente ao regime de metas de inflação adotado pelo Brasil desde 1999, considerado como “o estado da arte” da teoria monetária pelos economistas do mainstream. É claro que há alguma verdade nestas opiniões, mas elas apenas tangenciam a raiz do problema.

A causa primária das dificuldades e da crise está na dominância que as finanças, os grandes bancos, os rentistas e os especuladores, tupiniquins e estrangeiros, a oligarquia financeira, exerce sobre o capitalismo e o Estado brasileiro. Está na forma pela qual se financia o Estado brasileiro, contraindo dívida pública que, embora não tenha um grande montante (33,1% do PIB em março último, em termos líquidos), tem enormes encargos de curto prazo. É o elevadíssimo custo da rolagem da dívida, em outros termos, que obriga o Estado a transferir ao sistema financeiro enormes somas de recursos. Estima-se que em 2015 serão aproximadamente 6% do PIB para pagamento dos juros. Esta sucção passa por diferentes dutos. Pela elevação da Selic que indexa parte considerável da dívida, pelo regressivo sistema de impostos que temos, pelas taxas de juros praticadas pelos bancos que inclui pesados spreads, entre outros.

Esta oligarquia, ao contrário das dificuldades por que passam o Estado brasileiro, o setor produtivo e os trabalhadores, nada em lucros nunca dantes vistos. É o que mostra inequivocamente o balanço dos grandes bancos nos três primeiros meses deste ano. Daí vem a verdadeira pressão

para o ajuste fiscal, para que não haja a menor dúvida quanto à capacidade de pagamento da dívida pública em tempos de recessão.

É preciso, portanto que este tema volte à pauta, que se procure melhorar o perfil da dívida pública para que se tenha recursos para investimentos. Não pode haver solução sem abordar este tema.

2 – Ajuste fiscal e taxas de juros elevadas, ao mesmo tempo, não combinam, são contraditórios, particularmente durante a recessão. Por exemplo, quando se fez a incorporação de tributos ao preço dos combustíveis para aumentar a arrecadação, imediatamente ela rebateu nos preços dos bens, por causa da matriz de transporte brasileira. Por outro lado, a elevação das taxas de juros além de ser um desestímulo direto aos que querem investir na produção é contraditória com o ajuste, pois provoca elevação da dívida e, portanto, desequilíbrio fiscal. A conjugação de tal política fiscal com tal política monetária gera tensões e acelera o processo recessivo. Por isto, faz todo sentido paralisar as sucessivas elevações da taxa básica Selic, atualmente em 13,75% ao ano, e iniciar um percurso em direção contrária.

3 – A inflação apresenta um quadro que não é calamitoso como querem fazer crer os setores conservadores, neoliberais. Olhando para o passado recente veremos que em 2001 fixou-se a meta de 4% e a inflação efetiva foi de 7,67%; que em 2002 a meta era 3,5% e a inflação efetiva atingiu 12,53%, e nem assim o mundo desabou.

À primeira vista poderia parecer que o incremento da massa de dinheiro circulante mais rápido que seu correspondente na produção seja o principal responsável pelas pressões inflacionárias. Explicando melhor, elas poderiam advir do aumento da massa salarial (aumentos reais do mínimo, queda no desemprego), dos programas assistenciais, ou da maior e mais fácil quantidade de crédito disponível, mais rápido que o crescimento do PIB. Por exemplo, mais automóveis em circulação criam a necessidade de mais combustíveis. Mas, a oferta destes não se dá na mesma velocidade, pois a capacidade de refino da Petrobras cresce apenas lentamente, gerando pressões da demanda.

Ao promoverem estas conquistas os governos Lula e Dilma podem ter provocado alguma inflação, consequência do modelo de crescimento baseado no estímulo ao consumo. Mas, na realidade, foram grupos

poderosos que passaram a exercer pressões altistas na tentativa de recompor seus lucros diante da melhoria na distribuição de renda conquistada.

Mas, a oligarquia financeira pensa diferente. Sua obsessão em combater a inflação tem sua lógica na busca de incrementar seus lucros, não pelo reajuste de preços das mercadorias, e sim pelos altos, rápidos e seguros rendimentos do capital portador de juros do qual é proprietária. Os monetaristas de plantão para dar consequência a isto dizem que o crescimento da economia virá como consequência natural da estabilidade da moeda. Lembro-me aqui das palavras de Martin Wolf no recente livro As Transições e os Choques, sobre as lições a tirar da crise iniciada em 2007/08: “A visão de que estabilizar a inflação era uma condição suficiente para a estabilidade econômica se mostrou grotescamente errada. A verdade é o oposto”.

Os professores Luiz Fernando de Paula e Paulo José Saraiva no artigo recente intitulado Regime de metas de inflação: algumas lições da revisão do “novo consenso” nos esclarecem que há no mundo existem 27 países que adotam o regime de metas de inflação, e ainda outros que adotam variantes deste modelo. Pois bem, em primeiro lugar, dizem que não há nenhuma evidência dentre os emergentes de que países que se utilizam do regime de metas de inflação crescem mais do que os que não o adotam. Em segundo lugar, dizem aqueles autores: “Quanto à definição do horizonte da meta – período no qual se espera que o BC alcance sua meta de inflação –, a maioria dos países utiliza prazo médio (dois anos ou mais ou período móvel) que permite divergências de curto prazo entre a meta e os choques que afetam a economia, já que choques não previsíveis têm efeitos defasados na economia. Deve ser destacado que o Brasil, neste particular, é um dos poucos países que utilizam a meta anual (ano calendário) como horizonte da meta”. Por isto, seria perfeitamente plausível que o Brasil levasse em conta esta experiência dos outros países.

4 – Por outro lado, o perfil do ajuste precisa mudar para incluir outras formas de arrecadação que não sejam as que penalizam o setor produtivo e os trabalhadores. Como fazer para que os que tenham grandes fortunas e grandes patrimônios contribuam para o ajuste, é uma questão relevante para o momento. Seria relevante incrementar a discussão visando a aprovação do projeto de taxação das grandes fortunas, sobejamente fundamentado por

lideranças do PCdoB como a deputada carioca Jandira Feghali e o governador do Maranhão, Flávio Dino.

5 – Por último faço referências à relação entre a crise internacional e a situação brasileira. A elite neoliberal tupiniquim aprecia muito falar das dificuldades da China, maior parceiro comercial do Brasil, para defender outra forma de “engate” internacional para o nosso país. Segundo ela, os países ricos já haveriam superado a crise iniciada em 2007-08 e estariam a nos oferecer grandes oportunidades. Chama a atenção o esforço que as grandes potências europeias vêm fazendo para que a Grécia em crise não se desgarre delas.

Mas, a realidade viva parece não dar razão a estes prognósticos. A China socialista tem um crescimento sólido, agora em torno de 7% ao ano, depois de crescer numa média de 10% ao ano durante 30 anos. Fato que entra para a história dos grandes saltos econômicos que alguns países lograram alcançar ao longo de suas trajetórias. Só comparável com a Revolução Industrial inglesa nos finais do XVIII e começo do XIX, com o estupendo desenvolvimento dos EUA nos finais do XIX e começos do XX, com o fantástico salto soviético em meados do XX. Acontecimentos através dos quais estes países ganharam proeminência na cena econômica e geopolítica internacional. Tudo indica que, apesar de alguns percalços, das variações de preços das commodities no mercado internacional, a perspectiva chinesa é previsível e muito boa.

Quanto à situação dos países ricos fico com as opiniões de Martin Wolf e outros analistas que preveem uma recidiva mais grave da crise dado à maneira pela qual vem sendo enfrentada. Insustentável. Entretanto, são grandes economias, que compram, vendem, investem e recebem investimentos.

Por isto é preciso persistir na linha de priorizar relações econômicas e financeiras particularmente com os BRICs sem desprezar as relações com os países ricos. Tal qual o governo Dilma vem fazendo.

* – Dilermando Toni é jornalista dedicado aos assuntos de economia, trabalhou na assessoria de Renato Rabelo de 1995 a 2015, membro do Comitê Central do PCdoB.